quinta-feira, 13 de março de 2014

UM VÉU CADA VEZ MAIS TRANSPARENTE



O tempo vai passando, a informação vai surgindo, a investigação faz o seu papel e o véu sobre os programas de ajustamento nos países da periferia europeia com o qual tem sido canhestramente montada a operação de branqueamento dos erros da Comissão Europeia e seus cúmplices vai-se tornando cada vez mais transparente.
Elisa Ferreira teve ontem no Parlamento Europeu uma intervenção bem apelativa a chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes e dispõe para isso para seu apoio e fundamentação um conjunto cada vez mais alargado de referências e suportes de evidência bem conclusiva.
Simon Wren-Lewis no sempre visitável Mainly Macro tem-se focado na Grécia e na negação sistemática por parte dos branqueadores do que verdadeiramente aconteceu com o programa de ajustamento grego. A Grécia é particularmente ilustrativa de um certo tipo de argumentação que acompanhou de início os fundamentos para um ajustamento tão punitivo. As particularidades pouco recomendáveis em alguns domínios da administração pública grega sempre foram usadas como o grande alibi para o ajustamento punitivo. Mas o problema é que, sem ignorar tais particularidades e a necessidade imperiosa de contrariar tais abusos e disfuncionalidades, rapidamente a degradação da situação permitiu verificar que tais “particularidades” esgotavam rapidamente a aceitável carga justificativa.
Simon Wren-Lewis refere alguns mitos sobre os pretensamente incorrigíveis gregos. Primeiro, a tese segundo a qual a pretensa incompetência grega não permitiu aplicar a austeridade desejada é um completo non sense. Desde 2011, a Grécia apresenta excedentes orçamentais primários em percentagem do PIB respetivamente de 1,3% (2011), 4,2% (2012), 6,5% (2013) e projeta para 2014 7,6%, com quedas de PIB para esses mesmos anos de 7,1%, 6,3%, 4,5% e 1,3%. Segundo, a negação de que os gregos se recusaram a descidas de salários cai também por terra, com forte aceleração dessa queda em 2011-12. Terceiro, o facto da despesa pública grega em defesa, designadamente em submarinos alemães, não ter caído ilustra bem o cinismo da abordagem. Quarto, a negação da responsabilidade do ajustamento punitivo pela deterioração das condições de saúde dos gregos leva Wren-Lewis a uma surpreendente comparação com a fome irlandesa de 1840.
Quanto a Portugal, um estudo do think-tank Bruegel de autoria de Pisany-Ferry, Sapir e Wolff de 2013 que me tinha escapado é também bem sintomático dos dados certos que têm de ser invocados para desmontar o branqueamento levado a cabo pela Comissão Europeia (Rehn e seus muchachos). Os autores destacam sobretudo o facto dos custos sociais e de emprego da austeridade terem coexistido com uma desapontadora performance do investimento, contrariando toda a ideologia do programa de ajustamento. Aliás, tal como Viriato Soromenho hoje assinala no Diário de Notícias, a publicação dos dados macroeconómicos de 2013 pelo INE retira quaisquer veleidades de branqueamento despudorado: “Como se fosse uma lista de baixas numa guerra, ficámos a saber que o PIB do país recuou ao nível do ano 2000 e o emprego tombou até ao ano de 1996. Em dois anos e meio foram destruídos 328 mil empregos. Tudo isto para combater uma dívida pública bruta excessiva, que, no mesmo período, subiu de 94% para quase 130% (ultrapassando em 15% as precisões da troika).”
Assim sendo, Cara Elisa, que a força das palavras te assista e não te falte para pôr esta gente, que não é de confiança, na ordem. E que Seguro, Assis e o PS o compreendam.

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