(The New York Times)
(Sim, a azáfama de trabalho é muita, é sempre assim quando o sopro das férias acena no horizonte e é necessário dedicar mais horas do que o habitual ao exercício de avaliador, para já investindo metodologicamente em propostas que talvez sejam ganhadoras. Veremos. Por isso, pouco tempo para organizar as ideias a um exercício sério de reflexão. Ainda um pouco perturbado pelos esforços da Câmara de Paris de Anne Hidalgo, uma socialista que vai resistindo, na construção de uma cerimónia inaugural que, apesar da chuva impiedosa que deve ter moído a cabeça a um Macron cada vez mais encostado à parede, marcou a diferença pela diversidade e inclusão. O momento final em que uma regressada Céline Dion cantou, do alto da Torre Eiffel, como se fosse o último fôlego de uma vida amargurada, impacta qualquer um, mesmo o mais empedernido e resistente às emoções, com aquela maravilhosa silhueta da Cidade a chamar para uma revisita o mais próximo possível. Uma cerimónia muito “à la française”, como se a França quisesse recuperar o comboio da modernidade, para o qual vai claramente atrasada apesar do festim de ontem. Mas achei que o meu tema de regresso teria de apontar ao outro lado do Atlântico e concentrar-me num outro regresso, o de Kamala Harris, depois de uma vice-Presidência passada certamente em parte incerta, sabe-se lá inibida porquê ou por quem e na qual, aparentemente, todos os Democratas americanos e de todo o mundo acreditam como sendo a última chance pelo menos para nos conceder alguma esperança de colocar Trump no caixote do lixo da história ou, desejavelmente, atrás das grades. Pois uma desaparecida e sorumbática Kamala regressou com toda a energia, num discurso do tipo, voltado para Trump, “conheço-te, sei que és um malandro e que infringes sistematicamente a lei. Mas como fui Procuradora na Califórnia sei lidar com gente com a tua Escola e por isso, malandro, espera que vou fazer-te a folha”. Gostaria de escrever este discurso em inglês, mas não tenho competência para isso. Pragmático nestas coisas, penso que o temos de fazer é K amá-la e prestar-lhe toda a solidariedade deste mundo para vencer a besta e conceder-nos um mundo em que valha a pena viver. É sobre este tema que alinhavo alguma reflexão.)
Creio que vamos demorar algum tempo a tentar perceber as razões pelas quais Harris desaparecera das expectativas mais favoráveis com que se apresentou a eleições para Vice-Presidente. E perceber essas razões será talvez decisivo para poder acreditar numa viragem, sobretudo quando os efeitos da mudança se esbaterem e a campanha de Trump encontrar novas narrativas para contrariar o novo adversário. A sua reação ao amplo movimento para que substituísse Biden na corrida a uma reeleição foi decidida e entusiástica, adensando a nossa perplexidade: onde é que andava esta Mulher?
Por agora, temos a informação objetiva de que os donativos para a campanha Democrata cresceram em flecha com a desistência de Biden e a indicação do nome de Kamala para o substituir. No universo dos valores políticos e eleitorais americanos essa é uma evidência de peso, isso significa que a avaliação das possibilidades de vitória não pode ser negligenciada e que teremos Mulher para o combate de novembro.
Vou lendo os primeiros relatos do acompanhamento de Kamala Harris em ações de campanha, antes e já depois do abandono de Biden, e compreendo que uma das primeiras opções foi o seu reencontro com a elite negra tão fundamental para o partido Democrata. Fixo algumas palavras da agora candidata a derrotar Trump, inspiradas num tom que relembra Obama: “Sabemos que quando nos organizamos movemos montanhas. Quando nos mobilizamos as nações mudam e, quando votamos, fazemos história”. Obviamente, que consolidar o voto tradicionalmente Democrata é importante e dará confiança. Mas não chega. Tenho esperança que, apoiada nas suas raízes indiana (mãe) e jamaicana (pai) e sobretudo na valorização da sua experiência de ter subido a pulso, de modo determinada, possa dar ao eleitorado algo de mais sólido do que as bizarrias do candidato de cabelo alaranjado.
Nota final:
Escrevo de Seixas, refugiado das agruras da Feira Medieval, com as quais embirro solenemente. Passará depressa.
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