Com o post
de ontem antecipei uma ampla cobertura que a comunicação social dedicou no dia
de hoje aos resultados do EU – SILC a que o INE deu a devida nota, tendo mesmo
a TSF dedicado ao tema o seu fórum de discussão. Esta coisa da produção estatística
independente é um elemento crucial da democracia e as Jornadas Parlamentares do
PSD teriam desejado outro timing de
publicitação destes resultados. Bem pode Luís Montenegro bradar aos céus que se
trata de indicadores reportados ao rendimento de 2012 e que por isso, segundo
ele, é de esperar melhorias em 2013. Mas o dia de hoje foi de impacto das evidências
sobre o empobrecimento e desigualdade, indicadores que contribuem para que as
teses do milagre do ajustamento não tenham acolhimento na opinião pública bem
mais recetiva a este tipo de indicadores do que à abstração do crescimento do
PIB.
O destaque do INE concede especial atenção técnica
ao modo como é calculada a linha de pobreza e consequentemente à interpretação
do que deve entender-se por taxa de risco de pobreza. Na verdade, a taxa de
risco de pobreza é calculada como sendo uma percentagem do rendimento mediano
(não rendimento médio mas mediano), pelo que em contexto de descida deste
rendimento a taxa de risco de pobreza precisa de ser corrigida para ter algum
significado. Assim, o cálculo é feito com uma linha de pobreza reportada a 2009
e corrigida pela taxa de inflação. Ora, esta correção determina que 25% da
população portuguesa é considerada em risco de pobreza, com especial
agravamento da pobreza infantil, medida até aos 17 anos de idade. Este dado é
devastador e mostra como é que os resultados na escola não podem ser lidos sem
uma perspetiva da incidência da pobreza, sendo por aí que a defesa da escola pública
é crucial porque é a única que pode contrariar, se tiver meios para isso, o
enviesamento da pobreza.
Para agravar a incomodidade que os dados
provocaram na maioria focada no ajustamento branqueado, Santana Lopes do seu
lugar na Santa Casa da Misericórdia veio convocar em termos de assomo
presidencial que os números hoje discutidos na opinião pública seriam bem
piores sem a intervenção corretora de IPSS, da família alargada e da
solidariedade de avós, pais e irmãos. O provedor veio mesmo clamar que as
condições sociais deveriam preceder em prioridade o documento estratégico das
infraestruturas há pouco apresentado pelo Governo. Ou seja cai pela base a
ideia de que as políticas de austeridade assumidas pela maioria salvaguardaram
os mais pobres.
Num dia em que as Jornadas Parlamentares foram
abafadas pelas réplicas do destaque do INE, Luís Montenegro desenterrou a ideia
do pacto para a natalidade, como forma de salvar o evento e a mensagem daí
emanada.
O problema demográfico é uma questão com que os
portugueses devem preocupar-se, ninguém o ignora. Mas conviria recordar que,
para além de toda uma explicação sociológica da queda da taxa de fertilidade
(papel da mulher no mercado de trabalho, urbanização, novos conceitos de família,
etc) e da necessidade de uma abordagem verdadeiramente pluridisciplinar ao fenómeno,
o comportamento da taxa de fertilidade tem também claros determinantes económicos.
A confiança que a Troika e a maioria se apressaram a criar junto dos mercados é
obtida à custa de um universo de efeitos que constituem o mais poderoso fator
de desconfiança para a inversão da queda da taxa de fertilidade. O cenário de
empobrecimento sistemático, de bloqueamento da mobilidade social ascendente e a
crescente precarização do mercado de trabalho constituem fatores adversos e
penalizadores de um horizonte de estabilidade para a recuperação da
fertilidade.
E aí concordo com Joaquim Azevedo, que discutiu o
tema nas Jornadas Parlamentares do PSD, segundo o qual este é também um problema das
empresas. Em última instância, as empresas devem contribuir para a criação de
condições de conciliação da vida profissional e familiar, não podendo lavar daí
as mãos e fixar-se no papel do Estado. Uma parte do esforço social para recuperar
níveis de fertilidade que permitam algo mais do que a reprodução simples da
sociedade portuguesa tem de ser privadamente assumido.
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