terça-feira, 2 de março de 2021

A PARADA

 

(Arranjo gráfico da The Atlantic)

(A desigualdade em geral e em termos de distribuição do rendimento é um dos temas que sigo regularmente em termos de pesquisa, pois representa talvez o maior desafio das sociedades contemporâneas, com reflexos pesados na teoria e política económica e nos modelos de crescimento/desenvolvimento, substancialmente agravado pela pandemia. Numa das últimas incursões pelo tema, em busca de novos dados e novas narrativas, dei comigo a regressar a um diagrama que fez as minhas delícias nos anos 70, ainda em trabalho de licenciatura.

A obra “Income Distribution: facts, theories and policies” publicada pela Penguin em 1971, tradução inglesa do original em holandês de Jan Pen, era na altura uma das raras incursões da teoria económica pelo tema da distribuição do rendimento e pelas diferentes dimensões e medidas da desigualdade económica. Jan Pen era também na altura o autor do manual de macroeconomia de praticamente todas as Escolas de Economia dos Países Baixos, “Moderne Economie” de 1958, obra que creio nunca ter sido publicada em inglês e por isso condenada a uma circulação restrita ao país das tulipas e outros países de proximidade. O incontornável Journal of Economic Literature de 1972 (mais propriamente o volume 10, nº 2 do mês de junho) dedicou-lhe uma revisão crítica, juntamente com o Income Distribution Theory. de Martin Bronfenbrenner, assinada por C.E. Ferguson e Edward Nell (link aqui). A importância do contributo de Pen é também ilustrada pela sua integração na coletânea de 1973 também da Penguin, assinada pelo saudoso Professor A.B. Atkinson e que é mais fácil de obter do que o original de Pen.

Numa Faculdade em que a formação em teoria económica era não apenas conservadora mas pouco mais do que intelectualmente indigente, a gente mais propensa à economia do que à gestão (a moda dos cursos abrangentes) procurava, embora não estimulados a essa busca, outras referências que permitissem respirar ar mais saudável culturalmente falando. O tema da distribuição do rendimento e da desigualdade preenchia esse critério e lembro-me ainda do impacto que me causou essa obra.

Mas não é para dar conta do meu saudosismo amargo em termos de formação de teoria económica (eu que não sou nada amargo na vida) que invoco Jan Pen. O meu ponto para hoje é simplesmente trazer para este espaço a espantosa representação, em termos de intuição e comunicação, para que a metáfora e imagem da Parada nos transportam.

O exemplo que a Parada representa é o do Reino Unido. O eixo dos xx representa os indivíduos ou famílias dos mais pobres aos mais ricos, com o seu nível de rendimento a ser representado no eixo dos yy, numa escala em que a altura de cada um é proporcional ao rendimento. O que vos posso dizer é que a Parada de hoje seria bem mais sinistra do que a que Pen nos ofereceu.

A metáfora da Parada sugere uma interpretação dinâmica de algo que é fundamentalmente estático, já que os números respeitam a um momento do tempo. Imaginemos então que a Parada tem a duração de uma hora e que os participantes entram no desfile em função do seu rendimento. Um título alternativo para o capítulo da obra de Pen é “Uma Parada de anões e alguns gigantes”. O que é espantoso é que seria expectável que com cerca de meia hora de desfile começassem a aparecer figuras com altura média, representando empiricamente a ideia de classe média. Mas não. Só nos últimos seis minutos começam a surgir alturas que se vejam, com a entrada dos 10% mais ricos. E o último participante só deixa antever o seu tacão, tamanha é a sua altura. Na altura o último a desfilar era John Paul Getty herdeiro da fortuna petrolífera daquela família.

A Parada de Jan Pen tem uma força metafórica e simbólica que nos arrasa, ainda hoje, e por maioria de razão pois a desigualdade entretanto intensificou-se e a pandemia encarregou-se de matar à nascença algumas boas notícias que começavam a observar-se em alguns países.

E o que é interessante é que a metáfora pode também ser aplicada à desigualdade mundial, onde teríamos a novidade de a meio da parada a classe média mundial (essencialmente asiática) poder aparecer a desfilar garbosamente com os frutos da globalização.

A metáfora tem 50 anos e fez parte da minha formação económica  out of the box.

Correção (realizada em 05.03.2021)

Referi erradamente que não existiria uma versão traduzida do Modern Economie de Jan Pen.

Enganei-me e nas estantes de Seixas encontrei uma tradução em português, de 1966, da Publicações Dom Quixote, realizada por Inês Brandão da versão em inglês. Errei por isso duas vezes: não só existia uma versão inglesa que curiosamente não se encontra no Google como também existe uma tradução portuguesa, velhinha como está a capa deste meu exemplar.

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