Datado de 17 de fevereiro, Ryan Avent tem no blogue FREE EXCHANGE do The Economist um contributo que considero de
referência para entender a perplexidade atual dos economistas relativamente a
alguns dos padrões de funcionamento das economias mais desenvolvidas.
Quanto às matérias da perplexidade existe praticamente
consenso. Com referência à economia americana, o elemento mais conhecido do puzzle é o aparente paradoxo do flop do
crescimento da produtividade no período de impulso da internet (1996-2004). A
economia americana é conhecida por estas falhas da produtividade. O período
similar mais conhecido consistiu no lento despertar da produtividade após a
disseminação do paradigma das tecnologias de informação e comunicação, que mereceu
de Robert Solow o conhecidíssimo comentário de que “os computadores estão por todo o lado menos
na produtividade”. A economia britânica juntou-se ao paradoxo no período
de crise financeira e posterior recuperação com uma queda evidente do
crescimento da produtividade que mereceu de economistas como Martin Wolf pertinentes comentários.
As restantes matérias de perplexidade são a
estagnação do salário real (que é na minha perspetiva o mais significativo
indicador de desenvolvimento económico
de uma economia), a queda da taxa de participação da força de trabalho, o
excesso de poupança (o savings glut de Ben Bernanke) e a mais recente
estagnação secular de Larry Summers.
Todas estas matérias de perplexidade emergem com
os cenários de crescimento moderado que vão atingindo a economia mundial e por
isso a invocação da necessidade do crescimento (como por exemplo António José
Seguro tem vindo persistentemente a reclamar) corre o risco de se perder nos
meandros da retórica sem ter em conta que no horizonte há puzzles por resolver.
Por isso também a perplexidade dos economistas
vai de par com a perturbação das economias mais desenvolvidas.
O artigo de Ryan Avent é de grande ambição, pois é
segundo o meu conhecimento uma das primeiras tentativas de juntar os puzzles parcelares atrás enunciados num puzzle único, procurando uma interpretação
integrada e global das maleitas dos mais desenvolvidos. Mas a ambição
justifica-se pois a lentidão da recuperação, quatros anos depois do pânico
financeiro ter sido contido e recuperada a confiança, não se explica apenas
pelas incongruências e hesitações da política monetária e fiscal.
O ponto de partida de Avent é-me bastante caro. Afinal,
as economias de mercado dependem essencialmente dos salários como veículo de
injeção de poder de compra nas economias. Numa economia em que o progresso técnico
constitui o principal fator de dinâmica e de mudança, a lógica do mercado
determina que a sua aplicação se traduza sempre por um primeiro impulso de redução
potencial de emprego, que só a dinâmica futura do investimento-inovação é
suscetível de compensar, criando os empregos compensatórios necessários. Resistir
a esses processos implica uma espécie de autolimitação do crescimento da
produtividade e naturalmente do crescimento.
A comparação do modo como as economias americana
e da Grã-Bretanha reagiram ao choque de 2008 ajuda a compreender a influência
que a inflação tem nestes processos. Nos EUA, produto e emprego desceram
acentuadamente com o choque, tendo o produto recuperado mas o emprego assumiu
uma trajetória muito mais lenta de recuperação, não tendo ainda atingido o pico
anterior à crise. Pelo contrário, na GB, a recuperação fez-se sobretudo no
emprego, permanecendo o produto ainda abaixo do pico anterior à crise.
Ora, onde é que a inflação entra nesta explicação?
A explicação de Avent aponta para as consequências
de uma maior inflação na GB. A redução consequente dos salários reais permitiu
que as empresas britânicas incorporassem mais trabalhadores menos
intensivamente, ou seja com produtividades mais baixas. Pelo contrário, a menor
inflação americana pressionou ascendentemente os salários reais durante a
recessão, incentivando as empresas a utilizar mais intensivamente os
trabalhadores existentes, isto é, com produtividade crescente.
Ora esta é uma explicação que me interessa. A
produtividade é uma variável endógena aos efeitos do salário real. As quedas de
salário real levam a baixas da produtividade e é isto que tenho vindo a
salientar neste blogue sobre os efeitos dinâmicos perniciosos da descida de salários
que nos querem impor por via do macroajustamento puxado pelo dictat da troika. O argumento está teoricamente bem desenvolvido e
demonstrado em trabalhos já com algum tempo do economista americano Paul Romer
e considero ser essa a fonte da baixa produtividade média da economia
portuguesa, que viveu durante largo tempo seja com a benesse dos baixos salários,
seja com períodos de desvalorização do escudo.
A explicação de Ryan Avent leva-nos bastante
longe, pois a endogeneidade da produtividade e do salário real enriquece a
interpretação do comportamento da primeira, não o limitando aos efeitos do
persistente aumento do rácio capital/trabalho impulsionado pelo progresso técnico.
A parte mais sugestiva do artigo talvez seja
aquela em que Avent introduz na análise a natureza do fluxo permanente e inexorável
de progresso técnico que dinamiza as economias de mercado e à sua conclusão de
que o pleno emprego está hoje divorciado do conceito de máximo crescimento sustentável
do produto.
Essa parte do argumento fica para outro post. Por agora, é importante concluir
que se a produtividade e salário real tiverem um comportamento endógeno, então,
para um dado nível de procura global das economias, a mudança tecnológica das
economias e a política macroeconómica (designadamente os objetivos do Banco
Central) deixam de ser variáveis independentes mas relacionadas.
Temos pois matéria fundamental para discernir
quem nos próximos tempos irá além da simples retórica.
Para memória futura.
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