terça-feira, 13 de abril de 2021

OS FILHOS DA MADRUGADA

 


(Estar com arte e classe na televisão é para pouca gente. Anabela Mota Ribeiro está em meu entender nesse grupo bastante restrito. O seu regresso ao écran (RTP 3) para esta série de 25 entrevistas singulares, carregadas de sensibilidade, é um verdadeiro oásis.

Nos agora mais continuados dias que passo em Seixas aprendi a redescobrir a televisão pública. A explicação é simples. Ainda sem fibra na rua, ela quedou-se por Vilar de Mouros e não prosseguiu três quilómetros para cima, uma de duas: ou me refugio na mísera digital portuguesa e mergulho na gritaria da televisão espanhola ou remeto-me ao IPAD para aceder à minha assinatura de cabo, Netflix e quejandas. Mas o recurso ao IPAD exige uma postura própria que às vezes não é compatível com o sofá da sala. Por isso, a RTP 2 e a RTP 3 são refúgios seguros e não é apenas caçar com gato quando não se tem cão.

Por isso, o regresso de Anabela Mota Ribeiro aos écrans é de registar com apreço e, conflito de interesses declarado, acho mesmo que ela pertence aquele grupo restrito dos que sabem estar com classe e têm a arte de nos envolver pela televisão.

A ideia que subjaz ao programa Os Filhos da Madrugada, e é impossível não relacionar com a canção de José Afonso, corresponde a uma visão de 47 anos de democracia que gostaria de ver multiplicada por inúmeras e diversas abordagens, dando largas à criatividade e com a distância necessária para nos afastarmos da clássica questão “afinal onde estavas tu no 25 de abril?”.

É um prazer recordar como é outra conversa saber falar com os convidados que se entrevista, preparar com rigor profissional o conteúdo, estudar a personalidade com quem se conversa, é um outro tempo de televisão que se respira, o tempo da sensibilidade e a sensação de como somos envolvidos pela própria entrevista no tempo certo, com o ritmo certo.

A entrevista que revi hoje com o jurista e atleta internacionalmente premiado de Kickboxing, José Reis, é um monumento à sensibilidade, à simpatia, à empatia natural, a uma história notável de superação pessoal e familiar na comunidade cabo-verdiana em Portugal e como foi bom ouvir alguém que ganhou medalhas para Portugal se reconhecer como Português de primeira. A Anabela Mota Ribeiro o devemos.

No meu curriculum já velhinho tenho uma tarde de glória, no Mercado da Ribeira em Lisboa, ainda antes de albergar o espaço de restauração que fazia as nossas delícias antes da pandemia, num seminário internacional do grupo do Parlamento Europeu dos Verdes, a convite do Rui Tavares. Fiz mesa com o Professor James Galbraith, filho do Grande John Kenneth Galbaraith, sob a moderação inteligente de Anabela Mota Ribeiro. Moderação e presença que se sobrepuseram na minha perspetiva pessoal à presença também nesse encontro de Daniel-Cohen Bendit, uma referência dos tempos do maio de 68.

Descontando este meu conflito de interesses, não tenho dúvidas de que Os Filhos da Madrugada são um grande programa de serviço público de televisão.

A sensibilidade é sempre retribuidora.

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