sexta-feira, 30 de abril de 2021

UN-UNITED

 


(Enquanto o United de Manchester passeia à vontade pela Liga Europa, arrasando Romanos e aprofundando o mistério de saber porque é que o Bruno Fernandes joga aí tanto e na seleção se eclipsa, o Reino, esse está cada vez menos Unido, parecendo querer dar razão aos que viam no Brexit um assomo de orgulho que poderia fazer implodir o dito. As peripécias são múltiplas e curiosas, há para todos os gostos, mas dou frequentemente comigo a pensar: mas alguém imaginaria que um primeiro-Ministro despenteado como Boris passasse despercebido?)

À medida que as letras pequeninas e entrelinhas do BREXIT se tornam mais conhecidas, cada vez é mais percetível que muito boa gente, na classe política do Reino Unido e na tecnocracia da União Europeia, não entendeu pevide da história irlandesa, recente e passada, ou que a leu de modo excessivamente descontraído.

Ter conseguido que a velha luta Católicos versus Unionistas na Irlanda do Norte e a luta violenta contra a presença da administração britânica no território se tivessem rendido aos benefícios de uma paz institucionalizada representou uma obra política de grandes proporções. Valha a verdade que, ainda que simpatizando pouco com o homem, o papel de Tony Blair foi decisivo para essa realização. Quando nos anos 80, visitei a Irlanda do Norte com o Rui Feijó (então vereador da Câmara Municipal do Porto sob a Presidência de Fernando Gomes) e com a Professora Teresa Lago para visitar um Planetário no âmbito dos estudos para a instalação do Planetário do Porto, lembro-me de termos ficado num pequeno hotel de uma cidadezinha, que se a memória não me atraiçoa era Armagh, e que as paredes do hotel estavam ainda crivadas de buracos de balas. Estas coisas marcam para sempre. Recordo-me de ter sentido o mesmo quando numa missão de trabalho de uma semana na Hungria, para a OCDE, também me impressionaram as paredes de prédios também crivadas de balas derivadas da luta contra a ocupação soviética.

Ora, estou cada vez mais convencido que, uma vez mais, houve muita gente envolvida nas negociações do BREXIT, conservadores e estrutura técnica e política de Bruxelas, que desprezou a velha máxima com que aprendi economia do desenvolvimento (HISTORY MATTERS) e que permanentemente se renova. Por isso, há uma grande diferença quando alguém pede desculpa por um acidente trágico da história lá bem no passado e quando isso sucede (por exemplo as desculpas do SINN FEIN pela violência do IRA) com o tempo ainda recente a ocupar as memórias dos protagonistas que permanecem vivos.

Não sem surpresa o projeto ou ideia da Grande Irlanda tem ressuscitado e nos tempos mais recentes os Unionistas mais tradicionalistas têm expressado violentamente a sua perceção de que foram traídos ou abandonados nas negociações com a União Europeia, para além de serem visíveis para todos que isto de sair sem consequências era uma ilusão criada pelo alucinado e apoiado Boris. Como é óbvio, uma paz institucionalizada obtida a ferros e ainda com a memória fresca e recente, quando uma das partes dá mostras de questionar a institucionalização da paz isso pode ter efeitos devastadores, mesmo que o IRA tenha formalmente sido extinto.

Se lá para as terras de Gales aparentemente ainda não se fizeram sentir os apelos da desunião, a Escócia, embora com o independentismo atravessado por uma crise interna pelo facto do seu líder durante muitos anos se ter metido por caminhos ínvios ou se ter deixado armadilhar nesse sentido, pensa obviamente que a desunião SEGUE DENTRO DE MOMENTOS aspirando regressar ao internacionalismo da União Europeia.

E para compor bem o ramalhete ou tornar mais picante a receita, Boris Johnson vê-se envolvido num assunto mundano de obras luxuosas de renovação do seu apartamento e para além disso vê o seu sinistro ex-assessor Dominic Cummings regressar á atualidade das notícias pelos piores motivos possíveis.

