(Quando escrevo não é ainda possível descortinar se a COP a decorrer no Azerbeijão chegará ou não a um acordo financeiro que substitua com um mínimo de decência o acordo de Paris. Mas se quisermos tomar como referência o facto da Conferência se realizar num país que alinha, por necessidade talvez, não interessa, com os interesses fósseis, mesmo que sejam os do gás natural, e as múltiplas ausências de grandes decisores políticos, não é difícil concluir que os maus presságios estão aí para ser interpretados. Ouvi hoje uma notícia perdida que referia que o número de lobistas dos interesses fósseis representados na Conferência era assustador, o que sugere que esse universo que se pretende ver reduzido a expressões mínimas está aí para as curvas e disposto a dar luta, alimentando negacionismos, duvidando do agravamento da questão climática, em suma pintando a macaca para não abdicar do seu poderio e capacidade de geração de lucros. Não sei sinceramente avaliar se o aparente ressurgimento dos interesses lobistas dos combustíveis fósseis está animado pelo que a administração Trump promete. O que toda a gente sabe é que se os EUA fizerem do Inflation Reduction Act de Biden que apontou decisivamente para a revolução verde na economia americana uma peça de museu, as curvas que mostravam o comportamento divergente das renováveis, em crescendo, e dos combustíveis fósseis em diminuição acentuada, podem comportar-se no futuro próximo de forma diversa e fazer regressar a uma estaca zero a opção que parecia irreversível da descarbonização.)
O que parece hoje evidente é que a notoriedade dos números que anunciam a marcha vitoriosa das renováveis, largamente favorecida por evoluções tecnológicas que têm facilitado por via de custos e preços as escolhas tecnológicas em favor de soluções produtivas e tecnológicas de maior descarbonização para as economias, enfrenta problemas de afirmação e de convencimento junto da classe política. E, diria eu, não apenas junto da classe política. Continua a existir gente com qualificação a remeter para a inevitabilidade das questões da física do universo as perturbações climáticas cada vez mais gravosas que se têm vindo a sentir, proclamando que seria mais sensato investir na engenharia do controlo e gestão de catástrofes do que procurando lutar contra as mudanças climáticas. Os fenómenos trágicos da Comunidade Valenciana e também de algumas zonas do território americano anunciam-nos um padrão. Os negacionistas e saudosos dos combustíveis fósseis têm conseguido algo de assombroso. Capitalizam politicamente tais acontecimentos, embora negando a sua origem explicativa. Duvido mesmo que alguma dessa gente se por infortúnio for algum dia atingido por alguma forma de destempero climático mesmo nessas circunstâncias inventará a tradição ou qualquer outra explicação oculta para negar o inevitável.
Se comparamos o tempo em que Trump chegou pela primeira vez ao poder com o que se passa hoje, as energias limpas passaram de uma preocupação de pormenor para um nível bastante mais abrangente de produção e utilização. Quer isso dizer que não será fácil hoje ignorar essa transformação, até porque os larguíssimos investimentos já realizados terão de ser rendibilizados e não me parece que o negacionismo tenha o poder de sobreposição ao cálculo económico.
E ao contrário do que muito boa gente pensa, principalmente a que tende a ficar ofuscada pelo brilho das revoluções tecnológicas, a grande esperança (ou ameaça definitiva) da inteligência artificial tem determinado que alguns grupos empresariais, que tinham entrado numa trajetória que parecia irreversível de geração de menos emissões de gases com efeito de estufa, têm invertido esse processo devido à procura de energia que a inteligência artificial exige. O que sugere uma contradição insanável. Parte da revolução tecnológica assume-se como uma parceira relevante da descarbonização, mas eis que senão quando se percebe que o mundo digital e da inteligência artificial está longe de ser neutro em matéria de emissões, antes pelo contrário as agrava pelas necessidades de energia que transporta consigo. Como é óbvio, isto não significa ignorar o que a inteligência artificial pode trazer de positivo à resolução do problema climático. Basta uma simples pesquisa do Google para encontrar gente entusiasmada com esse potencial.
Se a Europa enfrenta um cu de boi dos antigos em matéria de geopolítica, não está em posição mais confortável em matéria de trajetórias e compromissos para a descarbonização. A União Europeia liderou a marcha para a neutralidade carbónica e grande parte dos países da União seguiram esse caminho, embora do ponto de vista dos modelos de consumo e adaptação dos processos produtivos haja países como Portugal que enfrentam uma transição difícil e que será penosa para algumas indústrias. O combate à adversidade climática dificilmente será vitorioso se o compromisso, embora com taxas de evolução diferenciadas, não for mais ou menos generalizado. Além de que a necessidade de abrir aos países em desenvolvimento oportunidades de crescimento implique obviamente uma estratégia de redução de emissões que não os pode colocar desde já na primeira linha das exigências.
Tudo isso parece estar ameaçado com uma COP tão vazia de intenções como a que está a decorrer no Azerbeijão.
E gostaria de terminar com uma referência aos reflexos de uma eventual viragem na política energética de Trump face à da administração Democrata anterior no que respeita ao posicionamento da China. Sabemos que a possibilidade do crescimento das emissões na China ter já atingido um pico, devido ao ajustamento promovido pelas autoridades chinesas, principalmente em matéria de veículos elétricos, foi um poderoso elemento de debate nos EUA. Houve quem referisse que a ameaça chinesa não era essencialmente tecnológica, mas antes a dos seus avanços em matéria de evolução para a economia verde.
Por isso, apetece perguntar, se uma viragem da administração americana para uma desvalorização da questão climática e da aposta na descarbonização poderá ou não fazer as autoridades chinesas repensar as decisões já tomadas.
O que parece evidente é que do ponto de vista do que era esperado em termos de influência das tragédias climáticas nos vulgares mortais as expectativas mais favoráveis ter-se-ão revelado ingénuas ou demasiado esperançosas. O comportamento político eleitoral dessa massa populacional parece ignorar essa questão e o que de positivo tem sido feito em matéria de redução de emissões.
Confrangedor? Sim, bastante.
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