quarta-feira, 31 de março de 2021

BIBI NÃO IRÁ SOBREVIVER?

Um pequeno apontamento sobre as eleições parlamentares israelitas – as quartas em dois anos e, provavelmente, ainda não capazes de dar lugar a uma solução política estável. Benjamin Netanyahu venceu novamente com alguma clareza mas voltou a demonstrar que, por muito que faça (entre horríveis maldades e perfeitas cambalhotas, especialmente, mas desta vez também em torno do sucesso que logrou a campanha de vacinação do país), não consegue chegar a um resultado que lhe garanta um exercício de poder parlamentarmente menos turbulento do que o que lhe tem calhado (talvez que a sociologia eleitoral não o autorize, talvez que a sua postura política algo extremada não o facilite ou talvez um pouco das duas coisas) – vejam-se os lugares na Knesset (onde são precisos 61 assentos para se atingir uma maioria) que tem vindo a obter na sua fase segunda de atividade à frente do “Likud” (tendo a primeira ocorrido ainda no século XX), com a agravante de que ainda acabou por perder mais seis representantes em relação à consulta do ano passado (e só a cisão acontecida no “Blue and White” de Benny Gantz faz com que vá agora negociar uma composição governamental junto de partidos de bastante menor expressão face à sua).


A política israelita é muito complexa, não só porque existem fações para todos os gostos (desta vez concorreram 39 partidos) mas sobretudo porque as aproximações e coligações podem ter geometrias excessivamente variáveis para os nossos hábitos. Em todo o caso, vejam-se os resultados traduzidos em termos dos “grandes blocos” (na sua expressão mais provável, i.e., a favor e contra Bibi) e, deste modo, o grau de ingovernabilidade que por ali impera e poderá obrigar a novo ato eleitoral em data não muito longínqua. Até porque as dificuldades de Netanyahu surgem ainda agravadas pela recorrência das negociações e roturas, por um lado, e pela maior força que emerge de lógicas convencionalmente tidas por mais à esquerda, por outro – o caso mais saliente é o do Partido Trabalhista, que parece querer renascer das cinzas com a energia de uma nova líder (Merav Michaeli) e contando com a presença de formações irmãs (como o social-democrata “Meretz”) e outras de valores menos volúveis perante as conjunturas.



Por curiosidade, observe-se a evolução das votações dos trabalhistas desde o seu nascimento em 1968, diferenciando-se os gloriosos tempos de Golda Meir, Shimon Peres e Yitzhak Rabin (até 1996, inclusive) do período correspondente aos últimos vinte anos e que foi tentativamente sendo disfarçado em coligações eleitorais (com “One Israel” em 1999, com a “União Sionista” em 2015 ou com partidos “irmãos” por diversas vezes – nas dez eleições ocorridas desde 1999, os trabalhistas apenas por quatro vezes concorreram sozinhos) culminou na quase irrelevância de 2020 (não obstante algumas alianças governamentais, como a recente protagonizada por Amir Peretz). Trará agora Merav a combinação de capacidades necessária para relançar o partido e fazer com que ele desempenhe de novo um papel importante no país e na região?

(Amos Biderman, https://plus61j.net.au)



INDEPENDENTISTAS DE CANDEIAS ÀS AVESSAS

 


(Os media portugueses têm dedicado pouca atenção à saga da formação do governo regional na Catalunha. Até arrisco a explicar a razão. Com grandes adeptos na imprensa nacional, talvez não convenha realçar as razões de uma saga tão atribulada para constituir o governo da Generalitat com maioria absoluta de deputados no parlamento catalão na sequência das últimas eleições regionais.

Não tenho qualquer dificuldade de afirmar aqui a minha total falta de empatia com o independentismo catalão. A minha animosidade não resulta de qualquer preconceito em relação à causa catalã que bem compreendo e que ao longo do tempo tenho vindo com paciência a compreender historicamente socorrendo-me de visões cruzadas, de dentro e de fora, já que a interpretação da própria história da Catalunha tem que se lhe diga pois está inquinada de ideologia (centralista e independentista) que chegue.

Tenho animosidade sim mas em relação à progressiva degradação da qualidade intrínseca dos movimentos independentistas, entre os quais só a Esquerra Republicana cumpre os meus critérios simples de confiança para uma hipotética conversa.