Pobre da Rainha, leva com a THE CROWN em cima, um dos seus netos renega a Família Real, vê partir o seu Príncipe “Com Sorte” e ainda apanha um Reino que de UNITED começa a ter pouco e, certamente, ou ignora o soccer ou não será fã do United. Isabel bem merecia uma retirada com menos preocupações.

Q.E.D.


Aí está o “Expresso” de hoje a desvendar a essência do futuro mais do que vaticinado para o nosso PRR. De facto, aqui e noutros locais, tem-se falado sem grande ponta de ilusão nos “suspeitos do costume”; ora, aí estão eles, sem qualquer especial desprimor para com o Grupo Mello, reconhecidamente há décadas na vanguarda (a vários títulos) e agora com o seu mundo químico a assumir a “identidade diferenciada” de uma “nova marca” (Bondalti, portanto). Depois, ainda teremos, e só nesta área tão politicamente acarinhada quanto discutível na sua relevância estratégica e transformadora para Portugal, o quinhão das nossas grandes sobrantes (EDP, GALP e REN) e de uma Martifer repentinamente reaparecida nos jornais da semana com capitais próprios positivos e a realizar em Viana o maior investimento do grupo em 10 anos. Estes são apenas os primeiros milhos que se vão conhecendo – tudo em linha, afinal, com aquela expressão abreviada que aprendemos a colocar no final de qualquer demonstração matemática bem-sucedida: quod erat demonstrandum, ou seja, como queríamos demonstrar...

quinta-feira, 29 de abril de 2021

UMA PRECIOSIDADE


(Dos soledades também é título de canção, na voz da insinuante Julieta Venegas, link aqui, mas não é de uma canção feita preciosidade que vos falo. É antes de uma projeção contemporânea dos anos 60, um diálogo entre duas referências da literatura com que todos, algum dia, amantes de livros, nos deliciámos. Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa transportados da América Latina dos anos 60 para os nossos dias – “Dos Soledades – Un diálogo sobre la novela en América Latina”.)

A voz quente de Julieta Venegas podia ser uma boa introdução ao que para mim é o início do fim de semana, porque não trabalho à sexta:

“Querer a veces duele, aunque él te quiere a ti

Un día nublado, cuando no está aquí

Y tal vez

Su ausencia marque el día, de nostalgia lo pintó …”

Mas não é esse o ponto.

Eu sei que abusar do recurso à Amazon não é coisa que um amante das livrarias deveria incorrer com frequência. Mas a partir do momento em que os portes de envio da Amazon UK começam a tornar-se proibitivos, afinal o Brexit também nos haveria de chegar, o recurso à Amazon Espanha é tentador. A distribuição é rapidíssima e os portes são incomensuravelmente aos britânicos.

Por isso não resisti à novidade que a Alfaguara (grupo Penguin Random House) colocou cá fora. Um diálogo entre Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, datado de 1967, produto de uma reunião pública na cidade de Lima, em que os dois grandes escritores, a propósito de literatura latino-americana, falam das suas visões do mundo, antecipando o que muitos hoje designam de “realismo mágico”.

Textos escritos de gente que terá assistido a esse mágico diálogo e o essencial de uma entrevista a Vargas Llosa em Madrid 2017 sobre a obra de García Márquez completam a edição que se lê de foguetão, dado o estilo coloquial não só do próprio diálogo como dos restantes contributos.

É a minha sugestão de leitura para o fim de semana, para mim alargado, mas com outras leituras e escritos para fazer pois isto, como dizia inteligentemente o outro, o raio do trabalho nunca acaba, quando se tem a desgraça de se gostar do que se faz.

ASSIM DEVERA EU SER?


(Satoshi Kambayashi, https://www.economist.com)

À distância da realidade concreta, torna-se sempre difícil avaliar as grandes e mais pomposas declarações políticas. Sendo que a personagem a que me refiro tem currículo, e inquestionavelmente dos mais credíveis em matéria de cumprimento do prometido – falo de Mario Draghi e do seu já lendário whatever it takes. Draghi é agora primeiro-ministro de Itália, após um processo de nomeação tão complexo e negociado quanto estrategicamente bem gerido em favor do interesse nacional (e, necessariamente, do seu posicionamento pessoal).

