domingo, 7 de março de 2021

MACROECONOMIA COVID

 


(Se a pandemia interpela relações complexas entre crise sanitária, económica e social seria de esperar que a macroeconomia COVID emergisse em força. Várias propostas interpretativas têm surgido, mas trago hoje aqui uma que faz apelo à distinção que um qualquer manual de macroeconomia de última geração estabelece entre macroeconomia de curto e de longo prazo. É o caso de Charles I. Jones, um economista americano conhecido sobretudo pelo seu trabalho no domínio do crescimento económico, realizado a partir e conjuntamente com os avanços proporcionados pelo nosso conhecido e tantas vezes aqui mencionado Paul Romer.

A proposta interpretativa de Jones (link aqui) constitui um suplemento ao seu manual de macroeconomia e parte curiosamente de uma evidência empírica que não é totalmente intuitiva.

O gráfico que abre este post de autoria do economista americano de Stanford relaciona (no eixo dos YY) a perda acumulada de produto gerada globalmente pela pandemia seja pelos seus efeitos sobre a força de trabalho seja pela quebra de atividade que implica, sobretudo em períodos de confinamento sanitário com (eixos dos XX) as mortes por COVID por milhão de habitantes. Em média, a perda de produto acompanha o número de mortes acumuladas, sendo visível que o elevado desempenho de algumas economias, as conhecidas destes tempos (Coreia do Sul, Nova Zelândia, Finlândia, Noruega entre outras) acontece em ambas as variáveis, ao passo que o mau desempenho se materializa também em maus resultados de ambos os indicadores. Portugal surge próximo da Itália, mais próximo do mau do que do bom desempenho. Os números sugerem que os países que confinaram forte e rapidamente tiveram melhores resultados em ambas as variáveis, sendo a posição de Portugal claramente marcada pelas hesitações, hoje superadas, no controlo da terceira vaga.

A macroeconomia de Jones é muito simples. Desdobra-se por dois efeitos. Por um lado, um choque de procura (essencialmente de curto prazo), que pode ser equiparado por exemplo a um imposto elevado sobre o consumo, restando saber se um choque muito forte e prolongado de procura pode ou não ter efeitos a longo prazo. A crise da Grande Recessão de 2008 disse-nos que sim, que tal poderia acontecer. Por outro lado, um choque de oferta que atinge o produto potencial da economia, que Jones equipara a um imposto sobre o trabalho: a probabilidade de ser contagiado trabalhando aumenta o risco de perda de emprego e consequentemente de produto na economia embora gerando também queda da procura de bens e serviços na economia. 

Ao nível de cada país, Jones propõe duas linhas de declive oposto, que constam do gráfico acima. A linha descendente foca-se no conflito fechar ou manter a economia aberta e a linha ascendente organiza-se em torno da relação má política (má sorte) – boa política (boa sorte).

Se os tempos fossem outros divertia-me com os meus alunos a praticar a discussão nas aulas de macroeconomia, exercitando-lhes a mente no manejo crítico das ferramentas dos manuais. Esse tempo já passou, pelo que fica apenas a curiosidade de sabermos que existe uma macroeconomia do COVID-19, que merece ser criticada como uma ferramenta de análise e não ser petrificada como uma ortodoxia rígida e inflexível.

Nota complementar:

Os mais interessados podem encontrar um artigo complementar no Brookings Papers, em que Jones escreve com o economista espanhol, Jesús Fernández Villaverde (link aqui).

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