(A terrível perceção de que vacinar não é para todos colocou de novo no topo do debate a desigualdade mundial entre os mais pobres e os mais ricos. Porém, o tema da desigualdade tem sempre dois olhares possíveis. A perspetiva impiedosa de que em cada momento o gap entre os mais pobres e os mais ricos é enorme apesar do potencial de disseminação do progresso tecnológico. A perspetiva ora mais esperançosa, ora mais pessimista, de saber como é que está a evoluir no tempo essa mesma desigualdade. Há informação e investigação empírica novas que talvez possam anunciar um outro tempo.
Num artigo de opinião com honra de primeira página na edição internacional de fim de semana do New York Times, pode ler-se pela pena de Spencer Bokat-Lindell (editor do jornal) o seguinte:
“Três longos e intermináveis meses passados e o processo de vacinação nos EUA está feliz e finalmente a correr bem. Mas no mundo não é isso que se passa: por cada 100 pessoas no planeta, apenas cinco receberam a primeira dose. Os modelos estimam que não haverá doses suficientes para a população mundial até 2023 ou 2024 e que as doses foram capturadas pelos países mais ricos no mundo, criando o que um funcionário superior das Nações Unidas designava por “um apartheid global em matéria de vacinas”.
O processo de vacinação como que nos devolveu a realidade nua e crua dos gaps de desenvolvimento a nível mundial, numa época de elevado potencial de disseminação de progresso técnico e que uma cada vez mais generalizada incidência espacial pelo mundo do crescimento económico ainda não conseguiu apagar.
É a imagem estática da desigualdade, o gap visto momento a momento. Mas o mundo não está parado, nem os mais ricos, nem os mais pobres estão parados no tempo. É por isso que, entre os economistas do crescimento e do desenvolvimento em que este vosso amigo sempre navegou e continua a navegar, o tema da convergência/divergência faz parte dos alicerces da disciplina. Sem vos querer maçar para além do minimamente necessário para situar o tema do post de hoje, os economistas costumam trabalhar com vários concentos de conceitos de convergência/divergência. Vou-me concentrar essencialmente em dois, um que não tem sofisticação alguma e outra que a tem e que, por isso, vou apresentar muito simplificadamente.
O conceito mais simples é o da chamada convergência absoluta. É o único que não exige elaboração econométrica, a não ser uma regressão linear simples. Trata-se de comparar ritmos de crescimento económico médio anual para um dado período. Se os mais pobres crescerem mais em média do que os mais ricos diremos que estão a convergir. Se, pelo contrário, estiverem a crescer menos diremos que estão a divergir.
O outro conceito de convergência, de maior elaboração e por isso requerente de elaboração econométrica (embora rudimentar e de formação básica) designa-se por convergência condicional ou condicionada. O princípio é simples. Os países mais pobres não podem estruturalmente aspirar a médio prazo aos mesmos ritmos de crescimento: Há fatores como as qualificações, a organização institucional, a capacidade de gestão, etc. que condicionam os ritmos de crescimento dos mais pobres. A convergência condicional compara taxas de crescimento dos mais pobres e dos mais ricos controlando (ou seja expurgando) pelos efeitos exercidos pelas tais variáveis estruturais que penalizam o crescimento dos primeiros. Controlando por tais efeitos, se os mais pobres crescerem mais do que os mais ricos estarão a convergir condicionalmente e a divergir no caso contrário.
Vou deixar para o debate de especialistas a convergência condicional e concentrar-me na convergência absoluta.
Até há bem pouco tempo, apesar das esperanças trazidas pela globalização retirando da pobreza em alguns países uma grande massa de população, o mundo não convergia. Em média os mais ricos tendiam a crescer mais do que os mais pobres. É o que pode ser observado no gráfico da esquerda na figura que abre este post. Entre 1960 e 2000, os países que tinham em média em 1960 um rendimento per capita mais elevado tenderam a crescer mais do que naquele mesmo ano tinham um menor rendimento. Os resultados da convergência condicional eram mais matizados, mas em termos de convergência absoluta a globalização dos anos 80 e 90 não conseguiu alterar este panorama.
Numa investigação recente publicada pelo Center for Global Development (fevereiro de 2021), talvez hoje o mais importante think-tank na área do desenvolvimento, localizado em Washington D.C., até há pouco liderado pela economista Heather Boushey, hoje na equipa económica de Biden (um bom sinal), os economistas Dev Patel, Justin Sandefur e Arvind Subramanian apresentam resultados que apontam para a inversão daquele panorama. Em média, num período que não se sobrepõe ao primeiro, entre 2000 e 2019, os mais pobres em 2000 tenderam a crescer mais do que os mais ricos. Daí a provocação do nome do artigo: “The New Era of Unconditional Convergence” (https://www.cgdev.org/publication/new-era-unconditional-convergence).
Trata-se de uma evidência empírica que vai suscitar um intenso e rico debate, não só esmiuçando os resultados do artigo, mas principalmente discutindo os fatores que terão predominando entre 1960 e 2000 e os agora na base da inversão de comportamento de convergência/divergência. Há matérias adicionais a contemplar, por exemplo a da velocidade a que se divergiu entre 1960 e 2000 e a que se terá convergido nos últimos 20 anos, mesmo assim um período que é uma metade do anterior.
Os dados trazem esperança, mas não deixam de ser paradoxais face ao tema do artigo de opinião do New York Times.
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