 

Draghi tornou-se rapidamente – et pour cause... – uma figura ouvida em Bruxelas, como há muito não acontecia com o mais alto representante do poder executivo italiano. O que ele tem explorado magistralmente no tocante ao programa submetido pelo seu país no quadro do programa de recuperação europeu (o Next Generation EU, em que investirá nada menos do que 248 mil milhões de euros, cabendo-lhe 191,5 de dinheiro europeu) – e não faz a coisa por pouco: “o maior processo modernizador da história de Itália”, acrescentando que “está em jogo a credibilidade e a reputação da Itália como fundador da União Europeia e protagonista do mundo ocidental”. O certo é que as leituras validadoras já vão surgindo, como foi o recente caso da colocação pela “Standard & Poors” da Itália como o grande país comunitário que mais aproveitará o programa em sede de estimulação ao seu próprio crescimento (que vem sendo anémico, como se sabe). Valerá ainda a pena mencionar as grandes gavetas (“missões”), embora só uma análise fina pudesse permitir uma avaliação objetiva e diferenciadora: digitalização, transição ecológica do sistema produtivo, renovação de velhas infraestruturas, educação, grandes conexões de transporte, inclusão social e saúde. E, por fim, talvez não seja despiciendo salientar o facto de o primeiro-ministro vir insistindo numa ideia estruturante: si crece el sur, crece Italia – e a pergunta é, citando O’Neill e uma saudosa interpretação de Amália, “assim devera eu ser”?

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

“TODOS QUEREM O PROGRESSO. NINGUÉM QUER A MUDANÇA”

 



(Esta máxima que pode ser considerada um princípio aplicável à cooperação no interior de grandes grupos de pessoas ou atores conheço-a do criterioso trabalho de “blogger” que o Nobel 2018 Paul Romer realiza, embora não com a regularidade que muito apreciaríamos que acontecesse. Não é indiferente o contexto da época em que este texto foi publicado, 2016, mas o curioso da questão, e por isso a trago aqui, é que ela foi invocada pelo sempre perspicaz e rigoroso Timothy Taylor para discutir algumas questões críticas da globalização.)

Comecemos pelo espírito da época que contextualiza o post de Romer, o ano de 2016 (o Nobel tem o irritante hábito de não datar, ao dia, os posts do seu blogue, pelo que só recorrendo ao arquivo do mesmo se consegue situar pelo menos o ano da sua publicação. Paul Romer tinha aceite na época, e ainda não tinha sido premiado pela Academia sueca com o Nobel, com alguma surpresa de muita gente, o lugar de economista-chefe do Banco Mundial. E nesse cargo cumpriu-se a sina que tem acompanhado a vida académica e profissional de Romer. De formação matemática rigorosa, o Nobel Romer tem sempre combinado o rigor formal das suas incursões pelo mundo do progresso técnico, do crescimento económico e da economia das ideias com duas cruzadas que não são propriamente típicas de um académico que não desdenha o rigor matemático-formal. Por um lado, também em 2016, Romer iniciou um trabalho de denúncia sistemática dos que se escondem no rigor formal da matemática para forçar a realidade à pretensa coerência dos modelos e não para a explicar. Cunhou então um termo “mathiness” ao qual este blogue, enquanto grande divulgador da obra de Romer e do seu alcance, dedicou alguns posts. Por outro lado, Romer nunca enjeitou ele próprio valorizar economicamente as suas próprias ideias. Foi o caso quando criou uma empresa tecnológica especializada nos domínios da educação, foi esse também o caso quando tentou comercializar o seu conceito de “charter cities” que procurou aplicar aos países em desenvolvimento e também pode explicar o eu ingresso na New York University para criar o Marron Institute of Urban Management. E creio que não ficará por aqui, embora por estes tempos, pós Nobel 2018, apareça referenciado como Fellow de uma instituição universitária canadiana muito prestigiada, o McDonald Laurier Institute.

