terça-feira, 20 de abril de 2021

PLANO FERROVIÁRIO NACIONAL

 


(Escrevia ontem que o ministro Pedro Nuno Santos se apresentava como candidato a protagonista na saga dos planos de infraestruturas ferroviárias frustrados seja pelos diferimentos de execução, seja pela desproporção entre cumprir o discurso e investimento. Mas prometi voltar ao tema quando tomasse conhecimento da versão do Plano que seria colocado em discussão pública, começando pela fase de asucultação. E aqui estou a cumprir o prometido.)

Na intervenção que o Secretário de Estado das Infraestruturas realizou na cerimónia de lançamento do Plano Ferroviário Nacional à discussão pública (fase de auscultação), o nortenho, bem conhecido e voluntarioso Engº Jorge Delgado, já na parte final do seu discurso podia ler-se:

“(…) O Plano Ferroviário Nacional servirá para pensar como levar ao máximo o potencial do transporte ferroviário em Portugal. Estabelecerá a ferrovia como espinha dorsal do sistema de transportes, como instrumento de desenvolvimento económico e industrial e como fator de coesão territorial.”

Li o discurso antes de analisar a apresentação do PFN, pelo que mais se adensaram as minhas expectativas. Quanto maior a altura maior o tombo costuma dizer-se. Pelo que, uma de duas, ou o PFN entrará com glória na arca dos planos frustrados ou desta vez é mesmo diferente, sabe-se lá, pela determinação do ministro, pela onda europeia em torno do ferroviário ou se pelos ventos da mudança climática.

O documento de lançamento à discussão que foi apresentado ganha alguma consistência quando lido em conjunto com o discurso do Jorge Delgado. O valor de investimento que surge associado vem do Plano Nacional de Investimentos 2030 (com financiamento via PRR, Fundos Estruturais e elementos complementares de Orçamento de Estado, espera-se) e tem o número dos 10.000 milhões de euros como o referencial de investimento. Ambição política não basta e, mesmo que tudo indica seja ano de leão, por muito que me custe, só espero que não corresponda a uma saída de sendeiro.

Do esquiço de Plano apresentado (link aqui) saltam três objetivos: (i) o completamento do processo de modernização em curso (eletrificação, sinalização, segurança, equipamento), essencialmente na linha do prolongamento do Ferrovia 2020; (ii) resolução de estrangulamentos metropolitanos em Lisboa e Porto e (iii) finalmente investimento com o eixo de alta velocidade e de elevada capacidade entre Lisboa e Porto-Braga-Valença a pontuar (com integração de Leiria no processo com nova ligação a Coimbra), mas também com a reabertura do Covilhã-Guarda, o novo troço Évora-Elvas, a ligação Aveiro-Mangualde.

Na intervenção do próprio ministro (links aqui e aqui) há elementos que não constam diretamente da apresentação e que merecem acompanhamento futuro. É o caso da ligação de todas as capitais de distrito (com Bragança, Vila Real e Viseu em falta) e do serviço-ligação a cidades com mais de 20.000 habitantes como Felgueiras, Loulé e Quarteira.

Se no caso de Viseu a nova ligação Aveiro-Mangualde poderá potenciar essa concretização com uma ligação suplementar, já os casos de Vila Real e Bragança se afiguram mais problemáticos pois só no quadro de uma nova via Porto-Vila Real-Bragança com eventual ligação a Zamora poderá essa hipótese ser viabilizada. Nunca entendi bem as razões da ligação Aveiro-Mangualde não ter passado em Bruxelas e pelo que vejo ela volta a constar das ideias do Governo.

Quanto à referência às cidades de mais de 20.000 habitantes e a inclusão de Felgueiras nesse referencial (link aqui) parece corresponder à aceitação da proposta dos meus amigos do Tâmega e Sousa que resultou do trabalho do Professor Álvaro Costa da FEUP. Num território de elevada densidade demográfica e industrial como o Tâmega e Sousa ouvir falar de transporte ferroviário é uma grande mudança e pode ser sinal de bons ventos.

A partir de agora as coisas começam a doer para lá dos POWER POINT. Ambição existe, mas outros momentos de ambição borregaram, alguns dos quais com razões objetivas para o explicar. A capacidade de financiamento vai constituir o fator crítico. Jorge Delgado lá foi dizendo que o objetivo seria encontrar um referencial de planeamento de longo prazo, algo de similar ao Plano Rodoviário Nacional (que lembremos data de 1985 com algumas revisões). Numa analogia algo grosseira, o PNF poderia alongar a sua influência muito para além de 2030 (2021 + 36 anos = 2057). Esta alusão pode ler uma interpretação benigna e outra perversa. A benigna é que se pretende atingir um referencial duradouro. A perversa antecipa que as dificuldades de financiamento poderão diferir no tempo as realizações, tornando 2030 uma data simplesmente sugerida pela tramitação europeia.

E lá voltamos à questão inicial: desta vez vai ser mesmo diferente aproveitando os ventos europeus e da descarbonização ou este Plano borregará também ao sabor de uma multiplicidade de imprevistos?

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