(Mantenho-me no mote do meu colega de blogue. As eleições holandesas passaram relativamente despercebidas em Portugal onde a comunicação social parece cada mais acantonada na nossa pequena política e a olhar para o umbigo das cercanias. Mas talvez valha a pena ouvir quem analisou os resultados. Pela minha parte acho que esses resultados ilustram o largo espectro de mudanças que andam por aí e às quais não temos prestado a devida atenção. Tudo isto à boleia de René Cuperus via International Politics and Society (lhttps://www.ips-journal.eu/topics/future-of-social-democracy/dutch-elections-the-triumph-of-two-liberalisms-5058/.
Bem sei que eles são calvinistas, que são terríveis a negociar como me dizia gente que assistiu ao vivo a essas prestações em Bruxelas, que estão a caminhar para uma sociedade multiétnica e multicultural da qual ainda estamos a anos luz e que isto de viver num país plano tem que se lhe diga. Sei tudo isso mas os resultados das eleições holandesas desta semana deveriam merecer a nossa atenção.
Tanto quanto possível é possível entender de cá o que se passou, a vitória do partido liberal do primeiro-ministro Mark Rutte, por vezes nada meigo para os países do sul, aconteceu num contexto que seria difícil vaticinar como favorável a uma reeleição tão confortável. A gestão da pandemia não foi seguramente modelar e não estamos a falar apenas de incómodos por confinamento, estamos a falar de mortalidade excessiva para o que consideramos por vezes um país de referência na sua capacidade e modernização administrativas. Para além disso, o governo de Rutte tinha-se metido num escândalo dos grandes em matéria de subvenções sociais a população infantil, mostrando que há um discurso para fora em matéria de exemplos anti corrupção e feroz combate à mesma e outro para dentro, bem menos seguidor de veneração e atenção ao exemplo.
O partido de Rutte pode afiliar-se ao liberalismo económico, seguramente na mira dos nossos aprendizes da Iniciativa Liberal, ao passo que o D66 da impetuosa Sigfrid Kaag pode ser encostada a um liberalismo cultural mais progressista. O D66 reforçou também a sua posição com 24 deputados, parecendo ter capitalizado o voto climático, à custa paradoxalmente dos Verdes que perdeu metade dos deputados que tinha, de 14 para apenas 7. Do ponto de vista da esquerda social-democrata ela está em evolução para a marginalização.
Numa primeira análise dir-se-ia que o liberalismo económico e cultural teria vencido, emergindo a interrogação de saber até que ponto uma má gestão pandémica tem ou não consequências eleitorais. Mas esta interpretação está longe de ser pacífica. Explico-me porquê.
O que parece estar a formar-se na cena política dos Países Baixos é um deslocamento de voto que tem a seguinte orientação: os eleitores mais qualificados deslocam-se dos partidos mais tradicionais, socialistas e democrata-qualificados os primeiros em perda de peso nestas eleições como algo de paradoxal porque foram eles a denunciar o escândalo que gerou as novas eleições para os partidos liberais; os eleitores menos qualificados tendem a fortalecer a extrema-direita que sai reforçada destas eleições.
Tal como René Cupurus o assinala, não deixa de ser paradoxal que o aparente triunfo e reeleição do liberalismo económico (será preciso mais tempo para compreender o que significa o êxito de agora do D66, o liberalismo mais progressista e cultural) acontece num período em que o neoliberalismo económico foi ferido, não sabemos se de morte, pelas exigências que a pandemia trouxe em matéria de intervenção pública.
Mas o que não podemos ignorar é que o liberalismo económico e cultural é, nos Países Baixos, o dique disponível para barrar a extrema-direita. E o que me apraz dizer é que, ideologias à parte, é que espero que os diques sejam suficientemente resistentes como o têm sido em grande medida os diques que ajudam a manter a morfologia única do território dos Países Baixos. Com a devida manutenção, o que no caso do governo de Rutte quererá dizer uma maior coerência entre o discurso para fora e a prática lá dentro.
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