terça-feira, 4 de março de 2014

ECONOMIAS PERTURBADAS, ECONOMISTAS PERPLEXOS



Datado de 17 de fevereiro, Ryan Avent tem no blogue FREE EXCHANGE do The Economist um contributo que considero de referência para entender a perplexidade atual dos economistas relativamente a alguns dos padrões de funcionamento das economias mais desenvolvidas.
Quanto às matérias da perplexidade existe praticamente consenso. Com referência à economia americana, o elemento mais conhecido do puzzle é o aparente paradoxo do flop do crescimento da produtividade no período de impulso da internet (1996-2004). A economia americana é conhecida por estas falhas da produtividade. O período similar mais conhecido consistiu no lento despertar da produtividade após a disseminação do paradigma das tecnologias de informação e comunicação, que mereceu de Robert Solow o conhecidíssimo comentário de que “os computadores estão por todo o lado menos na produtividade”. A economia britânica juntou-se ao paradoxo no período de crise financeira e posterior recuperação com uma queda evidente do crescimento da produtividade que mereceu de economistas como Martin Wolf pertinentes comentários.
As restantes matérias de perplexidade são a estagnação do salário real (que é na minha perspetiva o mais significativo indicador de desenvolvimento económico de uma economia), a queda da taxa de participação da força de trabalho, o excesso de poupança (o savings glut de Ben Bernanke) e a mais recente estagnação secular de Larry Summers.
Todas estas matérias de perplexidade emergem com os cenários de crescimento moderado que vão atingindo a economia mundial e por isso a invocação da necessidade do crescimento (como por exemplo António José Seguro tem vindo persistentemente a reclamar) corre o risco de se perder nos meandros da retórica sem ter em conta que no horizonte há puzzles por resolver.
Por isso também a perplexidade dos economistas vai de par com a perturbação das economias mais desenvolvidas.
O artigo de Ryan Avent é de grande ambição, pois é segundo o meu conhecimento uma das primeiras tentativas de juntar os puzzles parcelares atrás enunciados num puzzle único, procurando uma interpretação integrada e global das maleitas dos mais desenvolvidos. Mas a ambição justifica-se pois a lentidão da recuperação, quatros anos depois do pânico financeiro ter sido contido e recuperada a confiança, não se explica apenas pelas incongruências e hesitações da política monetária e fiscal.
O ponto de partida de Avent é-me bastante caro. Afinal, as economias de mercado dependem essencialmente dos salários como veículo de injeção de poder de compra nas economias. Numa economia em que o progresso técnico constitui o principal fator de dinâmica e de mudança, a lógica do mercado determina que a sua aplicação se traduza sempre por um primeiro impulso de redução potencial de emprego, que só a dinâmica futura do investimento-inovação é suscetível de compensar, criando os empregos compensatórios necessários. Resistir a esses processos implica uma espécie de autolimitação do crescimento da produtividade e naturalmente do crescimento.
A comparação do modo como as economias americana e da Grã-Bretanha reagiram ao choque de 2008 ajuda a compreender a influência que a inflação tem nestes processos. Nos EUA, produto e emprego desceram acentuadamente com o choque, tendo o produto recuperado mas o emprego assumiu uma trajetória muito mais lenta de recuperação, não tendo ainda atingido o pico anterior à crise. Pelo contrário, na GB, a recuperação fez-se sobretudo no emprego, permanecendo o produto ainda abaixo do pico anterior à crise.
Ora, onde é que a inflação entra nesta explicação?
A explicação de Avent aponta para as consequências de uma maior inflação na GB. A redução consequente dos salários reais permitiu que as empresas britânicas incorporassem mais trabalhadores menos intensivamente, ou seja com produtividades mais baixas. Pelo contrário, a menor inflação americana pressionou ascendentemente os salários reais durante a recessão, incentivando as empresas a utilizar mais intensivamente os trabalhadores existentes, isto é, com produtividade crescente.
Ora esta é uma explicação que me interessa. A produtividade é uma variável endógena aos efeitos do salário real. As quedas de salário real levam a baixas da produtividade e é isto que tenho vindo a salientar neste blogue sobre os efeitos dinâmicos perniciosos da descida de salários que nos querem impor por via do macroajustamento puxado pelo dictat da troika. O argumento está teoricamente bem desenvolvido e demonstrado em trabalhos já com algum tempo do economista americano Paul Romer e considero ser essa a fonte da baixa produtividade média da economia portuguesa, que viveu durante largo tempo seja com a benesse dos baixos salários, seja com períodos de desvalorização do escudo.
A explicação de Ryan Avent leva-nos bastante longe, pois a endogeneidade da produtividade e do salário real enriquece a interpretação do comportamento da primeira, não o limitando aos efeitos do persistente aumento do rácio capital/trabalho impulsionado pelo progresso técnico.
A parte mais sugestiva do artigo talvez seja aquela em que Avent introduz na análise a natureza do fluxo permanente e inexorável de progresso técnico que dinamiza as economias de mercado e à sua conclusão de que o pleno emprego está hoje divorciado do conceito de máximo crescimento sustentável do produto.
Essa parte do argumento fica para outro post. Por agora, é importante concluir que se a produtividade e salário real tiverem um comportamento endógeno, então, para um dado nível de procura global das economias, a mudança tecnológica das economias e a política macroeconómica (designadamente os objetivos do Banco Central) deixam de ser variáveis independentes mas relacionadas.
Temos pois matéria fundamental para discernir quem nos próximos tempos irá além da simples retórica.
Para memória futura.

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