quarta-feira, 31 de julho de 2024

PREPARAÇÃO PARA UMA ESTAÇÃO NÃO TÃO “SILLY” COMO ISSO

 

                                                                    (Gillian Anderson)    

(Tal como já oportunamente o referi, a modorra estival está em marcha, reforçada por dias de algum sufoco de temperatura e humidade, com aquele tipo de noites em que o corpo não descansa, já que a temperatura não desce como habitualmente. Como diria o António Variações, o corpo é que paga e a cabeça também. A partir daqui, tendo Seixas, Moledo e Caminha como refúgio, com escapadelas gastronómicas à vizinha Galiza, vai iniciar-se a luta do costume com as manhãs e por vezes dias de nevoeiro, com a sempre presente nortada, ainda que preparado para abençoar as tréguas registadas nesses elementos e entrar em êxtase com aqueles dias em que, por vezes, raras vezes, os elementos se conjugam para fazer de uma praia do Norte a mais amena das praias algarvias. Tudo isto exige mudança de leituras e preocupações, em modo compatível com a tal modorra que me acompanha irreversivelmente nas férias, de alguém que prefere a esplanada à praia, sem enjeitar esta última para matar saudades dos tempos em que se almoçava e jantava na praia (Matosinhos) à custa de fartos farnéis preparados pelas Mães. Já nesse modo de preparação, encontrei um artigo na elitista e mui urbana New Yorker, ninguém é perfeito e seguramente não o sou. O artigo versa sobre uma das minhas atrizes de estimação, Gillian Anderson, e trata de um apetitoso assunto – “Gillian Anderson’s Sex Education”, assinado pela talentosa Rebecca Mead. Aí vamos nós, com a ajuda de uma sugestiva fotografia da artista assinada por Maisie Cousins.)

Entre a fotografia que abre este post e a Gillian Anderson que recordamos com saudade da Danna Sculy dos Ficheiros Secretos vai uma longa transformação, como que se estivéssemos perante duas mulheres totalmente diferentes. Rezam as crónicas que havia apostas para saber se ao longo da rodagem de todas as temporadas dos X-Files alguma vez Gillian teria sorrido ou soltado uma risada que fosse. O que estava aí em causa, porém, era o talento da atriz para manter rigorosamente o estatuto de uma Scully ultra-racional. O diretor do 1º episódio da nova série da Netflex que Gillian está a gravar, The Abandons, um western, Otto Bathurst referiu à jornalista da New Yorker que a atriz tem a capacidade rara de assegurar um prazer continuado à contemplação do seu rosto e desempenho, algo que é considerado essencial para uma série de longo percurso, ou seja que se mantém no ar durante um longo tempo. Há quem perceba da matéria e creio que será isso que explica o fascínio que aquele rosto me suscita.

Desde o desaparecimento dos X-Files, que sempre se revisitam com prazer, talvez The Fall seja a série que mais empolgou a atenção dos seus admiradores, na qual Gillian protagoniza uma detetive, Stella Gibson, a abraços com um “serial killer”, três temporadas que culminam com um enfrentamento de uns longos doze minutos entre Gibson e o “serial killer” que arrebatou todo o pacato cidadão que visualizou a série. Mas o drama-comédia também da Netflix Sex Education, em que Gillian Anderson assina o papel de uma surpreendente terapeuta sexual é talvez aquele que melhor nos transporta para o estatuto de franqueza e abertura sexual que a atriz neste momento representa. O artigo de Rebecca Read é precioso nessa matéria e explica, em parte, a publicação pela atriz de uma obra sobre fantasias sexuais, não tão tórridas como se poderia pensar.

A participação na The Crown, em que Anderson se atreve a compor uma notável personagem de Margaret Thatcher, numa série dirigida por Peter Morgan, seu atual companheiro para os tempos livres, completa o quadro diversificado de personagens, adensando a perceção do seu talento. Esta americana de nascimento (Chicago), mas londrina dos vários costados, representa assim um dos personagens mais fascinantes do mundo do cinema e da televisão.

