(Biden's Environment Team, Financial Times)
(A administração Biden tem sido uma boa surpresa. O que valoriza o significado da sua vitória, cuja consistência começamos agora a compreender melhor. Entre as dimensões que marcam indiscutivelmente esse desempenho a viragem na política ambiental americana gera muitos créditos a seu favor. Mas a geopolítica e económica mundial é o que é e não se pode pedir ao novo Presidente mudanças radicais de um dia para o outro.)
O bom desempenho que a administração Biden tem revelado só valoriza o significado que generalizadamente foi atribuído à sua vitória, não apenas por alívio de libertação de um populismo perigoso, mas sobretudo pelo que se antevê de mudanças alinhadas com um sentimento de futuro mais apelativo.
O modo como nestes meses iniciais Biden tem mantido o Partido Democrata relativamente coeso e integrado na sua abordagem a ala mais à esquerda do partido, obtendo dela um apoio que poucos imaginariam ser possível. Mas um domínio em que a articulação das mudanças no plano político interno e as suas consequências no plano mundial é mais positiva é sem dúvida a verdadeira revolução que planeia no domínio ambiental e da emergência climática. Passar de um estatuto de principal opositor de uma abordagem progressista e cientificamente fundamentada no plano mundial a um outro de liderança na inovação e intensidade de combate à emergência climática é uma mudança radical, para a qual muito boa gente não pensou que Biden tivesse energia para tal.
A sua equipa mais próxima é um conjunto de pesos pesados e de gente com muita experiência que vale a pena trazer para a frente da discussão, pois é impossível ficar indiferente à força e representatividade de tal equipa. Pelo menos três elementos podem ser destacados, embora toda a equipa seja de respeito (ver cobertura do Financial Times sobre a matéria aqui). John Kerry é o embaixador internacional para a divulgação e promoção da nova abordagem americana à emergência climática. Gina McCarthy é a principal assessora para a área do clima, que tem na sua experiência a administração da Agência de Proteção Ambiental na administração Obama. A ex-governadora do Michigan Jennifer Granhold que é uma grande defensora das renováveis e com obra nesse domínio enquanto governadora do Estado é a responsável pelo departamento da Energia.
A intensificação da energia solar como uma das principais componentes da nova política energética e climática americana é uma das suas apostas principais. Mas embora muito boa gente tenha andado claramente distraída, a verdade é que a geopolítica e económica em matéria de energia mudou muito nos últimos tempos, querendo isso dizer que as opções dos EUA ou de qualquer outro país que queira mudar a face em termos energético-ambientais não está livre de constrangimentos.
Ana Swanson e Brad Plumer explicam isso com muita clareza no New York Times de 23 de abril (link aqui). É que durante todo este tempo em que o mundo andou embrenhado em discutir acordos climáticos e tentar controlar os “free-riders” aconteceu que a China emergiu como dona e senhora da cadeia de valor da energia solar. Não só domina largamente a produção mundial de painéis solares como ainda controla uma grande parte dos materiais e componente de toda a cadeia, com relevo especial para uma matéria prima, o polysilicone, material utilizado nos painéis com o objetivo de absorver a luz do sol. Os jornalistas do NYT falam de 80% de produção mundial chinesa, o que contrasta com os 5% atribuídos à produção americana.
Dir-me-ão que é a vida e que a geoeconomia não pode a curto prazo deixar de ser tida em conta e respeitada. Sim, é um facto. Mas o problema é que a esmagadora maioria das empresas chinesas responsáveis pela quota dominante da China está instalada numa região ocidental da China, Xinjang, a que são sistematicamente reportadas práticas de trabalho forçado e de violação sistemática de direitos humanos. A região de Xinjang tem estado sob os olhos da comunidade internacional porque aí acontecem alegadas práticas de detenção e perseguição da comunidade muçulmana dos Uyghurs, com trabalho forçado a surgir como uma dessas práticas. A produção de polysilicone não é exclusiva dessa região não sendo ainda claro como a procura mundial desse material poderá contornar essa localização.
Mas o que parece agora mais claro é que a administração Biden tem as suas políticas ambiental e externa em conflito. O aumento de produção de energia solar que a neutralidade carbónica implica esbarra com a geoeconomia e com a pressão política a exercer sobre a China em matéria de direitos humanos e de proteção de minorias étnicas no seu vastíssimo território. Nestas coisas sabemos que a chamada diplomacia económica tende frequentemente a sobrepor-se às denúncias dos abusos dos direitos humanos. A política externa de Biden precisa de contrapontos ao vazio que a saída do Afeganistão irá implicar com riscos de que a civilização afegã recue de novo com as condições favorecedoras do regresso dos Talibãs. A nova ambição climática de Biden é um bom contraponto mas a questão dos direitos humanos é crucial até para dar coerência à sua batalha interna pelo combate à desigualdade, ao racismo e outras iniquidades que o legado de Trump favoreceu.
O conflito existe, não pode ser ocultado e pode representar uma sombra na importância que o solar assume nos objetivos de Biden.
A arte da negociação firme vai ser chamada a agir.
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