segunda-feira, 29 de março de 2021

TRAVÕES

Não será manifestamente um valor proibitivo aquele que está em causa na questão dos apoios sociais adicionais cujos diplomas foram ontem promulgados pelo Presidente da República contra a vontade do Governo e a sua argumentação em nome da chamada “lei travão”. Mas a questão é simbólica e basta ter ouvido a reação do primeiro-ministro (falando de uma mensagem “rica do ponto de vista da inovação” e “muito criativa, efetivamente”) para o perceber sem qualquer dúvida – um erro de avaliação, centrado numa confiança ilimitada nos seus poderes de envolvimento? Marcelo, por seu lado, veio mostrar quanto o seu discurso do rigor tem dias, ao mesmo tempo que assim fez notar no concreto que não hesitará em criar precedentes que lhe sejam conjunturalmente úteis (a imagem e/ou à tática) e aproveitou a oportunidade para pôr Costa em sentido quanto aos cuidados com que tem de abordar o resto da legislatura. Enquanto isso, os partidos da ex-geringonça aplaudiram (tal como o moribundo CDS), fazendo assim peito para novas incursões oposicionistas próprias de quem pode privilegiar a justiça social contra as duras realidades orçamentais. Tudo somado, nada de especialmente grave se não fossem um certo mal-estar que vai perpassando por entre as vénias e os sorrisos trocados pelos nossos maiorais, as irrupções de ingovernabilidade que crescentemente ressaltam e, sobretudo, a situação real que o País já atravessa quando a procissão ainda vai no adro.

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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