quarta-feira, 3 de julho de 2024

A INEVITABILIDADE DA MASSIFICAÇÃO TURÍSTICA

 

(Nos últimos tempos, temos assistido a uma verdadeira cruzada de implementação dos mais diversos instrumentos de contenção da procura turística nas cidades com maior notoriedade. A diversidade é de facto impressionante. Da limitação ou mesmo proibição de novos alojamentos locais para ocupação turística (tipo AirnB e outros), curiosamente a extensão à proibição de novas unidades hoteleiras é menos visível (exceção a Amesterdão que estabeleceu uma moratória hoteleira), até à prática de desincentivos à procura tais como as taxas hoteleiras, temos uma multiplicidade de práticas. As razões para a sua imposição são também elas próprias muito diversificadas: fenómenos de descaracterização de Cidades (turistificação e gentrificação, esta última como consequência indireta são termos reconhecidos), problemas de sustentabilidade ambiental, cargas excessivas para zonas já de elevada densidade, problemas conexos de habitação para uma procura solvente e fenómenos larvares de rejeição de quem vem de fora são exemplos dessa massa diversificada de razões que movimentaram forças políticas e sociedades locais. Entretanto, pese embora a essa diversidade e a intensidade das intervenções, a verdade é que não há evidência segura que tais abordagens estejam a resultar e que os problemas subjacentes estejam a ser resolvidos ou, pelo menos, mitigados. Não sendo um especialista do tema e estando nele interessado apenas porque o meu velho tema das atmosferas urbanas é fortemente impactado pela desregulação turística em função do tipo de fluxos que implica, acho que o tema merece alguma reflexão. Organizo essa reflexão segundo uma questão orientadora, que poderia resumir-se assim: estaremos perante uma inevitabilidade, sobretudo quando se desperta tardiamente para a regulação?)

Começo por referir-me ao tipo de medidas que poderíamos agrupar no grupo dos efeitos-preço. O aumento das taxas hoteleiras, extensivo a todas as formas de alojamento turístico, aposta muito na ideia de que o turista médio, o que não é seduzido por uma ambiência específica, é sensível ao efeito-preço e que a elasticidade-preço do alojamento e da viagem é elevada. Além de ter aplicação essencialmente em correntes de procura mais indiferenciada, as taxas hoteleiras podem gerar um efeito de perversidade quando se transformam em efeito-receita não desprezável para as autoridades municipais. Isso acontece quando as tendências de procura mais estrutural são crescentes e nem sempre as autoridades aplicam esse efeito de arrecadação de receitas em investimentos a favor da sustentabilidade urbana.

Se as taxas hoteleiras atuam sobre a procura, mais recentemente as soluções de mitigação do problema atuam, pelo contrário, do lado da oferta turística. Neste âmbito, temos um âmbito muito diversificado de intervenções que podem evoluir de formas mais mitigadas até ao controlo total da oferta, anulando quaisquer perspetivas de crescimento, seja da oferta hoteleira, seja de alojamento local. Relembro que tem sido difícil compatibilizar esta regulação nas zonas de maior concentração com o objetivo de redirecionar os fluxos turísticos para territórios de menor procura, sejam áreas interiores urbanas, sejam áreas rurais.

Grande parte destas iniciativas de contenção da oferta intensificaram-se no período após COVID. Há que convir que o período é péssimo para lograr atingir resultados efetivos, já que, após a inibição do deslocamento que a pandemia provocou, seria de esperar a vontade de voltar a viajar, co o aliás aconteceu e provam-no os números através das quais os territórios mais turístico depressa atingiram e até superaram valores pré-pandemia.

As preocupações com a sustentabilidade urbana, designadamente de centros históricos, são compreensíveis face às ameaças climáticas que pesam sobre as Cidades de todo o mundo. Mas imaginar que, de repente, a procura mundial turística vai deixar de se intensificar, cheira-me à mais pura ingenuidade, tanto mais que ora os grupos de rendimento mais elevados viajam cada vez mais, ora qualquer melhoria de redistribuição do rendimento irá traduzir-se obviamente em aumentos de procura turística. As evidências apontam para que, com exceção do Japão e do caso extremo do Butão que aplicou uma taxa turística tão elevada que acabou por ter algum êxito no travão que pretendia alcançar, os esforços diversificados de limitação da procura fracassaram na sua grande generalidade. E há uma outra importante conclusão a retirar: a efetividade das soluções depende fortemente do momento em que são praticadas. Quando resultam de uma reatividade face a níveis já insuportáveis de ocupação turística, a experiência mostra que a probabilidade de êxito é menor. Ou seja, a escolha do tempo certo para regular procura e oferta é crítica. Nessa perspetiva, os casos de Lisboa e do Porto já terão ultrapassado esse momento crítico.

Outro aspeto importante a reter é o risco de se tratar de medidas altamente impopulares do ponto de vista político. A variável emprego, ainda que precário, que vem associada ao turismo, e o efeito-rendimento significativo que o alojamento local veio gerar para um conjunto alargado de famílias que aí encontraram uma modalidade de investimento com rendibilidade apreciável tenderão a dificultar politicamente a implementação das medidas mais restritivas, senão mesmo proibitivas. Recentemente, em torno da regulação turística do centro histórico de Santiago de Compostela abriu-se uma luta fratricida entre o PSOE local e o PSOE nacional por divergência de posições sobre a matéria. Por todos estes motivos, sou muito crítico do proibicionismo turístico que se apoderou de alguma militância local. Sou mais favorável à promoção estratégia de uma procura mais seletiva e ela própria mais interessada na sustentabilidade urbana. Aliás, politicamente, nos tempos de hoje em que o nacionalismo e o isolacionismo perturbam o mundo, acrescentar mais barreiras absolutas à circulação das pessoas em lazer parece ser uma anomalia histórica.

Outra coisa bem diferente será a promoção de uma procura ela própria mais sustentável e parte ativa das soluções e boas práticas para a sua concretização. Parece-me que o proibicionismo é historicamente anacrónico.

Nota final:

Para uma digressão jornalística, mas bastante impressiva sobre o tema, ver o artigo do jornalista Carlos Molina no El País.

 

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