(Pois já sabem que isto é recorrente. De quando em vez apetece-me lucubrar sobre o mundo do futebol. Neste caso há uma explicação. Não só a desapaixonada revisão do Porto-Braga da Taça pelo meu colega de blogue me despertou a vontade, também eu fiquei petrificado pelos 25 minutos iniciais dos bracarenses, como principalmente a indigência das prestações do meu SLB me obriga a ir em busca de outros pontos de reflexão, caso contrário acabo no título do meu colega de blogue, até ao ano. Hoje escolhi o tema treinadores, pois o momento atual é particularmente rico nessa matéria.
Já não me recordo se li ou ouvi um pensamento de um dos grandes metodólogos e filósofos do desporto, o Professor Manuel Sérgio, que não sei se os portugueses conhecem melhor das crónicas da Bola ou se da sua incursão pela política de um partido ligado à causa dos reformados.
Dizia ou escrevia o Manuel Sérgio que os grandes treinadores não são apenas treinadores de bola e de jogadores. São e devem ser também treinadores de direções e Presidentes, de bancada e dos espectadores e adeptos, da comunicação social, das organizações técnicas, de recursos humanos e outras coisas que mais. Nunca me esqueci deste pensamento e aplico-o por norma à apreciação o mais objetiva possível das equipas e dos seus orientadores. Também não me esqueço dos treinadores que tive na minha vida desportiva de voleibolista, Professor Luís Falcão de viva memória no CDUP e de Nuno Barros (SLB) e de Manuel Puga (FCP) quando tive a experiência de jogar a antiga taça Latina em Madrid pela seleção nacional de Esperanças (eu, caso típico de uma esperança que nunca chegou a ser uma certeza). E também me lembro, já no ocaso da minha vida desportiva, num clube da periferia da Área Metropolitana do Porto, que as orientações nos time outs eram qualquer do coisa do tipo “passeiem a vossa categoria e vai correr tudo bem”.
O panorama dos treinadores de futebol da Liga Portuguesa é hoje muito rico, nele emergindo uma família de treinadores que se fizeram a pulso a partir de uma experiência vivida e fortemente prática, regra geral com experiências não direi frustradas como jogadores, mas de carreiras médias que não significam de modo algum ausência de capacidade de aprendizagem do jogo e dos seus mistérios. É o caso mais recente de Pepa hoje no Paços de Ferreira com uma época surpreendente e dos casos mais maduros de Jorge Jesus, Sérgio Conceição e do agora estrelado Ruben Amorim.
É sobretudo no confronto entre estas três últimas personalidades que me proponho algumas reflexões. Bem sei que a comparação descontextualizada dos plantéis, das organizações em que se inserem, do mistério insondável de explicar porque é que umas vezes o coletivo funciona e a bola entra e outras parece uma engrenagem sem sentido e com distorção da baliza é tarefa vã e sem sentido. Acho que objetivamente ninguém consegue explicar porque é que o Liverpool de Klopp se arrasta pela Liga Inglesa, embora possa dizer-se que uma defesa dizimada como a do Liverpool é bem mais importante do que a manutenção de um tridente atacante de elevado nível. Mas em que é a fantástica prestação do ano passado e a má prestação deste ano nos ajuda a perceber a qualidade do excêntrico Klopp, que hoje em dia parece mais feliz a demonstrar as virtualidades do último Open elétrico do que a dirigir o Liverpool?
Entre Jorge Jesus e Sérgio Conceição há uma consanguinidade de emoções e temperamento aplicadas à direção de uma equipa. Aparentemente, não são treinadores com uma super-capacidade analítica de ler o jogo e o adversário na sua preparação e no seu pleno desenvolvimento. Do ponto de vista comparativo, Jesus parece mais bloqueado no desenvolvimento do seu modelo de jogo do que Conceição. Tenho para mim que a experiência do Flamengo não foi favorável a esse desenvolvimento, antes um retrocesso. Não hesito em dizer que a evolução do jogo em Portugal foi bem mais viva e saliente do que no Brasil. Por isso, considero que o feito de Jesus no Brasil atrasou paradoxalmente o seu desenvolvimento como treinador e o êxito relativo de Abel Ferreira no Palmeiras está aí para o confirmar. Do ponto de vista do rácio “resultados/valor do plantel” Conceição bate Jesus em toda a linha, pelo menos se projetarmos para o futuro os resultados de hoje e ainda tenho a esperança de que a Vecchia Signora esteja mesmo velha a cair e que o FCP despache a Juventus. O problema de Jesus foi a errada perceção do arranque de uma época e o de Conceição são os súbitos apagões que a equipa atravessa como o da primeira meia hora do logo com o Braga. Por último, tenho dúvidas de que o modelo emocional de Jesus e Conceição seja o mais adequado para tirar partido da capacidade de formação dos clubes em que trabalham. Falta-lhes paciência para o gerir e no caso de Jesus isso começa a ser gritante.
Regressando ao critério do treinador global de que falava ou escrevia Manuel Sérgio, é por aí que Ruben Amorim começa a fazer a diferença. Se eu considerava antes que Varandas era um peixe a nadar em seco como Presidente e homem do futebol, o seu compromisso com Amorim é de se lhe tirar o chapéu. A combinação de experiência com juventude de formação, a concentração no jogo, a forma como o dirige e lê frequentemente naquela posição de cócoras, a gestão comunicacional e das expectativas, a forma como recuperou jogadores já provavelmente a pensar numa saída honrosa da profissão (Adam, Coates) fazem de Ruben Amorim a grande surpresa da temporada. Creio que seria de grande alcance compreender a trajetória de formação de competências como treinador a partir da sua própria experiência do jogo como profissional, alimentando a tese de que em Portugal está a formar-se uma Escola de Treinadores de elevado nível, que não tem organização de clubes à sua altura.
Carlos Carvalhal fica para outra altura. Intuo que Carvalhal exemplifica bem que é melhor aprender em Inglaterra do que no Brasil, Nuno Espírito Santo e os jogadores portugueses que aí jogam o digam.
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