sábado, 6 de julho de 2024

O DISCURSO SOBRE A PRODUTIVIDADE ESTÁ EM PERIGO

 

(Sabemos que o tema da produtividade tem na dinâmica económica do capitalismo uma importância fulcral. A dinâmica do sistema depende dela e da sua própria evolução, já que sem esse contributo ela fica exclusivamente dependente de dinâmicas extensivas – novos recursos e matérias-primas entretanto descobertas, crescimento da força de trabalho e das qualificações desta última e, obviamente, do capital físico, privado e de infraestrutura pública. Sabemos ainda que a própria dinâmica do conhecimento depende igualmente da produtividade com que as novas ideias com valor económico são produzidas. Ultimamente, é conhecido e este blogue já por repetidas o assinalou que a produtividade de produção de novas ideias é claramente decrescente, sendo progressivamente necessários mais investigadores para gerar o mesmo número de ideias. Mas ideologicamente a influência da produtividade do trabalho é também crucial. Do seu crescimento depende pelo menos a manutenção do status quo redistributivo (aumentos de salários reais equivalentes aos da produtividade) e se quisermos intensificar o modelo redistributivo então o aumento da produtividade é também um farol, condicionando quando os salários deverão aumentar acima desse valor. Com esta importância, não admira que o sistema enfrente problemas quando a produtividade do trabalho estagna ou mesmo desce, gerando obviamente um conjunto de perturbações no próprio discurso de validação ideológica do mesmo. É a essa perturbação que dedico o post de hoje.)

De que problema estamos então a falar? De estagnação da produtividade do trabalho como um todo independentemente dos setores produtivos em que as evidências do fenómeno são captadas? Não, é de estagnação da produtividade do trabalho na indústria transformadora que estamos essencialmente a falar, com a economia americana a servir de novo de farol a toda essa questão.

O tema já tinha emergido quando alguns economistas da inovação no tempo longo, com Robert Gordon à cabeça, começaram a salientar que o progresso tecnológico dava sinais de anemia perturbadora, não confirmando o discurso positivo que se havia formado sobre temáticas como automação, digitalização e mais recentemente inteligência artificial. Essa evidência tornava-se sobretudo saliente quando se confronta a inovação tecnológica de última geração com ondas de inovação tecnológica no passado.

Entretanto, à medida que o tempo se vai acumulando sobre o assunto, novas evidências vêm acrescentar-se ao diagnóstico inicial. O facto de nos concentramos sobre a economia americana não significa que as próximas eleições americanas venham a decidir-se com influência do estado global da economia. Infelizmente, se o estado global da economia contasse para influenciar o contexto eleitoral, o posicionamento de Biden seria bem mais favorável do que o é hoje. Aliás, a campanha de Trump continua a basear-se numa perceção falsa de que os americanos estão economicamente pior. O tem tem interesse independentemente da sua influência eleitoral, porque nele está essencialmente em causa a dinâmica do capitalismo.


O confronto entre as taxas médias de crescimento da produtividade do trabalho num conjunto bastante representativo de setores da economia americana entre os períodos de 1985 a 2005 e de 2005 a 2023 é de facto bastante impressivo (ver gráfico que abre este post). No confronto com outros países industrializados a situação dos EUA é de facto precária, revelando que a indústria transformadora americana já não é claramente o que era, como o evidencia o gráfico acima.


O sempre perspicaz Noah Smith interroga-se sobre as razões que conduziram a esta estagnação da produtividade industrial americana. Não vou aqui reproduzir a proposta explicativa global apresentada pelo economista americano. Gostaria apenas de destacar apenas uma das explicações, que reside em refletir sobre a incapacidade recente da economia americana para garantir níveis suficientemente elevado de investimento-inovação. Embora se trate de uma variável de aproximação, o grau de robotização da economia americana (número de robôs por 10.000 trabalhadores da indústria transformadora é surpreendentemente baixo no plano comparativo. Não deixa de ser uma surpresa o que uma vez mais nos mostra que a economia americana não é necessariamente o farol que se anunciava em todas as direções.

Obviamente, e por aqui hoje me fico, o tema da estagnação da produtividade do trabalho na indústria transformadora é indissociável da evolução bem mais positiva observada nos serviços, designadamente nos serviços intensivos em conhecimento. Pois, a mudança estrutural é indissociável da dinâmica do capitalismo e é nesse contexto mais amplo que devemos situar a estagnação da produtividade na indústria transformadora.

 

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