terça-feira, 25 de março de 2014

POBREZA, DESIGUALDADE E NATALIDADE



Com o post de ontem antecipei uma ampla cobertura que a comunicação social dedicou no dia de hoje aos resultados do EU – SILC a que o INE deu a devida nota, tendo mesmo a TSF dedicado ao tema o seu fórum de discussão. Esta coisa da produção estatística independente é um elemento crucial da democracia e as Jornadas Parlamentares do PSD teriam desejado outro timing de publicitação destes resultados. Bem pode Luís Montenegro bradar aos céus que se trata de indicadores reportados ao rendimento de 2012 e que por isso, segundo ele, é de esperar melhorias em 2013. Mas o dia de hoje foi de impacto das evidências sobre o empobrecimento e desigualdade, indicadores que contribuem para que as teses do milagre do ajustamento não tenham acolhimento na opinião pública bem mais recetiva a este tipo de indicadores do que à abstração do crescimento do PIB.
O destaque do INE concede especial atenção técnica ao modo como é calculada a linha de pobreza e consequentemente à interpretação do que deve entender-se por taxa de risco de pobreza. Na verdade, a taxa de risco de pobreza é calculada como sendo uma percentagem do rendimento mediano (não rendimento médio mas mediano), pelo que em contexto de descida deste rendimento a taxa de risco de pobreza precisa de ser corrigida para ter algum significado. Assim, o cálculo é feito com uma linha de pobreza reportada a 2009 e corrigida pela taxa de inflação. Ora, esta correção determina que 25% da população portuguesa é considerada em risco de pobreza, com especial agravamento da pobreza infantil, medida até aos 17 anos de idade. Este dado é devastador e mostra como é que os resultados na escola não podem ser lidos sem uma perspetiva da incidência da pobreza, sendo por aí que a defesa da escola pública é crucial porque é a única que pode contrariar, se tiver meios para isso, o enviesamento da pobreza.
Para agravar a incomodidade que os dados provocaram na maioria focada no ajustamento branqueado, Santana Lopes do seu lugar na Santa Casa da Misericórdia veio convocar em termos de assomo presidencial que os números hoje discutidos na opinião pública seriam bem piores sem a intervenção corretora de IPSS, da família alargada e da solidariedade de avós, pais e irmãos. O provedor veio mesmo clamar que as condições sociais deveriam preceder em prioridade o documento estratégico das infraestruturas há pouco apresentado pelo Governo. Ou seja cai pela base a ideia de que as políticas de austeridade assumidas pela maioria salvaguardaram os mais pobres.
Num dia em que as Jornadas Parlamentares foram abafadas pelas réplicas do destaque do INE, Luís Montenegro desenterrou a ideia do pacto para a natalidade, como forma de salvar o evento e a mensagem daí emanada.
O problema demográfico é uma questão com que os portugueses devem preocupar-se, ninguém o ignora. Mas conviria recordar que, para além de toda uma explicação sociológica da queda da taxa de fertilidade (papel da mulher no mercado de trabalho, urbanização, novos conceitos de família, etc) e da necessidade de uma abordagem verdadeiramente pluridisciplinar ao fenómeno, o comportamento da taxa de fertilidade tem também claros determinantes económicos. A confiança que a Troika e a maioria se apressaram a criar junto dos mercados é obtida à custa de um universo de efeitos que constituem o mais poderoso fator de desconfiança para a inversão da queda da taxa de fertilidade. O cenário de empobrecimento sistemático, de bloqueamento da mobilidade social ascendente e a crescente precarização do mercado de trabalho constituem fatores adversos e penalizadores de um horizonte de estabilidade para a recuperação da fertilidade.
E aí concordo com Joaquim Azevedo, que discutiu o tema nas Jornadas Parlamentares do PSD, segundo o qual este é também um problema das empresas. Em última instância, as empresas devem contribuir para a criação de condições de conciliação da vida profissional e familiar, não podendo lavar daí as mãos e fixar-se no papel do Estado. Uma parte do esforço social para recuperar níveis de fertilidade que permitam algo mais do que a reprodução simples da sociedade portuguesa tem de ser privadamente assumido.

Sem comentários:

Enviar um comentário