domingo, 11 de abril de 2021

PANDEMIA E TRANSIÇÃO CLIMÁTICA

 

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(Volto ao tema porque me parece que, de todos os efeitos e antecipações do que a pandemia nos irá trazer, a sua interação com a questão climática e com a transição para uma economia neutra em carbono é a que tem sido menos aprofundada. Em meu entender, a principal razão advém de se ter criado inicialmente a ilusão de que os confinamentos anunciavam o caminho para combater a emergência climática.

Mostrei oportunamente que os diferentes tipos de confinamento, com redução profunda da mobilidade de pessoas, veículos, bens e serviços, criavam a ilusão de um rumo no combate à emergência climática e no apressamento da caminhada para os compromissos da neutralidade carbónica. Em primeiro lugar, porque as quedas de emissões de gases com efeitos de estufa que se conseguiram alcançar com esses confinamentos nos países com maior influência de emissões ficaram aquém do esperado, sobretudo quando comparados com os custos económicos e sociais que determinaram. Em segundo lugar, porque essa ilusão tem algo de recorrentemente reiterado desde os anos 60. O decrescimento, não crescimento ou crescimento zero têm surgido recorrentemente nestes últimos 60 anos, primeiro como panaceia para o anunciado esgotamento dos recursos naturais e não renováveis e depois como princípio de abordagem à emergência climática e à necessidade de descarbonizar a economia e a sociedade, a caminho do compromisso político (também assumido por Portugal) da neutralidade carbónica.

Sou um feroz crítico dessas posições, porque me parece que elas materializam uma forma moderna e viciada de etno (ego) centrismo ocidental e avançado. Nós ocidentais, que nos fartámos vilmente de destruir recursos, reinventar o consumo, produzir resíduos até fartar temos um lampejo de reconsideração e pretendemos impor agora ao mundo algo do tipo: estávamos enganados, por isso não vamos poder crescer para expiar os nossos pecados ambientais, doa a quem doer, principalmente aos que mais precisam do crescimento para sair da pobreza absoluta.

A questão não é de decrescimento, mas antes de crescer de modo diferente, numa lógica de regresso ao tema dos anos 70, crescer numa lógica integrada de desenvolvimento e fazendo-o no quadro da ponderação dos equilíbrios mundiais.

Creio que a pandemia fez mais por estas ideias através da demonstração de que só uma solução global é duradoura (embora o mundo teime em ir no sentido contrário) do que criando a ilusão de que o decrescimento nos conduziria à solução climática.

Até porque à medida que se foram conhecendo de forma mais ampla e integrada os efeitos do desconfinamento, fomos percebendo que ele poderia produzir efeitos contraditórios sobre a abordagem à questão climática. Assim se, por exemplo, o exercício físico e a deslocação em meios de mobilidade suave podem ter ganho novos e fervorosos adeptos, contribuindo para Cidades mais amigáveis, é também verdade que a pandemia pode ter trazido quedas da intensidade de utilização de transportes públicos em detrimento da utilização da viatura própria. Quando me refiro a este último efeito não estou a pensar na alteração óbvia por questões de segurança que beneficiou a viatura própria. Estou a referir-me à eventual permanência desses efeitos, com uma redução futura da propensão para a utilização de transportes públicos, cuja influência poderá prolongar-se para lá do surto pandémico.

A tónica no decrescimento é também viciosa na medida em que nos afasta da matéria central das fontes de energia (e das escolhas dos mixes associados) que nos poderão conduzir à ambicionada neutralidade carbónica.

Tenho seguido nos últimos tempos o que tem vindo a passar-se no Estado da Califórnia, nos EUA, em matéria de futuros possíveis de energia. As razões são óbvias. A Califórnia é algo que temos dificuldade em entender do ponto de vista energético. Ela não está desprovida (antes pelo contrário) de conhecimento científico relevante. É um Estado económica e empresarialmente poderoso. Não obstante, tem revelado insuficiências infraestruturais enormes em termos de fiabilidade de oferta de energia. Por outro lado, a tragédia dos incêndios californianos mostra-nos que a emergência climática já não é apenas uma questão de cenários traçados por equipas científicas prestigiadas. E sobretudo porque, desde 2018, a Califórnia assumiu um compromisso político de descarbonização, primeiro projetando para 2045 o carbono zero em todas as fontes de vendas a retalho de eletricidade e, depois, o mesmo compromisso estendido a todo o Estado e não apenas às redes elétricas.

Através da revista ISSUES in SCIENCE AND TECHNOLOGY das Academias Americanas das Ciência, Engenharia e Medicina, com centro na ARIZONA STATE UNIVERSITY, chegaram-me às mãos alguns resultados de estudos de cenarização induzidos pelo compromisso político da neutralidade carbónica.

Os referidos estudos concluem que o compromisso da neutralidade carbónica implicará a duplicação da procura de energia elétrica, com as consequentes interrogações de como será viável a construção de uma rede elétrica com neutralidade carbónica, em termos de infraestrutura física e de solo disponível para a viabilizar.

Os estudos de cenarização a que o artigo da ISSUES se refere interrogam-se se o complexo, já em maturação e com forte apoio público, composto por energia eólica, energia solar e baterias (armazenamento) dará sozinho conta do recado para responder à tal projetada duplicação da procura de energia elétrica limpa ou verde. O artigo é interessante porque analisa o potencial californiano, mais risonho na energia solar do que na eólica, e discute sobretudo as implicações que decorrem da variabilidade e imprevisibilidade. A questão das baterias e do armazenamento de energia assumirá aqui, o que é uma questão que me interessa bastante do ponto de vista profissional porque esse é um dos domínios prioritários de inovação que os trabalhos que estamos a realizar para a ANI no âmbito da Estratégia Nacional de Especialização Inteligente consideram.

Os estudos americanos concluem que, por mais esperançosa que seja a inovação tecnológica esperada em termos de redes elétricas inteligentes e armazenamento, é de antecipar que o sistema eólico e solar devem gerar necessariamente um excesso de geração de capacidade e de armazenamento para fazer face aos seus níveis de variabilidade imprevisível.

A conclusão anunciada é que muito dificilmente o sistema eólico-solar-armazenamento poderá sozinho assegurar a resposta à duplicação da procura. A palavra chave das conclusões é a de mix de fontes empresariais de energia limpa, em que o eólico-solar-armazenamento pode entrar com rácios mais ou menos elevados tudo dependendo do ritmo de inovação tecnológica em matéria de baterias e de armazenamento em geral que vier a ser conseguido. E até podemos ter aqui cenários que podem colocar rapidamente o lítio, tão traumático para algumas regiões portuguesas, não como passado tecnológico mas nunca de dianteiras dos novos processos.

Ora, estas questões parecem-me inequivocamente de maior alcance estratégico do que remoer na ilusão do decrescimento.

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