O Junts per Catalunya capitaneado pelo franjinhas Puigdemont a partir de Bruxelas é uma amálgama dos sete diabos, não se pressentindo nas suas convicções qualquer modelo ou projeto de sociedade para a Catalunha. Tem atuado como se tivesse sido o partido mais votado, mas não, foi apenas o terceiro e tem dilatado a formação do governo regional com exigências estrambólicas que imagino as gentes da Esquerra já devem estar com vontade de os mandar às urtigas. O entusiasmo de alguma esquerda portuguesa pelo Junts é anedótico, só se compreende por preguiça mental ou falta de trabalho de casa. Posso concluir que a formar-se o governo regional, pois caso contrário estaríamos perante um falhanço colossal, a governação deve ser delirante. E assim vai o independentismo.

Por outro lado, a presença da CUP – Candidatura de Unidade Popular na maioria absoluta incorpora o radicalismo mais assanhado do independentismo, de base essencialmente local e apontando para o que de mais próximo situo no socialismo libertário de raiz mais ou menos violenta. Tenho dificuldade em encontrar um referencial similar em Portugal mas imaginem o que será um governo da Generalitat apoiado com as condições libertárias e autonomistas da CUP. Estamos conversados.

Tudo isto sob a supervisão ofegante da independentista Laura Borrás, que já ministra regional da Cultura eleita para a presidência do Parlamento da Catalunha via Junts per Catalunya. Não é difícil imaginar que atiça e não apaga fogos, podendo considerar-se hoje parte do problema da dilatação da formação de governo.

Se a atenção não me traiu, Pepe Aragonés candidato pela ER à Generalitat já falhou por duas vezes a sua investidura.

Tenho para mim que face ao “the show must go on”, as partes desavindas irão encontrar um acordo precário para lavar a face e colocar a tarjeta de a questão independentista segue dentro de momentos.

Mas, Deus meu, se isto é assim nos prolegómenos, que raio acontecerá quando passarem à ação? Por muito que custe a muita gente, nada de bom para a defesa dos interesses mais progressistas das condições de vida e de trabalho dos catalães.

terça-feira, 30 de março de 2021

MODA VOYEUR

 


(Não é o que estarão eventualmente a pensar. Este vosso amigo não ensandeceu e não enveredou no confinamento pelo voyeurismo. Trata-se simplesmente de registar um pequeno desvio no rumo da reflexão trazida habitualmente a este espaço e passar os olhos pelo marketing online da moda galega, particularmente do grupo Adolfo Dominguez. Vários motivos justificam a minha proximidade e interesse pelo que poderíamos designar de auge, queda e reabilitação daquele expoente da criação galega.

Quando comecei a privar com alguns intelectuais, universitários e profissionais galegos do planeamento como Emilio Pérez Touriño que chegou a Presidente da Xunta de Galicia num governo regional de coligação PSG – PSOE galego e Bloco Nacionalista Galego, Anxel Viña, Juan Dalda (saudoso urbanista do difuso galego já falecido), Xoaquin Alvarez Corbacho (colega de doutoramento em York de Cavaco Silva e por isso com algumas histórias picarescas), Xulio Pardellas e tantos mais, a marca Adolfo Dominguez estava no seu auge. Desde os tempos da célebre frase “La arruga es bella” (de que tanto gostava o também saudoso José Maria Cabral Ferreira da CCDR Norte), a marca emergia como um sinal da modernidade galega, não nos termos de uma produção industrial de massa que a Zara e seu complexo de marcas derivadas e conexas iriam ocupar com estrondo e domínio quase completo, mas de uma modernidade que inscrevesse o bom gosto no casual urbano que atrai tanta gente (como eu, tenho de o dizer). Arriscar-me-ia a afirmar que a identificação com a marca tinha alguma coisa de “político” no sentido de que definia uma postura urbana, o que para a sociedade galega ao tempo ainda marcada pelo rural e pela inserção que o PP de Fraga Iribarne tinha nesses contextos representava uma prova de confronto com essa mancha e tradição de ruralidade. Das cidades galegas ao urbano difuso das Rias que Dalda descrevia tão bem tratava-se então de afirmar a urbanidade como sinal de modernidade e de esperança na mudança.

