sexta-feira, 31 de julho de 2020

JULHO 2020 FOI O MÊS... (II)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

O mês também de uma bazuca algo inesperada e com gavetas teóricas para quase todos os gostos. Ainda assim, conseguido o envelope potencial, há tanto para estruturar e organizar que não entendo como possam ser dados por adquiridos os números de que para aí tanto se fala numa manifestação de triunfalismo e novo-riquismo – porque os dinheiros europeus não são mesmo, como tenho vindo a sublinhar, um “direito de cidadania” – que nos poderá acabar por sair cara.

Do meu ponto de vista, o aproveitamento recuperador e transformador das verbas em causa será uma tarefa hercúlea para a qual toda a sociedade portuguesa tem de ser necessariamente convocada de modo inteligente e mobilizador e relativamente à qual se tem de reclamar e exigir que toda a nossa classe política mude de chip (sobretudo aquela que detém responsabilidades governativas) e que toda a nossa Administração seja tratada de modo a viabilizar uma maximização focada do rendimento que ainda esteja ao seu alcance (sem prejuízo da importância decisiva de se trabalhar complementarmente a sua eficiência e as suas competências com vista ao futuro seguinte). 

Fica o aviso, portanto. Porque o que se vai vendo como dominante são proclamações em torno do infindável dinheiro que vamos receber e da quota parte do mesmo que vai poder ficar ao alcance e caber a cada qual, maxime das ideias e planos gerais em torno dos quais vamos começar a “gastar”. Sendo que, do meu ponto de vista, o que deveria estar em jogo seria a discussão das grandes opções que se nos apresentam e que equaciono da seguinte forma a Norte: preterir uma via fácil que se traduza numa aposta iminentemente infraestrutural (assente na grande obra pública e na sua inevitável concentração nos grandes centros e eixos urbano) em favor de um caminho que se traduza numa aposta na dimensão empresarial (“reindustrialização”), largamente assente numa estratégia “fina” de crescimento e reestruturação empresarial em torno de novos instrumentos de capitalização e num esforço de participação na recomposição das cadeias de valor à escala internacional, contando com um foco sem tréguas nas qualificações e no reforço do sistema regional de inovação, complementada por uma nova geração de estratégias de valorização económica de recursos endógenos (incluindo uma nova centralidade do turismo e da agricultura) e de políticas sociais (incluindo a componente dos emergentes desafios urbanos) e, ainda, por uma espécie de “fontismo” inteligente, programado e territorialmente equilibrado (equipamentos de saúde, sociais, escolares, ambientais, culturais, etc.). Matéria(s) para novas e mais pormenorizadas incursões se se vier a justificar.

JULHO 2020 FOI O MÊS... (I)

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

O mês em que a orquestra europeia voltou a tocar desencontradamente até que um dia, quase miraculosamente (e mesmo que com muita insistência e trabalho de parte de alguns), um tom aparentemente afinado foi descoberto. O que quer que venha a ser o futuro, este mês já ficará a constar para sempre da história moderna europeia, assim como do imprevisível testamento político vital da Senhora Merkel. As incidências e alguns medos decorrentes do Covid-19 também terão ajudado a encontrar o tom, mais grants menos loans a que se tenha chegado na negociação final e, por muito que o caminho pareça aplainado, que ele não possa ainda vir a ser cravado de dificuldades ou até revertido. 

(Patrick Lamassoure, Monsieur Kakhttp://www.lopinion.fr)

(Niels Bo Bojesen, https://www.cartoonmovement.com)

(Emanuele Del Rosso, http://www.cartoonmovement.com)

quinta-feira, 30 de julho de 2020

TRÊS EM UM


Passagem por Foz-Côa para assistir a uma cerimónia justa de homenagem a António Guterres (AG) pela histórica decisão do seu governo de há um quarto de século de parar a construção de uma barragem para salvar gravuras paleolíticas em risco. Um momento importante que também ajudou a marcar o fim do cavaquismo e o início de uma nova fase de maior respiração na política nacional.

