(Comissão de Investigação do caso KOLDO)
(Pelo acompanhamento regular que faço da política espanhola concluo que hoje poderá ser uma espécie de dia D ou de juízo final para a sobrevivência política do governo de Pedro Sánchez e designo-o assim porque, também politicamente, a companheira de governação Yolanda Diáz e o Sumar ter-se-ão ausentado para parte incerta, na sequência do varapau político que tem atingido a formação da ambiciosa política galega. Como dizia há dias, Sánchez tem sido uma espécie de “sempre em pé” da política espanhola, ganhando forças onde parecia elas não existirem e praticando malabarismos de acordos políticos numa verdadeira selva de contradições, entre os seus apoiantes no Parlamento e entre estes e a também divida direita e extrema-direita espanhola. É neste registo que tem de ser compreendida a aprovação de Teresa Ribera no Parlamento Europeu para vice-Presidente da Comissão Europeia. Essa aprovação, garantida pela posição dos Populares Europeus que abandonaram o seu voto de rejeição, acabou por ser conseguida por Sánchez cedendo às exigências do Corleone Manfred Weber e de Meloni e Orbán, deixando passar Raffaele Fitto, um Comissário direitista, que passa a ser um cavalo de Troia na Comissão e a monitorizar com atenção dado seu programa de intenções. Mas se a aprovação de Ribera deixou de ser um problema para Sánchez, isso não significa que esta semana ainda a correr não se transforme no já citado juízo final para Sánchez, já que no Parlamento espanhol e nos corredores da justiça irão acontecer questões que podem ser consideradas cruciais para a sobrevivência política do governo de Sánchez. As questões são tão sensíveis que há jornalistas espanhóis que dizem que, saindo Sánchez ileso da contenda já não será um “sempre em pé” da política espanhola, mas um verdadeiro mago Houdini dessa mesma política, tal é a dimensão dos truques e malabarismos praticados. Na minha apreciação, tenho dúvidas que haja magia suficiente para Sánchez passar incólume pelo que se avizinha.)
O aperto a que aludo tem duas dimensões – uma no plano fiscal que mexe com exigências da Comissão Europeia e condiciona uma tranche importante de receção de Fundos Europeus (estimam-se cerca de 7 mil milhões de euros) e uma outra no plano da justiça e que se prende com o caso KOLDO em que o PSOE, das margens ou do core político, se envolveu ou deixou envolver, o desenvolvimento do caso irá revelá-lo. Embora possam evoluir praticamente em simultâneo, são lios diferentes e por isso devem ser assim analisados.
O imbróglio fiscal pode ser caracterizado como um erro de cálculo da ministra responsável pela pasta das finanças Maria Jesús Montero. Em vez de uma simples aplicação da diretiva europeia sobre o imposto de 15% sobre as multinacionais, o governo de Sánchez optou por uma jogada de mais largo alcance, metendo-se no covil das contradições entre os seus próprios apoiantes e do próprio Congresso, isto depois do Tribunal Constitucional espanhol ter rejeitado uma revisão do imposto sobre as sociedades, diferindo uma receita fiscal não despicienda de cerca de 5 mil milhões de euros. Subidas de impostos como o IVA turístico, um imposto sobre os ricos, o imposto diesel para equiparar fiscalmente o gasóleo e a gasolina e um imposto sobre as empresas de energia vieram trazer ainda mais agitação, abrindo uma caixa de Pandora de reações das diferentes forças políticas, incluindo as que apoiam no Parlamento o Governo. Com suspensões forçadas do trabalho parlamentar, que alguns jornais espanhóis entenderam como uma espécie de sequestro até que viesse fumo branco das negociações, a questão decide-se hoje num tipo de tudo ou nada que tudo leva a crer irá correr mal ou, se não correr, o produto final poderá ser algo de inenarrável.
Retiro sempre destas coisas algum ensinamento e desta vez é de comparação com a situação política nacional. Comparando com o que se passa com o apoio parlamentar ao governo de Sánchez, a situação em Portugal é uma brincadeira de meninos birrentos e mimados, mesmo tendo em conta as diatribes do Chega. Valha-nos isso.
Quanto à outra dimensão, o caso KOLDO, que ainda remonta ao período pandémico e que se prende grosso modo com encomendas de materiais sanitários, máscaras e coisas do género, causou algum abalo no PSOE e determinou, entre outros danos, a saída do grupo parlamentar do PSOE José Luís Ábalos, ex-ministro dos Transportes, que aliás em algumas votações tem assumido posições contra o Governo. Se a saída de Ábalos estancou em parte a contaminação política do caso, os desenvolvimentos em torno do empresário corruptor Victor de Aldama vieram colocar de novo Sánchez e o PSOE sob fogo.
O jornalista Gonzalo Bareño da VOZ DE GALÍCIA vem na sua crónica de hoje trazer uma notícia inquietante – o empresário que está preso terá solicitado ser ouvido hoje para responder a todas as perguntas do juiz que segue o caso e da sua própria defesa. Logo hoje? Não será certamente por acaso e anuncia tempestades fortes sobre Sánchez e o Governo em dia de votação do dossier fiscal. Em política nunca há coincidências e por isso Sánchez terá antecipado para hoje o seu juízo final … ou a sobrevivência política segue dentro de momentos.
Nota complementar
A leitura do artigo “De la A de Ábalos a la Z de Zurab: guía para no perderse en las tramas de corrupción de Víctor de Aldama”, publicado pelo El Español, é interessante para compreender a trama do caso KOLDO. Para compreender o que está em causa na reforma fiscal espanhola, o artigo do El País é um bom auxiliar.
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