Foi nesse mesmo tempo que começaram os estudos de suporte à formação do Eixo Atlântico, inicialmente protagonizado do ponto de vista político pela aproximação entre Carlos Príncipe (presidente socialista de Vigo) e de Fernando Gomes (presidente socialista do Porto). A lógica do sistema urbano do Eixo Atlântico correspondia então a essa necessidade de introduzir na cooperação Galiza-Norte de Portugal a dimensão do sistema urbano, a única em que o Norte tinha algo para oferecer dada a maior dimensão comparativa dos seus municípios.

O projeto da Adolfo Dominguez haveria de passar do seu auge a um período de declínio, que aliás nunca vi suficientemente estudado, mas que sempre interpretei como um modelo de “passo mais largo do que a própria perna”. A aventura por uma postura mais agressiva na economia global, sobretudo quando comparada com o profissionalismo imbatível da Zara, não encontrou inicialmente no modelo familiar da marca as competências necessárias e a crise de 2008 haveria de acentuar esse declínio. Pensou-se que seria o toque de finados da marca, ela passou por problemas de crescente afirmação e identidade e esperou-se o pior, aliás com cisões familiares.

Nos últimos tempos, não sei que alimentação de novas competências foi o grupo familiar alvo, a marca parece reabilitada e o marketing on line entrou em força e com uma qualidade de design criativo apreciável. O contexto de identificação com a marca já não é obviamente o mesmo, a sociedade galega alterou-se profundamente e aquela modernidade urbana que tinha uma conotação de esperança política teve a sua experiência de governação falhada com o governo Pérez Touriño coligado com o Bloco Nacionalista Galego. A direita do PP foi-se apropriando progressivamente da modernidade urbana e não tem hoje alternativa credível na Região.

É por isso de uma outra identificação com a marca que temos de falar e que aparentemente a Adolfo Dominguez tem vindo paulatinamente a construir de novo, adaptando-se aos novos tempos.

A imagem acima e a que abre o post estão separadas no tempo de cerca de 3 anos (2018 versus tempo de confinamento). O Sé Más Viejo de 2018 representou a tentativa da marca de reconstruir para os novos tempos a ideia de La Arruga, que tanto pode ser interpretada como uma adaptação proativa aos tempos do envelhecimento (do próprio Adolfo também é claro) ou como uma antecipação da circularidade. A marca começou de facto a utilizar tecidos e fibras recicladas a partir de roupa descartada.

A imagem que abre o post é de hoje e cobre a campanha “EPISODE II VOYEUR –“Who believes themselves unobserved” que começa com uma imagem de uma praça de Ourense, terra-Mãe da marca (link aqui).

Vejo a campanha e não posso deixar de me interrogar. Com “La Arruga es bella” a identificação era cristalina e muito mais do que gostar de uma peça de vestuário. Pelo contrário, a atração pela beleza destas imagens a preto e branco é espontânea, mas mais efémera porque ficamos sem saber qual a fonte da identificação. Talvez uma alegoria dos tempos de hoje.


SUSPENSO PELA CRUZ NO QUADRADO

 


(Esta semana deveria estar de férias, contemplando as zonas ribeirinhas do Minho e do Coura. Mas as compreensíveis limitações das deslocações na Páscoa e a hipótese de as esplanadas estarem com funcionamento controlado a partir de 5 de abril ditaram o adiamento por uma semana. Porém, esperamos suspensos da evolução da “cruzinha” no quadrado colorido que passa a regular as nossas perceções do futuro imediato.

Os números do último mês e o que se vai depreendendo dos efeitos do início do formal do desconfinamento quando informalmente a sociedade portuguesa estava já a desconfinar não são para embandeirar em arco mas também não se anunciam aterradores. O número de infetados, de mortes, internamentos e de ocupação de UCI e a taxa de positividade nos testes realizados colocam-nos numa posição confortável e em contraciclo com os avanços e recuos europeus, mas quando lemos os números dinamicamente é fácil perceber que as melhorias estão a desacelerar e o raio do R aproxima-se do fatídico 1. É óbvio que quanto mais baixo for o número de contágios maior é a probabilidade de existência de subidas do R como aliás os nossos ponderados cientistas nos têm avisado. Nas imediações pessoais, Vila Nova de Gaia, Porto e Caminha, com respetivamente 74, 91 e 44 infetados por 100.000 habitantes nos últimos 15 dias dão algum conforto pessoal.

