(Esta semana deveria estar de férias, contemplando as
zonas ribeirinhas do Minho e do Coura. Mas as compreensíveis limitações das
deslocações na Páscoa e a hipótese de as esplanadas estarem com funcionamento
controlado a partir de 5 de abril ditaram o adiamento por uma semana. Porém, esperamos suspensos da evolução da “cruzinha” no quadrado colorido
que passa a regular as nossas perceções do futuro imediato.
Os números do último mês e o que se vai depreendendo dos efeitos do início
do formal do desconfinamento quando informalmente a sociedade portuguesa estava
já a desconfinar não são para embandeirar em arco mas também não se anunciam aterradores.
O número de infetados, de mortes, internamentos e de ocupação de UCI e a taxa
de positividade nos testes realizados colocam-nos numa posição confortável e em
contraciclo com os avanços e recuos europeus, mas quando lemos os números dinamicamente
é fácil perceber que as melhorias estão a desacelerar e o raio do R aproxima-se
do fatídico 1. É óbvio que quanto mais baixo for o número de contágios maior é
a probabilidade de existência de subidas do R como aliás os nossos ponderados
cientistas nos têm avisado. Nas imediações pessoais, Vila Nova de Gaia, Porto e Caminha, com respetivamente 74, 91 e 44 infetados por 100.000 habitantes nos últimos 15 dias dão algum conforto pessoal.
Não temos ainda, pelo menos de acesso fácil e público, informação credível
sobre a evolução de testes positivos na população escolar pelo que é difícil
antecipar as consequências do estádio seguinte na abertura das escolas (2º e 3º
ciclos).
Na minha leitura, este período que irá do primeiro de abril ao início das
férias vai ser pautado pela permanente tensão entre duas evoluções, a do número
de infetados e a do número de vacinados. É uma tensão de gestão difícil pois
não podemos deixar de nos interrogarmos se haverá recursos humanos suficientes
para controlar as duas frentes, sobretudo quando se anuncia vacinação em massa,
e porque a vacinação depende da União Europeia conseguir ou não recuperar tempo
perdido face aos países que vão decididamente na frente.
A Comissária Elisa Ferreira publicou no Público de 27 de março um artigo de
opinião rigoroso em defesa da Comissão Europeia, tem razão na grande maioria
dos argumentos que avançou e gostei sobretudo da coragem de defender que a
União Europeia não pode fazer o que critica noutros países, a defesa do
unilateralismo. Esse é um dilema que todos enfrentamos, é algo de similar ao
que acontece com a questão climática e com a existência de free-riders
que desistem deliberadamente de controlar emissões, mas que não pode ignorar a
dimensão do problema que Paul Krugman identificava há dias no New York Times. Para
que a União Europeia seja algo mais do que a soma das partes, não podemos
ignorar que isso tem de traduzir-se em avanços institucionais e intensificar o
escrutínio democrático de tais avanços e para isso há que ceder soberania
nacional por muito que custe a muita gente. Assim aconteceu com a soberania
monetária e, embora exigindo uma discussão política no quadro parlamentar
nacional, imaginar que outras dimensões de soberania não terão que se seguir
equivalerá sempre a um quadro institucional menos célere e sujeito a falhas de
governação.
Aliás, a pandemia veio mostrar em toda a sua evidência que o mundo tem
vindo a remeter para baixo do tapete o problema da arquitetura da governação
mundial que já se refletia por exemplo na incapacidade de fazer avançar a
globalização dada a impossibilidade manifesta (que colocou Dani Rodrik no
centro do debate) de fazer progredir simultaneamente (i) o reforço da integração
económica, (ii) a democracia e o poder de barganha social associado e (iii) a
preservação intacta do Estado-nação. Imaginar que coletivos como o G-20, G-7 ou
outro conjunto qualquer de grupos de privilegiados, mais abertos ou ocultos,
poderão substituir-se a avanços nessa matéria é pura demagogia para perpetuar
as relações de desenvolvimento desigual.
Em tempos de Trump, regressar a essa matéria era pura perda de tempo, mas
com Biden ao leme e até agora sem grandes patadas na poça há condições para se
repensar de novo o multilateralismo e rever o papel de instituições internacionais
como o Banco Mundial, o FMI e todas as organizações ligadas às Nações Unidas. É
óbvio que não temos um Keynes para pensar um novo Bretton Woods mas há que
jogar com os recursos que temos e recuperar para a “policy” muita gente que
anda por aí a brincar aos parâmetros e aos modelos.
O trilema de Rodrik é hoje atravessado por uma clivagem bem mais compreensível
ditada pela pandemia: se queremos recuperar parte da globalização, reparada e adaptada
a estes tempos então temos de aumentar a cobertura da vacinação a nível mundial.
Até porque me inclino para pensar que a vacinação mundial não vai estar
resolvida até que expire o poder protetor das vacinas agora ministradas, suponhamos
que cerca de um ano acreditando nas revelações científicas dos últimos dias. E
se não estiver poderemos voltar ao princípio.
Nos meus tempos universitários da economia do desenvolvimento, o tema da
Nova Ordem Económica Internacional tanto foi badalado que o sino se gastou e o
tema perdeu força. Mas está de novo na ordem do dia, talvez de modo mais
abrangente – Por uma Nova Ordem Internacional. Olho para as estantes quase a
ficarem todas registadas em ACCESS e verifico que há por aqui boas leituras que
têm de ser recuperadas.