Embora sempre disponível para rever os bons velhos tempos dos X- Files só me apetece dizer que venha o western.

 

E SEGUE...

 

Velha causa do CDS/PP e “menina dos olhos” de quase todos os seus líderes, com Paulo Portas à cabeça e o seu atual seguidor Nuno Melo a não lhe largar a pegada, a questão da glorificação dos ex-combatentes foi na semana transata consagrada através de decisão de gratuitidade dos medicamentos para os velhos “heróis”, ademais devidamente desburocratizada. Montenegro juntou-lhe a equiparação do suplemento salarial dos militares ao dos polícias e veio a terreiro proclamar a justiça da sua histórica e inigualável decisão, levando pela mão um garboso e contentíssimo ministro da Defesa Nacional (que, a esta hora, já certamente conhecerá os principais contornos do Tratado do “Atlético” Norte). Insisto: os diretórios políticos nacionais que se resolvam depressa quanto à questão do voto do OE para 2025, sob pena de corrermos o risco de acabar o ano com as contas públicas a entrarem em nova fase de plano inclinado...

O FASCÍNIO DA BÊTISE

 

Tal como o meu colega aqui do lado, sou fã das crónicas (e dos livros, já agora!) de António Guerreiro (AG), alguém que considero como um dos raros intelectuais que ainda sobram no espaço público nacional. Vem esta nota confessional a propósito do modo elegantemente demolidor como AG elabora na sub-rubrica “Livro de recitações” da sua última crónica acerca da tendência de Henrique Raposo (articulista do “Expresso”) para a bêtise. Citando um excerto particularmente disparatado deste (“O fascismo era assim relativista. E quem é que fez o favor de manter vivo este relativismo com pé e meio na epistemologia fascista? A esquerda pós-moderna que dominava (e ainda domina?) os departamentos de letras e ciências sociais. Os Foucault. Os Boaventura. Os Prado Coelho.”), AG comenta-o desta deliciosa forma: “Compungido e envergonhado, venho confessar uma das minhas debilidades: não perco um artigo de Henrique Raposo, não me limito a ler os que surgem por acaso nas minhas deambulações, procuro-os com impaciência porque me fornecem um suplemento de diversão, exercem sobre mim o fascínio de que é capaz a bêtise. Não ouso dizer esta palavra em português: na língua francesa, flaubertiana, tem outro alcance teórico e dissolve o aspeto ofensivo. A ideia de um Prado Coelho, ou de qualquer outro dos referidos, “com pé e meio na epistemologia fascista” (seja lá isso o que for) é de rir até às lágrimas. Desconfio que Henrique Raposo usa conscientemente a bêtise com cálculo de cronista cheio de esperteza. E estúpido é então o meu fascínio.” Melhor era impossível, até pelo recurso a uma pseudo-imputação de culpa própria – pura e simplesmente brilhante!

terça-feira, 30 de julho de 2024

COM DITADORES NÃO HÁ QUE ENGANAR …

 


