domingo, 19 de maio de 2013

O APRENDIZ DE FEITICEIRO



Segue abaixo uma espécie de extrato de ata relativo a uma interessantíssima troca de galhardetes ocorrida entre António Lobo Xavier (ALX) e José Pacheco Pereira (JPP) no último “Quadratura do Círculo”:

ALX – “No princípio, a senhora Merkel não queria uma intervenção concertada, regulada, com memorando. Como o António [Costa] sempre disse aqui, o António dizia aquilo com um objetivo que era dizer ‘isto era escusado haver resgate, o Sócrates podia ter evitado o resgate’. Não era o Sócrates, era a senhora Merkel se o PSD e a oposição em geral não tivessem… A senhora Merkel não queria este aparato formal de memorandos, com regras, promessas, compromissos e tudo medido à lupa.”
JPP – “Quem quis?”
ALX – “Não queria, a senhora Merkel não queria. E eu percebo. Veja em Espanha: não há problema nenhum, estão numa situação de resgate, na verdade, e não há problema nenhum, não há avaliações, não há ameaças, não há cumprimentos, não há nada.”
JPP – “Qual é a diferença?”
ALX – “Se vocês me perguntarem ‘mas então o Dr. Durão Barroso e a senhora Lagarde querem isto exatamente assim?’… Não, isto sai fora do controlo, saiu fora do controlo.
JPP – Mas quem é que quis?”
ALX – “Eu sei, foi a oposição, foi o PSD, foi o ministro das Finanças Teixeira dos Santos, com boa-fé.”
JPP – “Quem é que utilizou o memorando da Troika, com grande felicidade, como um instrumento de correção de um País que eles achavam que era errado?”
ALX – “Eu sei, isto não é para dizer que uns são bons… Isto é para ajudar as pessoas a perceber. O memorando, este formato, saiu do controlo, saiu do controlo, era uma coisa que a senhora Merkel, fina, não queria. Não queria porquê?”
JPP – “Este formato era desejado por outrem que não a senhora Merkel. Enquanto correu bem…”
ALX – “Eu sei que era. A senhora Merkel não queria porquê? Porque tudo o que seja formatar e pôr funcionários a cumprir regras e palavras escritas em papel duro, a negrito, tira sempre margem de flexibilidade…”
JPP – “Então quem quis?”
ALX – “Porque por muito que as pessoas queiram flexibilizar e não cumprir regras e assobiar para o lado, estão as coisas no papel. Isto saiu do controlo. Este formato saiu do controlo.”
JPP – “Não, este formato foi desejado como instrumento de pressão externa para a política interna.”
ALX – “Sim, foi pelo PSD e também pelo CDS, é verdade, não digo que não.”
JPP – “Só que depois deu torto, quando começou a dar torto estrebucham…”
ALX – “Mas é que isso que vocês estão a dizer contrasta com as opiniões que têm. Porque a verdade é que isto saiu do controlo e, como está escrito e formatado, é muito difícil ser flexível e temos que passar por este calvário porque as coisas não se podem resolver simplesmente num gabinete com pequenas conversas. Tem este aparato público, tem textos, tem instituições que se controlam umas às outras, isto sai fora do controlo dos próprios mandantes. Se isto fosse controlado, apenas com conversas na Comissão ou conversas no Banco Central Europeu ou mesmo no gabinete da chanceler Merkel, isto corria de outra forma.”
JPP – “Eu estou inteiramente de acordo consigo, mas você está a interpretar a forma como correu o memorando da mesma maneira como eu estou a interpretar a ação do Governo. Ou seja, como um processo que não pode ser inteiramente racional. Agora, o problema é este: eu também estou de acordo consigo em que a coisa saiu de controlo, o problema é que houve alguém que desejou e que utilizou de forma teórica e política…”
ALX – “Um aprendiz de feiticeiro.”
JPP – “Exato, um aprendiz de feiticeiro. E agora nós não estamos na fase em que seja possível fazer o mesmo tipo de aprendizagem. Agora já não funciona, agora está caótico.”
ALX – “Mas ele queria, ele queria, ele queria. O aprendiz é o primeiro-ministro, o aprendiz de feiticeiro é o primeiro-ministro.”

Moral da história: demorou dois anos a ser completamente destapada por gente insuspeita, mas aí está ela bem esparramada, preto no branco. Facilitada pela ignorância, ajudada pelos dogmas, potenciada pela vaidade, aí está nua e crua aquela que foi a traição de Passos e seus acólitos. Ou, talvez melhor, aí está a confirmação do serviço prestado a interesses escondidos por trás de acólitos sôfregos pelas migalhas de um “pequeno poder”, o da pobre República Portuguesa…

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