Foi um AG em excelente forma – quer no plano físico (mais magro até, as brancas são apenas a força do tempo) quer no plano do verbo desenvolto e apropriado (da utilização da identidade como pretexto para divisões e discriminações à ciência e à cultura como fatores estruturantes essenciais ao desenvolvimento e à coesão) – que agradeceu a atribuição do seu nome ao auditório do belíssimo Museu do Côa; e ainda foi a tempo de denunciar o “vacino-nacionalismo” que assalta o mundo.

Outras menções justas são devidas ao diretor do Museu (Bruno Navarro), também pelos 10 anos da Instituição, e ao focado presidente da Câmara Municipal (Gustavo Duarte), para além das associadas aos bons discursos de Ana Abrunhosa e Manuel Heitor (este também a propósito dos 25 anos do Ministério da Ciência). Um aceno de simpatia, também, para Artur Santos Silva e o seu “Promove” no âmbito da “Fundação La Caixa”. Falou-se pouco, demasiado pouco, de José Mariano Gago e não se deu qualquer nota do papel desempenhado por Fernanda Rollo (com a ajuda de Helena Freitas) no tocante à reabilitação da situação financeira do Museu através de uma intervenção azada e muito inteligente da área da Ciência (área governativa em que Fernanda Rollo era então Secretária de Estado de Manuel Heitor).

No demais, uma conversa interessantíssima com os jovens familiares de AG ao almoço, percebendo o mundo que já possuem e a genuína vontade com que olham para o que os rodeia e para muito do que vai fazendo a diferença interna e externa neste nosso “jardim à beira-mar”.

VACINO-NACIONALISMO


(A expressão é de António Guterres na qualidade de Secretário Geral das Nações Unidas e assenta como uma luva na pérfida situação mundial que vivemos. A procura de bens públicos à escala mundial corresponde ao que racionalmente se entenderia ser a abordagem certa para os desafios de hoje de que a pandemia é a melhor ilustração. Mas há muito que a racionalidade se escapuliu para parte incerta.

António Guterres talvez não tenha antecipado os trabalhos que iria enfrentar na sua experiência de Secretário Geral das Nações Unidas. Talvez a sua intuição e a sua cultura histórica e política lhe tenham soprado alguma informação sobre os ventos e mares agitados que se adivinhavam. Mas também estou seguro que o seu espírito abnegado de missão, moldado na sua formação católica, lhe terá também segredado que se impunha o sacrifício.

A avaliação do seu trabalho à frente das Nações Unidas está ainda por fazer na extensão total das suas dimensões, do mexer na inércia da casa até aos assuntos mais delicados da sempre instável situação internacional, conflitos potencialmente explosivos à trágica dimensão que o assunto refugiados assumiu no mundo de hoje, com a maior parte dos países a assobiar para o lado.

A sua expressão de hoje, o vacino-nacionalismo é exemplar como expressão comunicacional da tragédia de adulteração dos chamados comuns. Uma pandemia é por definição um problema e uma tragédia global, com sinuosidades na sua expansão pelo mundo em função do grau de abertura dos países e sobretudo da chamada globalização das pessoas. Como problema global e embora se admitam as particularidades da sua manifestação pelo mundo é daquelas situações que convida à racionalidade da procura de uma solução global. E embora há dias o sempre lúcido Professor Henrique Barros, Diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, nos tenha recordado que não será por acaso que há cerca de 60 anos se procura em vão uma vacina para os corona vírus, só a descoberta e produção em escala mundial de uma vacina para o Covid-19 nos poderá tranquilizar.

O vacino-nacionalismo tem várias expressões. A tosca, despudorada e “cow-boyesca” tentativa primeira de Trump de assegurar uma oferta exclusiva de uma possível vacina não nos pode fazer esquecer que se assiste neste momento a uma desesperada tentativa dos países de assegurar, individual e o mais apressadamente possível maneira de sossegar por antecipação as suas populações. Não será também por acaso que os intentos mais conhecidos respeitam a populistas que tiveram erros crassos de cálculo e de posicionamento e que pretendem, por essa via, salvar o seu coiro político (Trump, Boros Johnson e Bolsonaro). Mas estou convencido que outros movimentos, bem mais discretos do que estes personagens, estarão neste momento a processar-se.

