domingo, 12 de maio de 2013

MARKETING E BRINCADEIRAS


Tal como há indivíduos que, quando de espingarda em punho, atiram a tudo o que mexe, também há políticos que não perdem nenhuma oportunidade para ficar em qualquer fotografia ou figurar em qualquer direto televisivo. Esta semana, Nuno Melo (NM) – que gosta de se anunciar como não andando a brincar aos políticos e portador de soluções sérias para Portugal – deu disso um exemplo perfeitamente à medida.

Eis os principais factos:
(i) Em 27 de março, usando de uma prerrogativa parlamentar, num documento com sete considerandos e pedindo resposta escrita, perguntou à Comissão Europeia: “Concorda que a apropriação sem contrapartida de parte dos depósitos aos respetivos titulares, para compensar falhas de supervisão dos Estados e do BCE, não traduz um ‘imposto’, antes um confisco, ou apropriação de coisa alheia, incompatível com o princípio da estabilidade dos depósitos, mas mais do que isso, violador das mais elementares regras inerentes ao funcionamento dos Estados de direito democrático?”
(ii) Em 6 de maio, o comissário Michel Barnier respondeu-lhe que “a Comissão considera que é necessário adotar urgentemente a proposta de enquadramento para a resolução bancária, que virá clarificar as regras e procedimentos aplicáveis no futuro à resolução dos bancos em dificuldades. Conseguir-se-á assim uma segurança jurídica para todas as partes interessadas. Quando a diretiva estiver em vigor, todos os Estados-Membros disporão dos instrumentos necessários para intervir de forma decisiva numa crise bancária. Para minimizar o impacto sobre os contribuintes, o instrumento de resgate interno (bail-in) previsto nesse enquadramento permitirá a um banco ser recapitalizado através da anulação ou diluição das participações acionistas e da redução ou conversão em ações dos créditos dos credores. Os depósitos inferiores a 100 000 euros continuarão a ser plenamente garantidos e são explicitamente excluídos deste instrumento.”
(iii) Os dias seguintes foram um corrupio do eurodeputado, entre comunicados de imprensa, declarações a estações radiofónicas e entrevistas televisivas, sempre num tom crítico e indignado: “Um depósito bancário é uma propriedade, tal como um pedaço de terra, e quando um Estado se apropria tem de indemnizar. A expropriação pressupõe a indemnização. Neste caso, o Estado viola o direito de propriedade de dinheiro sem nenhuma contrapartida e isso é confisco.”



Vejamos, contudo: subjacente à questão levantada por NM, e tendo talvez servido de inspiração para a desajeitada gestão da crise cipriota, está a “proposta de diretiva do Parlamento e do Conselho que estabelece um enquadramento para a recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de investimento”. Ora, acontece que: a Comissão tinha já feito a respetiva divulgação, a 6 de junho de 2012; ao longo da presente sessão parlamentar, o Comité de Assuntos Económicos e Monetários (ECON) do Parlamento Europeu tem vindo a discutir exaustivamente a referida proposta; nesse quadro, o ponto de situação é o de terem sido introduzidas modificações em relação à proposta da Comissão Europeia nos seguintes termos: excluir os depósitos até € 100.000 do resgate interno (bail-in), abranger neste os depósitos acima de € 100.000, admitir que estes só possam ser objeto de resgate interno quando tal se revelar benéfico à salvaguarda da estabilidade financeira e posicioná-los como últimos a serem afetados pelo bail-in. E, a agravar tudo isto, não só a ECON conta com NM como seu membro suplente em representação do PPE como foi por oposição deste grupo político que não foi adotada a solução de excluir todos os depósitos (e não apenas os depósitos até € 100.000) do bail-in.
 
A coincidência da data deste post com mais um Conselho de Ministros Extraordinário e com o recuo de Paulo Portas em relação à sua declaração ao País de domingo passado, sugere-me a recuperação de uma palavra de ordem do passado: Portas e Melo a mesma luta. Ou a mesma brincadeira?

(António Martins,
detalhe de uma ilustração para o “Sol”,

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