(As tentativas de explicação da derrota em toda a linha dos Democratas nas eleições americanas fazem-me lembrar a já lendária expressão “prognósticos só no fim do jogo”. Na verdade, a imaginação analítica com que a derrota de Kamala e a oposta vitória de Trump têm sido explicadas sugere-me que parte dessa criatividade analítica poderia ter sido aproveitada para mitigar o problema e tentar reduzir ao máximo a sua incidência. Mas, retirando este desabafo de alguém que está decididamente a demorar a digerir a situação, pelo que ela representa de antecipação provável de um futuro relativamente próximo e amargo, têm surgido dimensões analíticas menos exploradas que, por isso, vêm trazer alguma luz a uma estratégia de relançamento do progressismo na América, isto se a captura da regulação empresarial por Elon Musk, a analisar num próximo post, não trouxer efeitos devastadores e duradouros. O sempre perspicaz Noah Smith traz-nos elementos relevantes de reflexão quando incide a sua atenção no comportamento eleitoral recente das cidades e outras grandes aglomerações urbanas, até aqui em grande medida Democratas. De facto, a perda de presa dos Democratas sobre o seu eleitorado considerado clássico dá que pensar e, mais do que isso, assenta em dimensões que, ou me engano muito, transcendem em grande medida os problemas do eleitorado americano.
Esta análise é crucial para desconstruir o mito de que a audiência de Trump seria marcadamente rural e dominantemente desenvolvida entre os menos qualificados. Existe evidência de derrotas assinaláveis de personalidades políticas ditas progressistas nas grandes urbes. Smith fala-nos de uma possível revolta contra a governação progressista nas grandes cidades. Ora, é fácil compreender que quando a governação a nível local é pobre, incompetente ou mesmo corrupta, tudo o que a substitua é positivo, embora as consequências dessa revolta contra o progressismo de má qualidade representem a nível nacional um contributo possível para o avanço do populismo mais desregrado.
O que parece ter acontecido é que, embora nas grandes aglomerações metropolitanas os Democratas continuem a ser maioritários, a perda de votos para as hostes de Trump é muito elevada, destacando-se na geografia das perdas Democratas e dos ganhos Republicanos.
O gráfico que abre este post dá conta dessa reviravolta eleitoral, comparando as margens de Trump relativamente a Joe Biden (2020) e a Kamala Harris (na última eleição). O gráfico é sem si bastante ilustrativo do que estará a mudar, ou pelo menos que mudou nos últimos tempos de declínio das chamadas cidades azuis.
A situação de San Francisco na Califórnia, uma campeã no passado do progressismo urbano tem sido especialmente assinalada. A situação da habitação tem o seu outro lado da medalha no crescimento exponencial dos sem abrigo (ver imagem acima) e cruza-se com outros dois fenómenos, ilustrados por mais dois gráficos – um relacionado com o crescimento de situações de insegurança (roubos de carros, invasões da propriedade e ações violentas) e um outro suscitado pelo problema de sempre em São Francisco relacionado com o consumo de drogas.
Mas neste rol de problemas destacaria o da habitação, no qual o progressismo político continua a não entender que, tratando-se de uma gigantesca falha de mercado, ninguém deveria ter dúvidas que só um grande esforço de investimento público poderá mitigar a referida falha.
Parece difícil compreender algo que me parece tão simples. E não apenas nos EUA. Por todo o lado e também em Portugal, onde o governo da AD fez umas cócegas ao problema da habitação, não compreendendo tal como os governos de António Costa a raiz do problema.
Progressismo, sim, sempre. Mas estupidez não, poupem-me.
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