(Corre pelas redes sociais um vídeo cómico-trágico em que um atleta a sugerir semelhanças com Nicolás Maduro arranca antes dos restantes concorrentes para uma prova de velocidade, de pistola em punho, vai aniquilando os adversários que correm atrás de si, chegando vitorioso a uma linha de meta que, entretanto, foi antecipada para facilitar a vitória. Não tenho nem informação, nem conhecimento do contexto em que decorreram as eleições venezuelanas para concluir com rigor que tipo de atrocidades eleitorais foram cometidas para perpetuar Maduro no poder. Depois, falta-me informação para avaliar se as múltiplas sondagens publicadas antes das eleições eram de confiança ou se estavam já contaminadas pelo jogo eleitoral. Por isso, terei que dizer que muito provavelmente existiu batota, de que tipo não se sabe, ou então as sondagens anteriores estavam também elas próprias viciadas no seu propósito. O que me parece ter existido é alguma ingenuidade quanto aos reais propósitos de Maduro no sentido de respeitar os resultados quaisquer que eles fossem. Com ditadores não há que enganar e ainda está para vir o primeiro que organiza decentemente um processo eleitoral para abrir caminho à sua sucessão democrática. O único elemento objetivo que possuo e que foi publicado é a afirmação da candidata excluída e verdadeira líder da oposição, Maria Corina Machado, de que estão em seu poder pelo menos 70% das atas eleitorais e essas não davam a vitória a Maduro. Outra questão bem mais complexa é a real dimensão da população que pode sentir-se ameaçada por uma substituição de Maduro por um governo democrático e obviamente de orientações mais liberais e pró-mercado. Sabemos que todos os processos de substituição de ditaduras latino-americanas se saldaram por processos mais ou menos selvagens de reconstituição dos mecanismos de mercado, com larguíssima penalização das populações mais desfavorecidas. O modelo de libertário selvagem com que Milei se apresentou na Argentina vai provocar um rol imenso de novos pobres, confirmando a regra. Creio que essa massa de população será claramente superior à que beneficia diretamente da ditadura de Maduro, pelo que a batota eventualmente existente ter-se-á limitado a acrescentar peso eleitoral a essa massa de potenciais excluídos.)

Imaginei que estivesse em curso algum plano secreto de assegurar a Maduro um exílio relativamente dourado, tamanha era a confiança ocidental e americana de que desta vez era a sério e que Maduro iria perder o poder. As sondagens só deram expressão a essa crença. Só na presença desse plano acreditaria que a substituição pudesse ser operada a partir do jogo eleitoral democrático.

Tudo leva a crer que esse plano oculto não terá existido, pelo que se mantém a regra de que os ditadores não brincam em serviço e que usarão as prerrogativas desse autoritarismo para assegurar a sua perpetuação no poder. Nessa base, a ditadura venezuelana ou cairá de madura e decrépita ou a violência acaba com ela. Tudo o resto é pura fantasia.

 

DA PRAIA

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com) 

O nosso adotado parceiro “El Roto” prepara-se para nos abandonar até setembro, como habitualmente acontece. Mas não deixou de aproveitar este estranho mês de julho, entre tórrido e instável (por vezes, mesmo chuvoso – ainda há quem questione a força das alterações climáticas), para nos brindar com algumas das suas sempre ironicamente gloriosas vinhetas. Explorando vícios públicos e privados correlacionados com a ida a banhos que maioritariamente carateriza o uso preferencial do tempo de paragem ou de férias veraneantes e guardando azadamente para dentro de si as virtudes públicas e privadas a que tentará aceder.
 
Pela minha parte, comecei mais cedo neste ano atípico em que a essência dos locais costumeiros continuará a marcar presença mas em que outros valores transitórios se vão ter de impor na orgânica deste mês e meio de dominante afastamento físico (que não necessariamente virtual). Disso procurarei, também eu, disfrutar à minha própria medida. Desejando ainda ao meu colega do lado e a todos os que pacientemente nos seguem, com maior ou menor regularidade, um Verão pleno de tudo quanto merecem!

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

segunda-feira, 29 de julho de 2024

HÁ BATALHAS QUE NÃO ACABAM …

 

                                                                                                (PORDATA)

