quinta-feira, 11 de março de 2021

DESAVINDA, À SOLTA E DESCONTROLADA

 

(A vizinha Espanha não se cansa de nos surpreender. Já lá vão os tempos de “nem bom vento, nem bom casamento”. Nestes tempos mais recentes, de Espanha vêm sobretudo sinais poderosos dos movimentos à direita. Só eles podem explicar a estranha resiliência de um governo PSOE-PODEMOS que parece preso por pinças de má qualidade.)

Já aqui referi que a direita ou as direitas espanholas estão em profunda recomposição. Tudo terá começado com o impacto que provocou a ascensão relativamente inesperada ao poder do PSOE de Sánchez, a retirada para o seu lugar de “Registrador” de Mariano Rajoy líder do PP na era pós Aznar, a emergência algo meteórica do VOX (onde estavam essas forças?), a instabilidade para cima e para baixo do CIUDADANOS, as sequelas do independentismo catalão e o ressurgimento em força do “espanholismo” mais profundo que o VOX capitalizou habilmente. Curiosamente, pelo menos não de forma direta, o post de hoje não tem o seu epicentro no fator desestabilizador que a emergência do VOX representou.

O tema de hoje prende-se sobretudo com as personalidades políticas que têm protagonizado a instabilidade política na direita e já vão perceber ao que me refiro.

Vou deixar por agora o VOX “em paz” e concentrar-me sobretudo no PP e no CIUDADANOS. Depois de um tempo em que personalidades como Mariano Rajoy (este ainda recentemente) e Adolfo Suárez (este mais lá atrás na transição democrática espanhola) pontuavam na direita espanhola, com a “gravitas” e o sentido de Estado que lhes era reconhecido, a direita espanhola começou a ser dinamizada por gente mais jovem, impetuosa, de sangue quente. É um caso de rejuvenescimento de classe política que frequentemente se saúda, tamanha é a inércia de alguns espectros políticos que demoram tempos longos a renovar-se. Mas é gente inevitavelmente com pouca experiência política e, o que é pior, em alguns casos com falta da tal gravitas e com sentido de Estado de trazer por casa.

A dupla Albert Rivera – Inês Arrimadas (CIUDADANOS) foi a primeira a irromper e a impactar o eleitorado espanhol. Rivera teve o seu momento de glória perdida no momento em que Sánchez lançou a sua moção de censura sobre o governo de Rajoy e desde aí não conseguiu endireitar-se, tendo abandonado a sua carreira política. Inés Arrimadas emergiu com estrondo nas penúltimas eleições regionais na Catalunha em que foi a candidata mais votada, embora sem maioria para governar. É uma personalidade com uma empatia mediática e uma telegenia de grande impacto, que ocupa como poucas a cena comunicacional espanhola. Com o abandono de Rivera ocupou a liderança do CIUDADANOS e cedo se compreendeu que o partido não era globalmente assim tão fresco e entusiasmante como a sua nova líder. Comparando os resultados eleitorais do CIUDADANOS entre a penúltima e a última eleição na Catalunha (em que Arrimadas não se apresentou) a diferença e a perda são tão confrangedoras que todos se admiraram como a brava Inés resistiu à débacle do partido, que perdeu em toda a linha para a recuperação do PSOE na Região.

Entretanto, no PP, Pablo Casado oscilou primeiro entre transformar-se em cópia do VOX ou assumir uma trajetória própria como o eterno candidato Feijoo seguiu na Galiza. Seguiu inicialmente a primeira, arrependeu-se, e depois corrigiu a trajetória, embora também tenha sofrido um abalo quase telúrico com o seu quase desaparecimento na Catalunha. Os resultados disseram que o VOX capitalizou praticamente todo o espanholismo residente na Catalunha e adeus até ao meu regresso, improvável.

Entretanto, o PP especializou-se em personalidades de sangue quente e na guelra. Depois de uns arrufos com uma tal Cayetana Alvarez de Toledo, a porta-voz do PP que se enfrentou com Pablo Casado, um verdadeiro exemplo desta onda de sangue quente feminino na vida política espanhola, eis que uma nova personalidade desse calibre irrompeu pela vida política espanhola e do PP. Isabel Diáz Ayuso de seu nome assumiu a coligação de direita (com assentimento do VOX) na Comunidad de Madrid e iniciou uma trajetória de grande animosidade política com o governo de Sánchez, não em termos abstratos, mas no quadro da gestão da pandemia na região da Capital. Ainda esta semana, Ayuso ameaça não acatar as restrições da Semana Santa. Isto mostra como o sangue é quente e a vontade de protagonismo não escolhe processos pacíficos. Curiosamente, Ayuso partilha com Arrimadas a telegenia e a aptidão comunicacional. Este fenómeno é curioso porque parece que por vezes se forma um contágio somático entre estes e estas líderes mais jovens, verdadeiros camaleões na forma, ainda que não necessariamente no conteúdo. Ayuso confessava há dias numa entrevista à televisão, gravada com a Puerta del Sol como pano de fundo, que a sua vida pessoal era tão agitada como a sua vida política e isto diz bem da personalidade.

Pois esta direita está por estes últimos dias desavinda, completamente à solta e direi mesmo descontrolada. Vejam o que sucedeu. Inés Arrimadas rompeu na região de Murcia com a coligação de direita que incluía o VOX, aproximando-se do PSOE para gerar uma nova alternativa política para a região. No mais puro e “sencillo” ricochete, Isabel Ayuso decidiu antecipar eleições na Comunidade de Madrid, procurando, diz ela, impedir por antecipação uma moção de censura. A decisão de Aysuo está longe de ser pacífica no próprio Parlamento da Comunidad de Madrid antevendo-se um longo imbróglio político em torno da decisão da intrépida Ayuso (link aqui). Por sua vez, Inés Arrimadas apressou-se a convocar Pablo Casado afiançando que não apoiará qualquer moção de censura em Madrid e em Castilla y León (link aqui). Um pandemónio e uma agitação de se lhe tirar o chapéu.

Mas o que me espanta é que tanto talento político, e os tempos de hoje precisam de gente que abanem os eleitorados e mantenham com eles relações de ânimo mas também de confiança, seja desperdiçado no esgrima manipulador da pequena trama política, com o VOX como espectador, a esfregar as mãos e a mostrar-se ao PP como parceiro mais fiável do que o CIUDADANOS.

Mas, falo para os meus botões e interrogo-me: não será possível combinar “gravitas” e sangue quente e mais jovem?

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