Na Holanda, a contagem eleitoral ainda não está completamente fechada, mas os resultados já são claros: uma vitória inequívoca do incumbente e frugal Mark Rutte que assim se manterá no poder após um quarto veredito favorável desde 2010. Mas esta novidade previsível não afasta outras constatações curiosas sobre o que se vai passando nos Países Baixos desde há década e meia. Mostrando à saciedade que aquela velha sociedade livre e aberta já não é o que era...
Vejamos algumas dessas curiosidades:
(i) não há praticamente maiorias absolutas possíveis naquelas paragens, o que favorece o diálogo interpartidário e a negociação democrática (o máximo obtido por um só partido em cinco atos eleitorais resultou em 41 lugares em 150) e talvez explique muita coisa (para o bem e para o mal sublinhe-se);
(ii) em 2006, o primeiro-ministro democrata-cristão Jan Peter Balkenende (na cadeira desde 2002, quando sucedeu ao emblemático trabalhista Wim Kok que liderava desde 1994) venceu claramente e pôde coligar-se com os trabalhistas para um novo mandato que terminaria com um rompimento “afegão” e urnas em 2010;
(iii) Rutte surgiu no grande palco neste momento eleitoral, vencendo à tangente mas historicamente para os liberais e formando um governo à direita (com os democratas-cristãos e apoio parlamentar da afirmativa extrema-direita de Geert Wilders), ao qual se sucederia um acordo com os trabalhistas em 2012 (Rutte II) e um dificílimo acordo quadripartido com duas formações democrata-cristãs e uma liberal-social em 2017 (Rutte III);
(iv) a vida não está nada fácil à esquerda, onde os trabalhistas ainda se aguentaram até 2012, quando lograram 38 lugares, mas vieram a cair rotundamente desde então e têm hoje a sua representação reduzida a 9 assentos, tantos quantos os do Partido Socialista e apenas mais um do que os Verdes;
(v) a extrema-direita mantém uma expressão significativa, visto que aos 17 lugares do PVV de Wilders se somam agora mais 8 dos nacionalistas do FvD, 3 do SGP e 3 do “Right Answer 21”;
(vi) o inenarrável ministro das Finanças (Woepke Hoekstra), que António Costa acertadamente afrontou em devido tempo, lidera agora o histórico CDA e começou mal, perdendo 4 lugares no Parlamento (mas talvez vá prosseguir em associação com Rutte);
(vii) em contrapartida, a nova líder do liberal-social D66 (Sigrid Kaag, hoje ainda ministra dos Assuntos Externos e em esfusiante celebração na foto acima) foi a maior vencedora do processo em curso ao consolidar a tendência de afirmação do seu partido e ao torná-lo, ineditamente, no segundo mais votado do país (ultrapassando a extrema-direita);
(viii) a diversificação do espetro partidário é visível, com os 10 partidos a terem representação no Parlamento em 2006 e 2010 a passarem a 11 em 2012, a 13 em 2017 e a 17 em 2021;
(ix) mais duvidoso é o espartilhamento desse mesmo espetro, com nada menos do que 37 partidos a concorrerem e opções para todos os gostos (dos detentores de fortunas aos interesses agrários, dos direitos das minorias ao igualitarismo, dos interesses do setor público aos pensionistas, da e-democracia aos jovens, da democracia direta aos libertários, do joke aos “piratas”, do evangelismo à teocracia cristã, da minoria turca ao ubuntuismo, do islamismo ao nacionalismo étnico e até do ceticismo em relação ao COVID-19!) – eu, que venho de outro tempo, não sou fã de tanta abertura de perspetivas na política tout court...
E, a esta hora, Rutte já deve estar a montar o seu quarto puzzle governativo...
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