Não temos ainda, pelo menos de acesso fácil e público, informação credível sobre a evolução de testes positivos na população escolar pelo que é difícil antecipar as consequências do estádio seguinte na abertura das escolas (2º e 3º ciclos).

Na minha leitura, este período que irá do primeiro de abril ao início das férias vai ser pautado pela permanente tensão entre duas evoluções, a do número de infetados e a do número de vacinados. É uma tensão de gestão difícil pois não podemos deixar de nos interrogarmos se haverá recursos humanos suficientes para controlar as duas frentes, sobretudo quando se anuncia vacinação em massa, e porque a vacinação depende da União Europeia conseguir ou não recuperar tempo perdido face aos países que vão decididamente na frente.

A Comissária Elisa Ferreira publicou no Público de 27 de março um artigo de opinião rigoroso em defesa da Comissão Europeia, tem razão na grande maioria dos argumentos que avançou e gostei sobretudo da coragem de defender que a União Europeia não pode fazer o que critica noutros países, a defesa do unilateralismo. Esse é um dilema que todos enfrentamos, é algo de similar ao que acontece com a questão climática e com a existência de free-riders que desistem deliberadamente de controlar emissões, mas que não pode ignorar a dimensão do problema que Paul Krugman identificava há dias no New York Times. Para que a União Europeia seja algo mais do que a soma das partes, não podemos ignorar que isso tem de traduzir-se em avanços institucionais e intensificar o escrutínio democrático de tais avanços e para isso há que ceder soberania nacional por muito que custe a muita gente. Assim aconteceu com a soberania monetária e, embora exigindo uma discussão política no quadro parlamentar nacional, imaginar que outras dimensões de soberania não terão que se seguir equivalerá sempre a um quadro institucional menos célere e sujeito a falhas de governação.

Aliás, a pandemia veio mostrar em toda a sua evidência que o mundo tem vindo a remeter para baixo do tapete o problema da arquitetura da governação mundial que já se refletia por exemplo na incapacidade de fazer avançar a globalização dada a impossibilidade manifesta (que colocou Dani Rodrik no centro do debate) de fazer progredir simultaneamente (i) o reforço da integração económica, (ii) a democracia e o poder de barganha social associado e (iii) a preservação intacta do Estado-nação. Imaginar que coletivos como o G-20, G-7 ou outro conjunto qualquer de grupos de privilegiados, mais abertos ou ocultos, poderão substituir-se a avanços nessa matéria é pura demagogia para perpetuar as relações de desenvolvimento desigual.

Em tempos de Trump, regressar a essa matéria era pura perda de tempo, mas com Biden ao leme e até agora sem grandes patadas na poça há condições para se repensar de novo o multilateralismo e rever o papel de instituições internacionais como o Banco Mundial, o FMI e todas as organizações ligadas às Nações Unidas. É óbvio que não temos um Keynes para pensar um novo Bretton Woods mas há que jogar com os recursos que temos e recuperar para a “policy” muita gente que anda por aí a brincar aos parâmetros e aos modelos.

O trilema de Rodrik é hoje atravessado por uma clivagem bem mais compreensível ditada pela pandemia: se queremos recuperar parte da globalização, reparada e adaptada a estes tempos então temos de aumentar a cobertura da vacinação a nível mundial. Até porque me inclino para pensar que a vacinação mundial não vai estar resolvida até que expire o poder protetor das vacinas agora ministradas, suponhamos que cerca de um ano acreditando nas revelações científicas dos últimos dias. E se não estiver poderemos voltar ao princípio.

Nos meus tempos universitários da economia do desenvolvimento, o tema da Nova Ordem Económica Internacional tanto foi badalado que o sino se gastou e o tema perdeu força. Mas está de novo na ordem do dia, talvez de modo mais abrangente – Por uma Nova Ordem Internacional. Olho para as estantes quase a ficarem todas registadas em ACCESS e verifico que há por aqui boas leituras que têm de ser recuperadas.