terça-feira, 30 de março de 2021

SUSPENSO PELA CRUZ NO QUADRADO

 


(Esta semana deveria estar de férias, contemplando as zonas ribeirinhas do Minho e do Coura. Mas as compreensíveis limitações das deslocações na Páscoa e a hipótese de as esplanadas estarem com funcionamento controlado a partir de 5 de abril ditaram o adiamento por uma semana. Porém, esperamos suspensos da evolução da “cruzinha” no quadrado colorido que passa a regular as nossas perceções do futuro imediato.

Os números do último mês e o que se vai depreendendo dos efeitos do início do formal do desconfinamento quando informalmente a sociedade portuguesa estava já a desconfinar não são para embandeirar em arco mas também não se anunciam aterradores. O número de infetados, de mortes, internamentos e de ocupação de UCI e a taxa de positividade nos testes realizados colocam-nos numa posição confortável e em contraciclo com os avanços e recuos europeus, mas quando lemos os números dinamicamente é fácil perceber que as melhorias estão a desacelerar e o raio do R aproxima-se do fatídico 1. É óbvio que quanto mais baixo for o número de contágios maior é a probabilidade de existência de subidas do R como aliás os nossos ponderados cientistas nos têm avisado. Nas imediações pessoais, Vila Nova de Gaia, Porto e Caminha, com respetivamente 74, 91 e 44 infetados por 100.000 habitantes nos últimos 15 dias dão algum conforto pessoal.

Não temos ainda, pelo menos de acesso fácil e público, informação credível sobre a evolução de testes positivos na população escolar pelo que é difícil antecipar as consequências do estádio seguinte na abertura das escolas (2º e 3º ciclos).

Na minha leitura, este período que irá do primeiro de abril ao início das férias vai ser pautado pela permanente tensão entre duas evoluções, a do número de infetados e a do número de vacinados. É uma tensão de gestão difícil pois não podemos deixar de nos interrogarmos se haverá recursos humanos suficientes para controlar as duas frentes, sobretudo quando se anuncia vacinação em massa, e porque a vacinação depende da União Europeia conseguir ou não recuperar tempo perdido face aos países que vão decididamente na frente.

A Comissária Elisa Ferreira publicou no Público de 27 de março um artigo de opinião rigoroso em defesa da Comissão Europeia, tem razão na grande maioria dos argumentos que avançou e gostei sobretudo da coragem de defender que a União Europeia não pode fazer o que critica noutros países, a defesa do unilateralismo. Esse é um dilema que todos enfrentamos, é algo de similar ao que acontece com a questão climática e com a existência de free-riders que desistem deliberadamente de controlar emissões, mas que não pode ignorar a dimensão do problema que Paul Krugman identificava há dias no New York Times. Para que a União Europeia seja algo mais do que a soma das partes, não podemos ignorar que isso tem de traduzir-se em avanços institucionais e intensificar o escrutínio democrático de tais avanços e para isso há que ceder soberania nacional por muito que custe a muita gente. Assim aconteceu com a soberania monetária e, embora exigindo uma discussão política no quadro parlamentar nacional, imaginar que outras dimensões de soberania não terão que se seguir equivalerá sempre a um quadro institucional menos célere e sujeito a falhas de governação.

Aliás, a pandemia veio mostrar em toda a sua evidência que o mundo tem vindo a remeter para baixo do tapete o problema da arquitetura da governação mundial que já se refletia por exemplo na incapacidade de fazer avançar a globalização dada a impossibilidade manifesta (que colocou Dani Rodrik no centro do debate) de fazer progredir simultaneamente (i) o reforço da integração económica, (ii) a democracia e o poder de barganha social associado e (iii) a preservação intacta do Estado-nação. Imaginar que coletivos como o G-20, G-7 ou outro conjunto qualquer de grupos de privilegiados, mais abertos ou ocultos, poderão substituir-se a avanços nessa matéria é pura demagogia para perpetuar as relações de desenvolvimento desigual.

Em tempos de Trump, regressar a essa matéria era pura perda de tempo, mas com Biden ao leme e até agora sem grandes patadas na poça há condições para se repensar de novo o multilateralismo e rever o papel de instituições internacionais como o Banco Mundial, o FMI e todas as organizações ligadas às Nações Unidas. É óbvio que não temos um Keynes para pensar um novo Bretton Woods mas há que jogar com os recursos que temos e recuperar para a “policy” muita gente que anda por aí a brincar aos parâmetros e aos modelos.

O trilema de Rodrik é hoje atravessado por uma clivagem bem mais compreensível ditada pela pandemia: se queremos recuperar parte da globalização, reparada e adaptada a estes tempos então temos de aumentar a cobertura da vacinação a nível mundial. Até porque me inclino para pensar que a vacinação mundial não vai estar resolvida até que expire o poder protetor das vacinas agora ministradas, suponhamos que cerca de um ano acreditando nas revelações científicas dos últimos dias. E se não estiver poderemos voltar ao princípio.

Nos meus tempos universitários da economia do desenvolvimento, o tema da Nova Ordem Económica Internacional tanto foi badalado que o sino se gastou e o tema perdeu força. Mas está de novo na ordem do dia, talvez de modo mais abrangente – Por uma Nova Ordem Internacional. Olho para as estantes quase a ficarem todas registadas em ACCESS e verifico que há por aqui boas leituras que têm de ser recuperadas.

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