quarta-feira, 22 de maio de 2013

O TEMPO EM ECONOMIA E O PÓS TROIKA



O aparentemente obtuso tema de convocação do Conselho de Estado coloca na ordem do dia a capacidade inata do homem de Boliqueime para degradar temas relevantes que procura colocar na agenda. Não imagino que reação, circunspecta, agressiva, irónica ou simplesmente formal, terá tão estranha convocatória suscitado aos participantes e se tal reunião é ou não uma oportunidade para se dizer coisas relevantes olhos nos olhos, designadamente ao próprio presidente e ao primeiro-ministro. Não sei se algum dia se saberá o teor daquelas reuniões, o que seria importante para avaliar se os senadores merecem o título ou se andam para ver passar os comboios e não se incomodarem com a situação, contrariando dentro o que vão dizendo fora e noutros contextos.
Mas a inabilidade de Cavaco degrada um tema que é importante e a que deveríamos dar maior relevância, sobretudo se for discutido em estreita articulação com a teimosa consolidação orçamental à bruta que se vai fazendo, agora ainda mais desacreditada quando nos meios afetos à maioria se vão quebrando fileiras e refazendo a história do PEC IV e da queda do governo minoritário PS.
O tema é oportuno e vai direitinho à errada interpretação do tempo e do seu papel nos fenómenos económicos que os desencontros entre o período da Troika e o pós Troika tendem a desenvolver. O próprio conceito de ajustamento é disso sintoma claro. As teses da consolidação orçamental pela via punitiva da sociedade portuguesa pressupuseram que os referidos ajustamentos se produziriam sem a espessura do tempo e sobretudo sem atender às circunstâncias de dependência do percurso que uma tal estratégia tende a provocar. É como se o tempo fosse um tempo simplesmente lógico, sem mácula, perfeita e otimamente ajustável. Impõem-se os sacrifícios, promovem-se novas escolhas, faz-se a consolidação e a partir daí projeta-se que tudo volta à trajetória desejável. Pura ilusão. O tempo real é complexo, espesso, imperfeito e imperfeitas as decisões que se tomam nesse contexto. As condições penosas da austeridade condicionam inexoravelmente as condições em que o consumo e sobretudo o investimento são decididos e sobretudo este último condiciona irremediavelmente o futuro.
Haveria seguramente opções, escolhas e decisões pós Troika que poderiam ser preparadas com ponderação e com visão de médio e longo prazo. Haveria e o condicional aplica-se na perfeição. O problema é que a estratégia seguida bloqueia qualquer saída bem sucedida no pós Troika, já que tal como está desenhada e no contexto internacional que as mesmas teses provocaram, não cria condições para a economia reanimar e por isso os ritmos de crescimento esperados para o restabelecimento das condições de financiamento internacional sem a muleta do resgate são cada vez mais uma miragem.
A ideia peregrina que o regresso aos mercados se concretizará com restabelecimento pleno das condições de acesso extensivas a toda a tipologia de adquirentes de dívida soberana começa a emergir com toda a sua fragilidade. Com poucos dias de espaço, a previsão do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) em termos de peso da dívida pública no PIB está já ultrapassada. Um peso dessa natureza que em Março de 2013 apresentava segundo os valores de Maastricht o valor de 127.3%. Daí o parecer aparentemente insuspeito da Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento (UTAO) que considera o cenário macroeconómico do DOE otimista para as circunstâncias. Só resta saber qual vai a ser a frente para desatar o nó: descida de taxas? Descida de taxas e alongamento de prazos? Maleabilização das metas do défice? Novo resgate? A trajetória criada torna cada vez mais inverosímil a emergência da frente mais desejada, o crescimento.

Sem comentários:

Enviar um comentário