Chegou-me já esta noite ao telemóvel uma peça do “Financial Times” que, confesso, vem ao encontro das minhas piores expectativas, só que algo cedo demais em relação ao que me parecia mais provável que acontecesse (i.e., imediatamente após a entrada em funções da nova Comissão). Sendo que esta comunicação revela o estilo autoritário e fechado da presidente Ursula von der Leyen (UvdL), assim como o seu agora cada vez mais notório posicionamento em termos de um alinhamento fundamental com os interesses alemães, de corresponder às pressões dos países da fronteira leste da EU (Polónia à cabeça), naturalmente atemorizados com a ameaça russa (e tendo aumentado significativamente as suas despesas militares desde a invasão da Ucrânia) e de satisfazer alguns outros países que são contribuintes líquidos para o orçamento comunitário (como os Países Baixos ou a Suécia) que consideram a utilização dos fundos existentes preferível à disponibilização de mais financiamento ou à emissão de dívida conjunta (leia-se pouco propensos a caminhos mais comuns). Além de revelar ademais quanto UvdL tem pressa e é habilidosa na preparação e divulgação dos factos consumados que pretende ver consagrados.
O texto começa assim: “Bruxelas está a alterar as suas políticas de despesa para potencialmente redirecionar dezenas de milhares de milhões de euros para a defesa e segurança, com a guerra da Rússia na Ucrânia e o regresso de Donald Trump à Casa Branca a recrudescerem a pressão sobre a UE para aumentar tal investimento. A mudança política aplicar-se-ia a cerca de um terço do orçamento comum do bloco, a cerca de 392 mil milhões de euros de 2021 a 2027, dinheiro este que visava reduzir a desigualdade económica entre os países da UE.” Cristalino, não lhes parece?
Cirurgicamente construído, o texto prossegue chamando a atenção para o quadro atrás reproduzido e segundo o qual apenas cerca de 5% destes ditos fundos de coesão foram gastos até à data (com os maiores beneficiários, Polónia, Itália e Espanha, abaixo deste limiar), largamente devido ao facto de a maioria dos países se terem posto a jeito ao darem erroneamente prioridade aos seus PRRs disponibilizados na sequência da pandemia. Eis, pois, o nexo de aparente razoabilidade com que UvdL começou objetivamente a desmantelar a Política de Coesão, designadamente também ao afastar tendencialmente os agentes e autoridades locais do financiamento europeu através de uma lógica centralizadora que já esteve subjacente à negociação do nome do italiano Fitto para comissário da área. Com o futuro mais distante também a ser sujeito a uma planeada e irreversível trajetória: o próximo Quadro Plurianual (pós-2027), que começará a ser definido a partir do próximo ano, terá um foco prioritário na Defesa (fala-se em 20% do orçamento).
O modus faciendi também é explicitado: “nas próximas semanas, as capitais dos Estados-Membros serão informadas de que terão agora mais flexibilidade ao abrigo das regras para alocar fundos de coesão no apoio às suas indústrias de defesa e a projetos de mobilidade militar, como o reforço de estradas e pontes para permitir a passagem segura de tanques”. Recorde-se que as regras existentes só permitiam comprar equipamento de defesa ou financiar diretamente as forças armadas em situações específicas de produtos de dupla utilização (como drones, p.e.).
Tudo a bater certo, portanto: por um lado, “a Alemanha é o eixo da mobilidade militar europeia devido à sua localização, mas a sua infraestrutura de transportes está em más condições (o seu Ministério da Economia estimou em 2022 que o país precisava de gastar urgentemente 165 mil milhões de euros em estradas, caminhos-de-ferro e pontes); por outro lado, o argumentário tem o ardiloso cuidado de não esquecer a imprescindível ligação entre o ambicionado investimento em defesa e o seu alegadamente obrigatório contributo para a “missão global de reforçar o desenvolvimento regional”.
Na contracorrente do que aqui venho denunciando, por constituir uma alteração de registo em relação ao que tem vindo a ser o sentido da construção europeia, há que reconhecer estarmos perante opções igualmente más, umas por provirem de egoísmos nacionais indesejáveis (dado não atenderem ao interesse maior do projeto) e outras por privilegiarem uma situação geopolítica complexa e quase naturalmente impositiva de escolhas autodefensivas. E quando assim é, todos ralham e ninguém tem razão...
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