segunda-feira, 25 de novembro de 2024

NUVENS NEGRAS SOBRE A UCRÂNIA E A EUROPA

 


(Seria difícil imaginar a um cidadão medianamente interessado pelas questões internacionais imaginar que a guerra na Ucrânia pudesse entrar num lufa-lufa de última hora determinado pela alteração política nos EUA. Mas é isso que está efetivamente a acontecer com a Administração Biden, titubeante ao longo do seu percurso, a tentar influenciar o curso da guerra e as possíveis negociações que o destemperado Trump irá certamente promover para tentar cumprir a sua promessa de acabar com o conflito. Essa aceleração de última hora acontece com as autorizações dos EUA e do Reino Unido para a Ucrânia poder usar os mísseis de longo alcance americanos e britânicos para atingir o território russo no âmbito de um certo limiar de quilometragem. No entanto, essa aceleração acontece num período particularmente difícil para as forças ucranianas que nos últimos dias não têm conseguido consolidar plenamente a sua incursão em território russo e suster o avanço das tropas russas no leste do seu território. Tenho todas as dúvidas do mundo que esta autorização americana e britânica vá produzir efeitos práticos concretos no que me parece ser fundamental para umas mais que prováveis negociações impostas por Trump – reduzir ao mínimo o território ucraniano ilegalmente ocupado. Não me parece de facto que a possibilidade de atingir alvos específicos dentro de um território tão vasto como o da Rússia venha a ter consequências na redução do território ocupado pelas forças russas em solo ucraniano. Teria sido preferível ter apoiado com mais intensidade e vigor o esforço de defesa ucraniano do que autorizar a exportação do conflito para território russo. E se é verdade que a intensidade e o vigor da resistência ucraniana pode ter sugerido a ideia de que o território ocupado pelos russos em solo ucraniano seria sempre reduzido, não é menos verdade que tudo indica que a Ucrânia vai partir para umas eventuais negociações numa posição francamente desfavorável, apesar desta aceleração de última hora que não chegará a ser um volte-face.)

Não sou especialista para me atrever a antecipar o que irão ser essas negociações impostas por Trump. Mas, qualquer que seja o modelo que vai ser seguido, o ponto de partida será sempre o do estado da arte da ocupação. Pode dizer-se que a ocupação ucraniana em torno da região russa de Kursk poderá valer-lhe alguma capacidade de troca com parte do território que a Rússia ocupa em território ucraniano, mas esse poder de troca será sempre limitado.

Pelo que tenho lido na imprensa internacional, um de dois grandes cenários poderá ocorrer. O primeiro, poderá partir do estado da arte atual em termos de ocupação, criando uma zona desmilitarizada, não imagino gerida por quem, mas dificilmente esse cenário não será entendido na Ucrânia como uma derrota e uma perda de território. O segundo, mais gravoso e que será sempre entendido como uma vitória do infrator, ou seja, de quem invadiu contrariando o direito internacional, consistirá na anexação do vasto território do Donbass e a ratificação da Crimeia como parte do território russo. Claro que cenários mais gravosos poderiam ocorrer como a perda de independência ucraniana. E existem outras dimensões das possíveis negociações que têm sido menos discutidas, como a entrada da Ucrânia na União Europeia e uma eventual integração na NATO, esta dificilmente aceite pelos poderes russos.

Tudo isto acontece porque o Ocidente em geral e a NATO não parecem dispostos a obrigar pela força o autocrata Putin a recuar, entrando num ambiente de guerra aberta e assumida. Creio que Putin parte desse pressuposto, já que o testou com êxito em diferentes momentos e conhece mais profundamente o modo de estar dos europeus e americanos do que nós conhecemos o quadro geral de uma autocracia com as raízes imperiais russas.

Um povo inteligente como o Ucraniano já terá percebido o contexto que se avizinha para uma possível de negociação de paz. E, em meu entender, é hoje para mim claro que a troca intertemporal entre não ter ajudado no início a Ucrânia a resistir com mais recursos à invasão autorizando agora o uso de mísseis de longo alcance em território russo foi claramente desfavorável aos ucranianos. No meio de tudo isto, a Alemanha parece perdida e uma barata tonta de que a sua crise política, com eleições em Fevereiro próximo, é apenas um sintoma.
 

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