Um homem deste calibre enfrentou obviamente imensas e variadas resistências à mudança, vindas de instituições e pessoas identificadas com a ideia de progresso. Pode ser que Romer não seja propriamente um hábil especialista em reduzir essas resistências. Pelo que se conhece da sua passagem pelo Banco Mundial, as tais resistências à mudança transformaram-se em algo de mais agressivo, a ponto de só serem sanadas com a sua saída da instituição, que pendeu na decisão final para o establishment interno. Vá lá saber-se se com o Nobel na mão de Romer essa agressividade teria a configuração que o atirou para fora da instituição. Não há mudança sem ponderação das condições de partida, esse é um tema que me é bastante caro e por isso uma estratégia de mudança tem sempre de ser suportada por uma transição habilmente concebida e conduzida.

Mas não é para este ponto que o post de hoje é concebido.

O que me interessou nesta revisitação de Romer e da sua eloquente pertinácia foi a invocação que o sempre perspicaz Timothy Taylor do Conversable Economist (espécie senão em extinção pelo menos a caminhar para uma certa raridade) realizou (link aqui) para aplicar ao tema da globalização.

E esse é um dos temas centrais do nosso futuro pós-pandemia domesticada.

Como sabemos, a fratura das cadeias de valor globais imposta pela pandemia, combinada com o populismo inchado e de peito feito que estava a instalar-se antes da sua ocorrência, colocou a globalização de novo perante um dilema crucial – ou uma reforma inteligente da sua arquitetura e governação (pois o Consenso de Washington já ruiu há muito) capaz de organizar as cadeias de valor globais com maior equilíbrio e redução de vulnerabilidades colocadas a nu pela pandemia, potenciando políticas industriais e comerciais externas inteligentes, ou a sua destruição, recuo e regresso ao protecionismo mais aleatório. Já perceberam que neste momento da história sou adepto da primeira das soluções e não há populismo de esquerda que me convença da bondade da segunda.

O que é que esta questão tem que ver com a máxima de Romer? No centro dos amores ou ódios que a globalização desperta está o posicionamento face à ideia de progresso. Só os participantes ativos das manifestações assumidamente violentas contra a globalização partilham claramente a ideia de ódio à dita. Mas entre os que associam globalização a progresso há muita gente que não se identifica com as mudanças que a globalização exigiria para o progresso ser consequente.

E é nesta matéria que vale a pena seguir a intuição de Tim Taylor quando ele cita um artigo de Adam S. Posen que me acaba de chegar na minha assinatura da FOREIGN AFFAIRS:

Existe uma ideia muito popular que os EUA têm vindo a sacrificar a justiça em nome da eficiência económica e que é tempo de corrigir esse desvio recuando na globalização. Esta é uma narrativa largamente falsa. Os EUA têm vindo a abandonar a economia mundial há 20 anos e na grande parte desse período o seu dinamismo está em queda e a desigualdade no país aumentou mais do que nos períodos em que a sua abertura era maior. Os trabalhadores têm menos mobilidade. Poucos novos negócios foram iniciados. O poder das sociedades cresceu de modo mais concentrado. A inovação tornou-se mais lenta. Embora muitos fatores tenham contribuído para este declínio, ele foi provavelmente reforçado pela retirada dos EUA de uma exposição económica global”.

A simples ideia da procura de progresso sem mudanças pode conduzir a economia mundial a um beco sem saída. A evolução recente dos EUA nesse contexto de retirada é premonitória do que pode acontecer.

Biden vai estar no centro deste furacão. E talvez o novo velho Presidente precise da subtil distinção que o próprio Paul Romer estabelece entre otimismo condicional e otimismo complacente. Este último tende frequentemente a confundir progresso com inércia, ou a ela ser reconduzido.

Otimismo condicional precisa-se.

Nota complementar - 29.04.2021

A inércia parece ter atingido o próprio blogger. Queria dizer otimismo condicional e não complacente. Talvez seja uma sequela da AstraZeneca.