Dir-me-ão alguns que este vacino-nacionalismo é claramente potenciado pelas dimensões gigantescas que a investigação científica privada assumiu, passível de todas as derivas de mercado (quem der mais ...). Não estou convencido que assim seja e até provavelmente, se aprofundarmos o conhecimento das condições concretas dos projetos de investigação e de descoberta de uma vacina para o COVID-19, iríamos possivelmente encontrar parcerias entre empresas privadas e agências públicas. O problema é, em meu entender, outro. A disponibilização de bens públicos à escala mundial depende antes das condições de governação a essa escala e essas andam pelas ruas da amargura por muito que custe ao próprio António Guterres.

O mundo foi capaz em torno dos vencedores da 2ª Guerra Mundial (pese embora os trágicos sacrifícios associados) de construir a arquitetura dessa governação, com o desenvolvimento económico a dominar os esforços. Essa arquitetura ruiu e está sem referenciais para uma reedição. Os vencedores e vencidos são de outra natureza e o populismo nacionalista feroz mina as bases de qualquer veleidade nesse sentido. Oxalá a União Europeia não se deixe levar pela onda e resista ela própria encontrando formas de conceber uma espécie de bem público à escala europeia.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

COISAS PRESENTES NESTES DIAS

(Felipe Hernández, “Caín”, http://www.larazon.es)

Agitação imensa à minha volta nestes dias de contagem decrescente para a cíclica paragem retemperadora e reabastecedora que sempre marca esta época do ano para uma larga maioria de nós. Mas o agosto que aí vem será desta vez especial a vários títulos, uns muito íntimos e que guardarei para mim próprio (pelo menos para já), outros associados à onda de calor que nos envolve e fortemente confunde no contexto desta estranha pandemia e outros ainda decorrentes do período de fundamental risco e incerteza que se vive num mundo à deriva e quotidianamente atarantado pelas tropelias do mais perigoso dos seus cidadãos. De notar que este post não resulta só de estarmos em plena silly season...

(Malagón, http://elpais.com)

(Bruno Aziz, http://atarde.uol.com.br)

(Bernardo Erlich, http://www.clarin.com)

terça-feira, 28 de julho de 2020

JÁ OU AINDA SÓ UM ANO?

(Chris Riddell, http://www.guardian.co.uk)

Venho de raspão ao contacto apenas para registar um ano de Boris. Um ano que correu célere ou que andou devagar, consoante as perspetivas, mas um ano pleno de incidentes graves e bem demonstrativos do grau de impreparação para a função do atual ocupante de Downing Street. Ademais, e acerca de um Reino Unido hoje irreconhecível já ninguém ousa vaticínios minimamente seguros, sendo muitos os que se debatem entre considerar que o pior que virá a resultar decorre das consequências do vírus ou dos efeitos virais do seu antecessor Brexit. No meio da completa desorientação que reina nas Ilhas, ainda sobra espaço para complicar viagens de e para a Península Ibérica...

(Patrick Blower, http://www.telegraph.co.uk)

(José Maria Pérez González – “Peridis”, http://elpais.com)

ACELERAÇÃO



(Desde há pelo menos três anos somos bombardeados pelo tema da transformação digital. Tal como noutras “revoluções” tecnológicas as trajetórias de desenvolvimento tecnológico nem sempre são rápidas, algumas das quais necessitando de longos períodos de maturação. Essa longa maturação suscita frequentemente dúvidas sobre a real valia das transformações anunciadas.

Dirá o senso comum que se a transformação demora tanto tempo a maturar alguma razão haverá para esse lento despertar, talvez a não valia intrínseca do que se anuncia como transformador. E não apenas o senso comum. Tenho por detrás das costas, na minha estante, várias obras que avançam com suspeição relativamente fundada sobre o potencial de crescimento da transformação digital quando comparada com outras épocas de progresso tecnológico e crescimento económico. Mas, por vezes, a “história” acelera e também nem sempre por razões de proximidade à tecnologia.

O gráfico elaborado pela equipa da McKinsey e que abre este post é revelador de uma dessas acelerações citadas na introdução. Ele reporta à economia americana e por isso estará eventualmente à frente relativamente a outras acelerações similares ocorridas pelo mundo desenvolvido. Mas estou seguro que encontraremos fenómenos da mesma magnitude noutros países e inclusivamente em Portugal.

