As crónicas de hoje no Público de Vasco Pulido
Valente e de José Pacheco Pereira são bem reveladoras da estranha fratura que
se gerou na sociedade portuguesa em torno de um simples documento sobre a
reestruturação da dívida. Fratura que não é entre a esquerda e a direita, como
a mente peregrina e um pouco engordurada de António Costa jornalista do Económico
quer fazer crer, tamanha é a incapacidade destas mentes amestradas
compreenderem a essência do debate democrático.
Que o isolamento comunicacional de Vasco Pulido
Valente (não conheço outro caso de desconformidade mais gritante entre o brilho
da prosa e a indigência do verbo em televisão) o transporta para uma tentativa
ridícula de recuperação da metáfora da brigada do reumático não me surpreende. Os
conceitos e critérios de determinação da irrelevância dos outros são em VPV
muito particulares e está no seu direito de os usar para seu próprio deleite,
numa espécie de delírio senil que ele próprio associa ao manifesto dos 70 e que
diz recusar. Não é difícil imaginar uma bateria de critérios de determinação da
(ir)relevância de personalidades públicas, que podem ser aliás socialmente validados,
à luz dos quais o Manifesto poderia reunir relevâncias públicas bem superiores à
do próprio VPV, que certamente se considera o mais culto do burgo.
A abordagem de JPP é bem mais profunda pois
analisa as derivas democráticas, nacionais e europeias, do que nos cerca, sendo
impiedoso na identificação dos tiques de autoritarismo que por aí pululam, dos
mais alarves aos mais emproados e travestidos de patriotismo de circunstância. E
o que é sociologicamente muito rico é que JPP identifica a vasta gama de
interesses e estatutos que se abrigam nestes tiques de autoritarismo, todos
eles apostados em conservar as almofadas de vário tipo que lhes permitirão
continuar a defender impávidos e serenos o empobrecimento de longo prazo dos
desprovidos de almofadas anatómicas e a preceito conquistadas com a subida ao
poder.
E é nisto que a atual maioria transformou o país,
uma sociedade fraturada e dividida entre os almofadados e os desprotegidos,
muito mais do que espartilhada entre a esquerda e a direita.
Perante este cenário, o patético Cavaco escreve e
assina por baixo e com isso pensa que adquire o sentido profundo das coisas (os
outros falam, falam, mas eu escrevo e assino …).
Face a este estado de coisas, só a alternância
democrática vigilante (no sentido de que também no PS é necessário contrariar
derivas) pode erradicar estes tiques de autoritarismo, havendo espaço para uma vasta
reunião de sensibilidades para suportar uma governação alternativa.
E quanto a Cavaco até estarei disposto a votar em
Marcelo para nos vermos livres de tal figura (claro está em função das
alternativas …).
Nota final: o meu colega de blogue vai obrigar-me a comprar o livro da Maria João Avillez e de Vítor Gaspar, para mal dos meus pecados, apesar do coração benfiquista da primeira. Mas confesso-me estupefacto. Levar pela manhã com o Vítor Gaspar a citar Hirschman e Fernando Henrique Cardoso já não é para a minha idade e vou tentar recuperar ao longo do dia com casamento em Arouca. Voltarei obviamente ao tema depois de recuperado.
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