segunda-feira, 29 de julho de 2024

HÁ BATALHAS QUE NÃO ACABAM …

 

                                                                                                (PORDATA)

(A evolução das taxas de abandono e insucesso escolar em Portugal, particularmente a partir de meados da década de 2000, representou matéria de orgulho nacional, justificadamente refira-se. As metas exigentes estabelecidas pela União Europeia no âmbito do generoso financiamento do Fundo Social Europeu foram ultrapassadas e chegou-se mesmo a pensar que o valor dos 6% da taxa de abandono poderia ainda ser mais reduzida. A redução observada, como todas as avaliações dos fundos europeus mobilizados o demonstraram, não foi objeto do acaso, mas antes de um conjunto amplo e diversificado de instrumentos de política pública, algo de base bastante territorializada, como o foram, por exemplo, o instrumento dos TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária – e da miríade de Programas de Combate ao Insucesso Escolar lançados já no período de programação anterior por todo o território continental, de raiz intermunicipal e municipal. Os dois anos de pandemia com intervenções dramáticas nas Escolas teriam forçosamente de impactar todo o processo, introduzindo nos fenómenos da retenção e desistência anomalias e padrões não comparáveis com o período anterior. Começam, entretanto, a surgir publicados os primeiros dados sobre a própria taxa de abandono e sobre as taxas de retenção e desistência. Esses dados demonstram à evidência que a batalha não está ganha. Surgem os primeiros sinais de preocupação. Alguma imprensa mais atenta (link para o artigo recente do Público) dedicou atenção ao problema e será fundamental parara de novo para pensar e gizar um novo período coerente e insistente de políticas públicas. A verdade é que os fatores estruturais que conduziram o abandono a picos incompatíveis com a modernidade democrática não desapareceram por magia. Estarão alguns mitigados, mas não foram totalmente erradicados. E essa ideia de que a Escola tem de resolver todos os problemas que lhe entram pelos muros dentro é pura fantasia. Além disso, o crescimento do ensino profissional e de dupla certificação que esteve na origem de parte considerável da redução do abandono observada parece ter entrado num estranho “plateau”, o que vem adensar as preocupações. Por outro lado, um dos grandes especialistas da educação em Portugal, o Professor Joaquim Azevedo, acaba de publicar recentemente uma obra desencantado sobre os fatores de exclusão que continuam a atravessar as Escolas e as suas atividades, que ainda não li, mas que promete trazer elementos de grande alcance para compreender as interrogações sobre a descida do abandono.)

A curva que descreve a evolução da taxa de abandono escolar precoce fala por si. A trajetória de descida do indicador é de facto notável, mas na parte final a tal inversão de tendência está ali para nos preocupar e sobretudo demonstrar que a batalha não está ganha, antes vai travar-se com novas condições e talvez um contexto diferente.

Vou utilizar os dados para o Continente que a DGEE acaba de publicar para seguir o comportamento recente das taxas de retenção e desistência, fazendo-o para o 3º ciclo do ensino básico e para o secundário. Recordo que nos últimos anos (a partir de 2008/09, o ensino profissional já faz parte dos cálculos publicados pela DGEEC.

                            (Fonte: cálculos próprios a partir de DGEEC)
 

O gráfico que representa essa evolução é apresentado imediatamente acima.

As taxas de retenção e desistência começam elas também a partir de 2020/21 a voltar a aumentar, nada de explosivo ou inquietante sobretudo porque elas tinham descido de modo assinalável. 

(Fonte: cálculos próprios a partir de DGEEC)

Por sua vez, a massa de alunos matriculados continua a descer desde 2013/14 e 2014/15, não sabendo ainda se a chegada ao país de população imigrada com filhos em idade escolar irá inverter essa tendência ou se já é devido a essa presença que os valores da população de jovens matriculados não desceram mais significativamente.

O meu ponto neste alerta é tão só o de chamar a atenção para que os problemas de abandono escolar não estão erradicados, sendo necessário compreender se a influência do ensino profissional na redução está ou não esgotada. Em meu entender, os poderes políticos não deram a devida atenção à notável redução da taxa e isso até me espantou, já que o Partido Socialista não tinha assim tantas bandeiras para acenar em seu favor. Temo que esta inversão de tendência não seja compreendida sobre o que pode significar e ser apenas entendida como um fenómeno conjuntural. Se o Joaquim Azevedo está certo sobre as rotas de exclusão que continuam a manifestar-se na Escola então decididamente o abandono precoce não é um problema fora de moda. As sociedades locais são interpeladas, mas a comunidade escolar não pode assobiar para o lado. Agora que os Professores parecem ter recuperado alguma paz reivindicativa, o seu papel em dar chama a este processo terá de fazer parte do esforço de recuperação do seu valor social. E não facilitem nas avaliações das aprendizagens. Como tenho ouvido, há muito profissional por aí a desvalorizar as provas de aferição, invocando que não interessam. O aproveitamento dos alunos é um indicador indireto do desempenho de quem ensina. Encolher os ombros com o não aproveitamento é o primeiro passo para o regresso a uma trajetória de abandono.

 

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