(A evolução das taxas de abandono e insucesso escolar em Portugal, particularmente a partir de meados da década de 2000, representou matéria de orgulho nacional, justificadamente refira-se. As metas exigentes estabelecidas pela União Europeia no âmbito do generoso financiamento do Fundo Social Europeu foram ultrapassadas e chegou-se mesmo a pensar que o valor dos 6% da taxa de abandono poderia ainda ser mais reduzida. A redução observada, como todas as avaliações dos fundos europeus mobilizados o demonstraram, não foi objeto do acaso, mas antes de um conjunto amplo e diversificado de instrumentos de política pública, algo de base bastante territorializada, como o foram, por exemplo, o instrumento dos TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária – e da miríade de Programas de Combate ao Insucesso Escolar lançados já no período de programação anterior por todo o território continental, de raiz intermunicipal e municipal. Os dois anos de pandemia com intervenções dramáticas nas Escolas teriam forçosamente de impactar todo o processo, introduzindo nos fenómenos da retenção e desistência anomalias e padrões não comparáveis com o período anterior. Começam, entretanto, a surgir publicados os primeiros dados sobre a própria taxa de abandono e sobre as taxas de retenção e desistência. Esses dados demonstram à evidência que a batalha não está ganha. Surgem os primeiros sinais de preocupação. Alguma imprensa mais atenta (link para o artigo recente do Público) dedicou atenção ao problema e será fundamental parara de novo para pensar e gizar um novo período coerente e insistente de políticas públicas. A verdade é que os fatores estruturais que conduziram o abandono a picos incompatíveis com a modernidade democrática não desapareceram por magia. Estarão alguns mitigados, mas não foram totalmente erradicados. E essa ideia de que a Escola tem de resolver todos os problemas que lhe entram pelos muros dentro é pura fantasia. Além disso, o crescimento do ensino profissional e de dupla certificação que esteve na origem de parte considerável da redução do abandono observada parece ter entrado num estranho “plateau”, o que vem adensar as preocupações. Por outro lado, um dos grandes especialistas da educação em Portugal, o Professor Joaquim Azevedo, acaba de publicar recentemente uma obra desencantado sobre os fatores de exclusão que continuam a atravessar as Escolas e as suas atividades, que ainda não li, mas que promete trazer elementos de grande alcance para compreender as interrogações sobre a descida do abandono.)

A curva que descreve a evolução da taxa de abandono escolar precoce fala por si. A trajetória de descida do indicador é de facto notável, mas na parte final a tal inversão de tendência está ali para nos preocupar e sobretudo demonstrar que a batalha não está ganha, antes vai travar-se com novas condições e talvez um contexto diferente.

Vou utilizar os dados para o Continente que a DGEE acaba de publicar para seguir o comportamento recente das taxas de retenção e desistência, fazendo-o para o 3º ciclo do ensino básico e para o secundário. Recordo que nos últimos anos (a partir de 2008/09, o ensino profissional já faz parte dos cálculos publicados pela DGEEC.

                            (Fonte: cálculos próprios a partir de DGEEC)
 

O gráfico que representa essa evolução é apresentado imediatamente acima.

As taxas de retenção e desistência começam elas também a partir de 2020/21 a voltar a aumentar, nada de explosivo ou inquietante sobretudo porque elas tinham descido de modo assinalável. 

(Fonte: cálculos próprios a partir de DGEEC)

Por sua vez, a massa de alunos matriculados continua a descer desde 2013/14 e 2014/15, não sabendo ainda se a chegada ao país de população imigrada com filhos em idade escolar irá inverter essa tendência ou se já é devido a essa presença que os valores da população de jovens matriculados não desceram mais significativamente.

O meu ponto neste alerta é tão só o de chamar a atenção para que os problemas de abandono escolar não estão erradicados, sendo necessário compreender se a influência do ensino profissional na redução está ou não esgotada. Em meu entender, os poderes políticos não deram a devida atenção à notável redução da taxa e isso até me espantou, já que o Partido Socialista não tinha assim tantas bandeiras para acenar em seu favor. Temo que esta inversão de tendência não seja compreendida sobre o que pode significar e ser apenas entendida como um fenómeno conjuntural. Se o Joaquim Azevedo está certo sobre as rotas de exclusão que continuam a manifestar-se na Escola então decididamente o abandono precoce não é um problema fora de moda. As sociedades locais são interpeladas, mas a comunidade escolar não pode assobiar para o lado. Agora que os Professores parecem ter recuperado alguma paz reivindicativa, o seu papel em dar chama a este processo terá de fazer parte do esforço de recuperação do seu valor social. E não facilitem nas avaliações das aprendizagens. Como tenho ouvido, há muito profissional por aí a desvalorizar as provas de aferição, invocando que não interessam. O aproveitamento dos alunos é um indicador indireto do desempenho de quem ensina. Encolher os ombros com o não aproveitamento é o primeiro passo para o regresso a uma trajetória de abandono.