quarta-feira, 28 de abril de 2021

“TODOS QUEREM O PROGRESSO. NINGUÉM QUER A MUDANÇA”

 



(Esta máxima que pode ser considerada um princípio aplicável à cooperação no interior de grandes grupos de pessoas ou atores conheço-a do criterioso trabalho de “blogger” que o Nobel 2018 Paul Romer realiza, embora não com a regularidade que muito apreciaríamos que acontecesse. Não é indiferente o contexto da época em que este texto foi publicado, 2016, mas o curioso da questão, e por isso a trago aqui, é que ela foi invocada pelo sempre perspicaz e rigoroso Timothy Taylor para discutir algumas questões críticas da globalização.)

Comecemos pelo espírito da época que contextualiza o post de Romer, o ano de 2016 (o Nobel tem o irritante hábito de não datar, ao dia, os posts do seu blogue, pelo que só recorrendo ao arquivo do mesmo se consegue situar pelo menos o ano da sua publicação. Paul Romer tinha aceite na época, e ainda não tinha sido premiado pela Academia sueca com o Nobel, com alguma surpresa de muita gente, o lugar de economista-chefe do Banco Mundial. E nesse cargo cumpriu-se a sina que tem acompanhado a vida académica e profissional de Romer. De formação matemática rigorosa, o Nobel Romer tem sempre combinado o rigor formal das suas incursões pelo mundo do progresso técnico, do crescimento económico e da economia das ideias com duas cruzadas que não são propriamente típicas de um académico que não desdenha o rigor matemático-formal. Por um lado, também em 2016, Romer iniciou um trabalho de denúncia sistemática dos que se escondem no rigor formal da matemática para forçar a realidade à pretensa coerência dos modelos e não para a explicar. Cunhou então um termo “mathiness” ao qual este blogue, enquanto grande divulgador da obra de Romer e do seu alcance, dedicou alguns posts. Por outro lado, Romer nunca enjeitou ele próprio valorizar economicamente as suas próprias ideias. Foi o caso quando criou uma empresa tecnológica especializada nos domínios da educação, foi esse também o caso quando tentou comercializar o seu conceito de “charter cities” que procurou aplicar aos países em desenvolvimento e também pode explicar o eu ingresso na New York University para criar o Marron Institute of Urban Management. E creio que não ficará por aqui, embora por estes tempos, pós Nobel 2018, apareça referenciado como Fellow de uma instituição universitária canadiana muito prestigiada, o McDonald Laurier Institute.

Um homem deste calibre enfrentou obviamente imensas e variadas resistências à mudança, vindas de instituições e pessoas identificadas com a ideia de progresso. Pode ser que Romer não seja propriamente um hábil especialista em reduzir essas resistências. Pelo que se conhece da sua passagem pelo Banco Mundial, as tais resistências à mudança transformaram-se em algo de mais agressivo, a ponto de só serem sanadas com a sua saída da instituição, que pendeu na decisão final para o establishment interno. Vá lá saber-se se com o Nobel na mão de Romer essa agressividade teria a configuração que o atirou para fora da instituição. Não há mudança sem ponderação das condições de partida, esse é um tema que me é bastante caro e por isso uma estratégia de mudança tem sempre de ser suportada por uma transição habilmente concebida e conduzida.

Mas não é para este ponto que o post de hoje é concebido.

O que me interessou nesta revisitação de Romer e da sua eloquente pertinácia foi a invocação que o sempre perspicaz Timothy Taylor do Conversable Economist (espécie senão em extinção pelo menos a caminhar para uma certa raridade) realizou (link aqui) para aplicar ao tema da globalização.

E esse é um dos temas centrais do nosso futuro pós-pandemia domesticada.

Como sabemos, a fratura das cadeias de valor globais imposta pela pandemia, combinada com o populismo inchado e de peito feito que estava a instalar-se antes da sua ocorrência, colocou a globalização de novo perante um dilema crucial – ou uma reforma inteligente da sua arquitetura e governação (pois o Consenso de Washington já ruiu há muito) capaz de organizar as cadeias de valor globais com maior equilíbrio e redução de vulnerabilidades colocadas a nu pela pandemia, potenciando políticas industriais e comerciais externas inteligentes, ou a sua destruição, recuo e regresso ao protecionismo mais aleatório. Já perceberam que neste momento da história sou adepto da primeira das soluções e não há populismo de esquerda que me convença da bondade da segunda.

O que é que esta questão tem que ver com a máxima de Romer? No centro dos amores ou ódios que a globalização desperta está o posicionamento face à ideia de progresso. Só os participantes ativos das manifestações assumidamente violentas contra a globalização partilham claramente a ideia de ódio à dita. Mas entre os que associam globalização a progresso há muita gente que não se identifica com as mudanças que a globalização exigiria para o progresso ser consequente.

E é nesta matéria que vale a pena seguir a intuição de Tim Taylor quando ele cita um artigo de Adam S. Posen que me acaba de chegar na minha assinatura da FOREIGN AFFAIRS:

Existe uma ideia muito popular que os EUA têm vindo a sacrificar a justiça em nome da eficiência económica e que é tempo de corrigir esse desvio recuando na globalização. Esta é uma narrativa largamente falsa. Os EUA têm vindo a abandonar a economia mundial há 20 anos e na grande parte desse período o seu dinamismo está em queda e a desigualdade no país aumentou mais do que nos períodos em que a sua abertura era maior. Os trabalhadores têm menos mobilidade. Poucos novos negócios foram iniciados. O poder das sociedades cresceu de modo mais concentrado. A inovação tornou-se mais lenta. Embora muitos fatores tenham contribuído para este declínio, ele foi provavelmente reforçado pela retirada dos EUA de uma exposição económica global”.

A simples ideia da procura de progresso sem mudanças pode conduzir a economia mundial a um beco sem saída. A evolução recente dos EUA nesse contexto de retirada é premonitória do que pode acontecer.

Biden vai estar no centro deste furacão. E talvez o novo velho Presidente precise da subtil distinção que o próprio Paul Romer estabelece entre otimismo condicional e otimismo complacente. Este último tende frequentemente a confundir progresso com inércia, ou a ela ser reconduzido.

Otimismo condicional precisa-se.

Nota complementar - 29.04.2021

A inércia parece ter atingido o próprio blogger. Queria dizer otimismo condicional e não complacente. Talvez seja uma sequela da AstraZeneca.

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