(Nunca escondi que gosto de políticos que apreciem o que fazem e que não ofereçam à população a ideia de que estão a fazer um favor aos seus eleitores. Nestes tempos estranhos em que se generaliza a desvalorização do papel da classe política em democracia, em que muita gente ainda não entendeu que a classe política é uma simples projeção do que somos como povo e como sociedade, em que não há separação entre os puros e os impuros (os políticos), se a própria classe política faz passar a ideia de que ser político é uma chatice das maiores então os detratores da política escusam de se esforçarem muito. Ela cairá por si de madura e de tédio. Como costumo dizer em conversas com amigos se entre ir a uma manifestação ou a uma reunião política de partido u pública e frequentar uma sugestiva soirée cultural preferir declaradamente a segunda então a escolha está feita, não deve abraçar a política como ocupação num dado tempo da sua vida. Claro que é importante termos na política gente que possa prescindir da mesma em qualquer altura e não precisar para isso de andar a pedir ou a cobrar favores para o seu sustento futuro. Ressalvando os conflitos de interesses que exigem escrutínio e clareza de condições na passagem da vida profissional para a política e vice-versa, quanto mais essa migração for clara e escrutinada mais a política pode ser honrada e valorizada. Todo este introito para justificar o título deste post e que nasceu de olhar para as fotografias que apresentam António Costa depois de estar consumada a sua passagem a Presidente do Conselho Europeu. Daquelas imagens ressalta uma personalidade feliz, satisfeito com o desafio que tem pela frente. Por mais dúvidas e interrogações que os seus últimos anos de governação suscitem em matéria de qualidade e arrojo reformista da mesma e incapacidade de controlar a qualidade dos seus assessores, e alinho com grande parte dessas críticas, António Costa é daqueles políticos que se vê imediatamente que gosta do que faz, que valoriza a política pelo apreço que lhe tem, não precisando invocar alertas divinos ou chamamentos da sociedade profunda para justificar a sua motivação para abraçar a vida cansativa e cada vez mais penosa de quem assume a política com entusiasmo. Nada disto deve ser confundido com gostar-se ou criticar-se politicamente a sua governação ou a sua futura atividade à frente de um Conselho Europeu cada vez mais diverso e dividido.)
Pelo que expus neste longo introito não deve retirar-se a ideia de que no meu conceito de políticos motivados e a gostar do que fazem caibam apenas personalidades que tiveram primeiro uma vida profissional com alguma proeminência. Existem outras formas de formação de classe política que não se esgotam no deve e haver dos pequenos serviços e favores em que a vida partidária se transformou, esse sim um dos grandes responsáveis pelo abastardamento da ação política, em que “jotas” e “jotinhas” seduzidos pelo aroma do poder preparam com tempo a sua ascensão e se lançam deliberadamente na criação dessa rede de favores e serviços de que irão beneficiar algures no tempo. Boas Escolas de formação de administração pública podem ser veículos interessantes de formação de classe política e os próprios partidos políticos poderiam assumir parte dessa formação.
Mas afinal e sem grandes pretensões de reformar a génese da classe política em Portugal, o meu propósito era o de apresentar António Costa como um exemplo dos que conseguem ainda olhar a política como um fator de motivação e isso para mim basta-me. Pode dizer-se que o Homem tem sorte e que a conjugação dos astros acabou por conseguir neutralizar ou mitigar (já que o Ministério Público insistirá que a investigação sobre o ex-Primeiro Ministro ainda não acabou) a malévola intromissão da Procuradora Lucília Gago na atividade política em Portugal. Sim, para tudo é necessário uma pinga de sorte e Costa teve perseverança suficiente para a procurar.
Mas o que parece mais importante é que o Charles Michel vai para outra e deixar de difundir a sua falsa bonomia pelos corredores e reuniões europeias e internacionais. O Homem contente que as fotografias nos mostram vai à procura de um lugar na história das instituições europeias num contexto periclitante e à mercê de todas as derivas. Espero sinceramente que Costa faça projetar a sua capacidade de negociação e concertação no funcionamento do Conselho, pois a União vai disso precisar em quantidades enormes e que não se limite a recolher material para umas memórias futuras, apimentadas ou sensaboronas isso não importa.
Barroso, Centeno, Costa, Guterres e também Elisa Ferreira são tugas que em diferentes condições e níveis de desempenho diferenciados conseguiram notoriedade nas instâncias internacionais a partir de um País que não é propriamente um modelo de democracia de vanguarda.
Provavelmente não dedicámos ainda a atenção e a reflexão necessárias para explicar estes outliers de notoriedade e prestígio internacional.