segunda-feira, 15 de julho de 2024

E A INEVITABILIDADE DO ABSURDO ACONTECEU …

 

(Donald Trump exerceu durante largo tempo o culto da violência, cavalgando na sociedade americana as obsessões mais profundas suportadas pelo culto do uso livre das armas de fogo e por ondas de ódio às elites. O incentivo que proporcionou às massas ululantes que invadiram o Capitólio e que agrediram, por exemplo, o marido de Nanci Pelosi seriam suficientes para colocar atrás das grades um mandante inspirador deste quilate. Mas não. Existe uma parte do sistema judicial americano que é compreensivo para este tipo de dislates, enquanto um desfavorecido ou discriminado qualquer é alvo das mais furiosas condenações. Neste ambiente de violência inevitável e absurda estava escrito que, mais dia menos dia, o próprio Trump poderia ser alvo de um atentado qualquer, desencadeando toda uma série de teorias da conspiração possíveis. Mas, tal como o próprio já nos tinha mostrado em plena pandemia, Trump nunca seria uma vítima indiferenciada de um atentado. A imagem do seu punho erguido, com sangue na orelha, equivale a todo um programa eleitoral. Os radicais religiosos, que controlam cada vez mais um Partido Republicano entregue à bicharada, utilizarão o atentado, já o estão a fazer, como oportunidade para mostrar que Trump é um enviado dos céus, capaz de resistir a tudo, seja uma pandemia, seja um propósito de impeachment ou de condenação judicial, seja um tiro que simplesmente roçou o alvo. O campeão da desfaçatez e da boçalidade aparece lançado como um inspirador divino, um homem sem medo, capaz de atrair todos as mais diversas formas de menoridade e desvio social que nele compensam a sua inferioridade. Claro que apetece perguntar como é que personagem tão inspiradora e protegida pelos Deuses perdeu uma eleição, mas aí regressarão decididos os representantes e seguidores da cabala do roubo eleitoral a defender o seu protegido e a sua fama. Trump é o verdadeiro reciclador de coisas más em seu próprio proveito, todas as habilidades comprometedoras em que se mete são reconvertidas em favor da sua imagem eleitoral. Nunca talvez a sua eleição tenha estado tão perto. Há momentos em que apetece atirar a toalha ao chão e zarpar para um limbo do tempo, aguardando, para os que têm tempo, que tudo isto passe e o possamos considerar um pesadelo que curaremos com uma Aspirina. Imagino que seja assim que se sintam os Democratas americanos, pelo menos os mais conscientes. Nem provavelmente a força de um Novak Djokovic, esmagado em Wimbledon pela juventude e talento de Carlos Alcaraz, mas não rendido nos seus 37 anos à sua inferioridade de hoje face a Alcaraz e a Sinner e disposto a voltar para dar luta aos jovens talentos, seria suficiente para dar a volta a esta absurda crueldade que a violência provoca.)

Não sou capaz de projetar as consequências que o atentado a Trump irá provocar na candidatura Democrata. Do lado Republicano, a prospetiva é mais fácil e fluida. As franjas decentes do Partido desaparecerão atropeladas pela onda salvífica do candidato sem medo e o Partido transformar-se-á no mundo mais furioso do MAGA mais profundo. A interrogação dirige-se apenas a quem pode ser o Vice-Presidente para esta eleição. Do lado dos Democratas, a prospetiva é de total indeterminação. Abalados e divididos pela fragilidade exposta de Biden, a candidatura apanha agora com a onda da vitimização de Trump, transformado em herói redentor e trazido pelos Deuses.

Do lado de cá do Atlântico, a perplexidade dos justos e dos que refletem sobre a História aumenta desabridamente. Como é possível que uma sociedade a quem atribuímos tantas vantagens e louvores não é capaz de gerar outros candidatos à condução dos seus destinos? Ou a triste evidência do combate Biden versus Trump é a mais crua demonstração dos males latentes na sociedade americana que gente mais crítica do modelo tem sistematicamente apontado?

Como não tendo a aceitar a existência de fenómenos inexplicáveis, inclino-me cada vez mais para a segunda hipótese ou versões dela derivadas. O mundo que se prepare.

 

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