Ao ler o último post do António Figueiredo a propósito de um eventual novo imposto sobre a despesa, peça que foi aliás suscitada por uma discussão sobre a matéria que decorre nas Jornadas Parlamentares do PSD, recordei-me de uma daquelas leituras de avião a que às vezes recorro e pensei com os meus botões que talvez pudesse usá-la para conseguir finalmente o meu momento de glória junto dos austeristaristas mais refinados e seus acólitos de bancada.
Pois aí vai, com a imprescindível ajuda do “Le Monde”: em França, a 24 de novembro de 1798, foi instituído o muito controverso imposto sobre as portas e as janelas. O ministro das Finanças de então, Ramel de Nogaret, estava também confrontado com uma dívida pública impagável (que viria, aliás, a ser pura e simplesmente anulada em dois terços do seu valor, dando origem ao que passou à posteridade como a “bancarrota dos dois terços”) e com a correspondente aplicação de um plano de austeridade, tendo fundamentado aquela instauração numa dupla legitimidade: um imposto vindo da Velha Roma, à época lançado por Júlio César (ostiarium) e incidindo sobre a dimensão das portas e o número de colunas das fachadas, ambas consideradas como símbolos de luxo; um imposto sobre as janelas criado em finais do século XVII na Grã-Bretanha, dotado de todas as vantagens de um imposto indiciário (facilidade de cálculo e de cobrança e forte previsibilidade), que começou por ser assumido como provisório mas só acabou por ser suprimido em 1851 (situação a que se refere a ilustração acima, publicada no jornal satírico “Punch”) – é até curioso sublinhar que, em inícios do século XIX, se designava o raquitismo (doença associada à falta de sol) por “mal inglês” (era então crescente o número de famílias sufocadas pelo ar viciado das casas sem janelas). O certo é que o imposto não só perdurou em França (desaparecendo apenas em 1926, embora tendo sido imposto local desde 1914) como se tornou até a base das fiscalidades dos Estados que foram nascendo nos escombros do império napoleónico (com algumas variações, como foi p.e. o caso do imposto holandês sobre as chaminés).
Digam lá, caros senhores deputados e seus mandantes, se não querem mesmo aproveitar esta oportunidade para darem largas à vossa infindável imaginação procedendo à devida exploração legislativa desta minha tão genial e salvífica ideia!
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