O aparentemente obtuso tema de convocação do
Conselho de Estado coloca na ordem do dia a capacidade inata do homem de
Boliqueime para degradar temas relevantes que procura colocar na agenda. Não
imagino que reação, circunspecta, agressiva, irónica ou simplesmente formal,
terá tão estranha convocatória suscitado aos participantes e se tal reunião é
ou não uma oportunidade para se dizer coisas relevantes olhos nos olhos,
designadamente ao próprio presidente e ao primeiro-ministro. Não sei se algum
dia se saberá o teor daquelas reuniões, o que seria importante para avaliar se
os senadores merecem o título ou se andam para ver passar os comboios e não se
incomodarem com a situação, contrariando dentro o que vão dizendo fora e
noutros contextos.
Mas a inabilidade de Cavaco degrada um tema que é
importante e a que deveríamos dar maior relevância, sobretudo se for discutido
em estreita articulação com a teimosa consolidação orçamental à bruta que se
vai fazendo, agora ainda mais desacreditada quando nos meios afetos à maioria
se vão quebrando fileiras e refazendo a história do PEC IV e da queda do
governo minoritário PS.
O tema é oportuno e vai direitinho à errada
interpretação do tempo e do seu papel nos fenómenos económicos que os
desencontros entre o período da Troika e o pós Troika tendem a desenvolver. O
próprio conceito de ajustamento é disso sintoma claro. As teses da consolidação
orçamental pela via punitiva da sociedade portuguesa pressupuseram que os referidos
ajustamentos se produziriam sem a espessura do tempo e sobretudo sem atender às
circunstâncias de dependência do percurso que uma tal estratégia tende a
provocar. É como se o tempo fosse um tempo simplesmente lógico, sem mácula,
perfeita e otimamente ajustável. Impõem-se os sacrifícios, promovem-se novas
escolhas, faz-se a consolidação e a partir daí projeta-se que tudo volta à
trajetória desejável. Pura ilusão. O tempo real é complexo, espesso, imperfeito
e imperfeitas as decisões que se tomam nesse contexto. As condições penosas da
austeridade condicionam inexoravelmente as condições em que o consumo e
sobretudo o investimento são decididos e sobretudo este último condiciona
irremediavelmente o futuro.
Haveria seguramente opções, escolhas e decisões pós
Troika que poderiam ser preparadas com ponderação e com visão de médio e longo
prazo. Haveria e o condicional aplica-se na perfeição. O problema é que a estratégia
seguida bloqueia qualquer saída bem sucedida no pós Troika, já que tal como está
desenhada e no contexto internacional que as mesmas teses provocaram, não cria
condições para a economia reanimar e por isso os ritmos de crescimento
esperados para o restabelecimento das condições de financiamento internacional
sem a muleta do resgate são cada vez mais uma miragem.
A ideia peregrina que o regresso aos mercados se
concretizará com restabelecimento pleno das condições de acesso extensivas a
toda a tipologia de adquirentes de dívida soberana começa a emergir com toda a
sua fragilidade. Com poucos dias de espaço, a previsão do Documento de Estratégia
Orçamental (DEO) em termos de peso da dívida pública no PIB está já
ultrapassada. Um peso dessa natureza que em Março de 2013 apresentava segundo
os valores de Maastricht o valor de 127.3%. Daí o parecer aparentemente
insuspeito da Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento (UTAO) que considera o cenário
macroeconómico do DOE otimista para as circunstâncias. Só resta saber qual vai
a ser a frente para desatar o nó: descida de taxas? Descida de taxas e
alongamento de prazos? Maleabilização das metas do défice? Novo resgate? A trajetória
criada torna cada vez mais inverosímil a emergência da frente mais desejada, o
crescimento.
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