Sob o sugestivo título “A Dívida
Que Não Devemos Pagar”, Robert Kuttner publicou na primeira “New York Review of
Books” deste mês uma interessante recensão do volumoso livro “Debt: The First
5,000 Years” de David Graeber. Onde escreve, nomeadamente: “A Alemanha, o principal agente de imposição da
austeridade na Zona Euro de hoje, foi em 1948 a beneficiária de um dos mais
magnânimos atos de amnistia da dívida da História. Nos anos 20, os Aliados
cometeram o erro catastrófico de ajudar a destruir a economia alemã com
políticas de reparações e acumulação de dívida. Nos anos 40, após um breve
encantamento com o modelo de reparações da 1ª Guerra Mundial, os poderes
ocupantes concordaram em comportar-se diferentemente: liquidaram 93% da dívida
da era nazi e protelaram por quase um século um conjunto de outras dívidas. A
Alemanha, cujo rácio da dívida em relação ao PIB era de 675% em 1939, tinha
assim uma carga de dívida de cerca de 12% no início dos anos 50 – muito menos
do que os Aliados vencedores –, o que contribuiu para produzir o milagre
económico alemão do pós-guerra. Quase todos os cidadãos alemães sabem citar o
Plano Marshall, mas este enorme ato de misericórdia macroeconómica desapareceu
da consciência política de atual política de austeridade alemã. Quaisquer que
tenham sido os pecados fiscais cometidos pelos gregos, os nazis fizeram pior.”
Debrucemo-nos um pouco mais sobre
a matéria, recorrendo para tal a trabalhos realizados sobre o tema pelo professor
Albrecht Ritschl (London School of Economics) – detentor de uma vastíssima
investigação no domínio da história económica –, designadamente quanto à questão
da Alemanha como “o maior transgressor de dívida do século XX” e,
correspondentemente, quanto à “curteza da memória coletiva alemã”. Sumariemos ilustrativamente
alguns dos seus contributos mais apelativos na matéria.
1.
“De 1924 a 1929, a
República de Weimar viveu a crédito e até pediu dinheiro emprestado à América
para pagar as suas reparações da 1ª Guerra Mundial. Esta pirâmide de crédito
colapsou durante a crise económica de 1931. O dinheiro desapareceu, os danos
para os Estados Unidos foram enormes, o efeito na economia global foi
devastador.”
2.
“Medida em cada caso
por referência ao desempenho económico dos EUA, só o default da dívida alemã nos anos 30 foi tão significativo como oso
custos da crise financeira de 2008.”
3.
“Apenas durante o
século passado, todavia, [a Alemanha tornou-se insolvente] pelo menos três
vezes. Após o primeiro default,
durante os anos 30, os EUA concederam à Alemanha um haircut em 1953, reduzindo o seu problema de dívida a praticamente
nada. A Alemanha ficou numa ótima posição desde então, mesmo se outros países
europeus foram forçados a suportar o peso da 2ª Guerra Mundial e as consequências
da ocupação alemã.”
4.
“Com poucas exceções,
todas essas demandas [de altas reparações à Alemanha] foram postas em
banho-maria até uma futura reunificação alemã. Para a Alemanha, tal foi um
gesto salvador e constituiu a real base financeira do Wirtschaftswunder ou milagre económico.”
5.
“(…) o então
chanceler Helmut Kohl recusou-se à época [1990] a implementar alterações ao
Acordo de Londres sobre as Dívidas Externas Alemãs de 1953. Sob os termos do
acordo, em caso de ocorrer uma reunificação, a questão dos pagamentos das
reparações alemãs da 2ª Guerra Mundial deveria ser novamente regulamentada. (…)
Com a exceção de uma indemnização paga a trabalhadores forçados, os alemães não
pagaram qualquer reparação após 1990 – e nem sequer liquidaram os empréstimos e
custos de ocupação provocados nos países que ocuparam durante a 2ª Guerra
Mundial.”
Refira-se, a concluir, que o
governo grego é o único dos países agredidos que tem procurado reaver algumas
destas indemnizações em sede de tribunal internacional. Segundo um relatório do Ministério das
Finanças de Atenas o total das reparações devidas pela Alemanha ascenderá, a
valores atuais, a cerca de 162 mil milhões de euros (108 mil milhões
resultantes de encargos com a reconstrução do país na sequência da ocupação por
tropas alemãs e 54 mil milhões decorrentes de empréstimos que o regime nazi
forçou a Grécia a fazer), montante curiosamente próximo do hoje em dívida junto
da Troika.
Apesar de tudo, um assunto que
não deixa de ser polémico. Como bem o demonstra a múltipla troca de “mimos”
entre o acima citado Ritschl e o falcão alemão Hans-Werner Sinn, presidente do
“Ifo Institute”, em artigos sucessivos há quase um ano publicados pelo “New
York Times”. Rigorosamente a não perder…