As plataformas de comércio/negócio eletrónico foram-nos sempre apresentadas como uma das transformações mais relevantes que a mudança digital poderia gerar nos modelos de negócio empresarial. Mas o que releva é que, por força imperiosa da pandemia, em três meses se assistiu a uma progressão equivalente à registada nos dez anos anteriores. É, de facto, uma aceleração prodigiosa e obviamente que nos interrogamos se se trata de um choque induzido por uma força exógena que tenderá a esbater os seus efeitos ou se, pelo contrário, os três meses do gráfico anunciam um outro paradigma irreversível e que transformará transversalmente e de vez os modelos de negócio empresariais.

A indeterminação estrutural que a pandemia instalou não permite uma resposta sem riscos a essa interrogação, mas parece crível que o crescimento da digitalização nos modelos de negócio partirá de um outro patamar. Ora, olhando para o passado, compreende-se que esse salto disruptivo entre os dois patamares só poderia ser introduzido por um fator exógeno desta envergadura.

Mas, neste caso, o salto disruptivo acontece numa transformação que estava desenhada há já algum tempo. Vale a pena interrogar se não estarão ocultas aos nossos olhos outras transformações disruptivas suscitadas pelo mesmo processo pandémico. Será que, por exemplo, as tendências de procura turística não vão experienciar o embate de transformações disruptivas profundas, gerando novos patamares para baixo (por exemplo, o turismo de massa), mas também para cima (por exemplo o turismo natureza e de maior fruição do território), acelerando também mudanças que eram mais desejos do que efetivas disrupções? E o universo das relações casa-trabalho não poderá também evoluir segundo padrões disruptivos?

Para um país como Portugal que tem evoluído essencialmente segundo padrões de inovação incremental, o que representará para nós este tipo de disrupções? Uma ameaça ou uma oportunidade de conseguirmos também evoluir a partir de outros patamares?

segunda-feira, 27 de julho de 2020

E AÍ VAMOS DE NOVO?



(Esperava não voltar a escrever tão cedo sobre a pandemia, a não ser sobre o que ela pode representar do ponto de vista das macrotendências de indeterminação do nosso futuro. Mas a confirmação de alguns aspetos evolutivos que eu próprio tinha antecipado no quadro de uma situação mundial que a cada momento se agrava justifica o regresso à vil matéria.

O mapa que descreve a dinâmica de novos surtos em Espanha (que agora vê também comprometida a ilusão dos corredores aéreos com os ingleses) terá constituído o motivo próximo desta crónica. Mas a razão mais profunda deriva de um aspeto que, por repetidas vezes, sublinhei em crónicas anteriores. Uma pandemia como a que vivemos tem necessariamente um comportamento evolutivo que não é sincrónico. Ou seja, como se trata de algo que acaba por percorrer praticamente todos os países do mundo e como os níveis de interação entre os países acontecem em momentos e com intensidades diferentes, a intensidade de disseminação da pandemia vai ela própria variando geograficamente. O que significa que, para níveis ainda que moderados de fluxos de pessoas entre países e entre continentes, que o diga a situação do transporte aéreo, praticamente nenhum país está a salvo de qualquer eventualidade de reinício de contágios com maior celeridade.

A hipótese de contágio por via de casos importados tende, assim, a coexistir com surtos internos ainda não totalmente debelados gerados por imprevidências e quebras de segurança ou, nos casos mais problemáticos, por uma ainda insuficiente deteção de assintomáticos com capacidade de disseminação viral.

A situação global em Portugal corresponde à que tinha projetado, traduzida pela oscilação de taxas de crescimento de novos casos confirmados entre 0,5 e 1%, pontualmente contrariado por taxas de crescimento superiores a 1 e inferiores a 0,5%. O que não tinha antecipado era a situação de algum descontrolo que chegou a verificar-se na grande aglomeração de Lisboa, corrigido depois com reforço consideráveis de meios de intervenção, com prolongamento em muito menor escala pelo Oeste e pelo Médio Tejo, em linha com os fluxos conhecidos de interconexão com a aglomeração metropolitana.

Muito provavelmente será este padrão evolutivo que chegará até à reabertura das escolas (o primeiro grande embate que teremos nesta matéria e que exigirá de professores e das famílias com jovens em idade escolar uma prova significativa de organização e segurança) e depois ao início do outono-inverno com todas as consequências antecipáveis e que só uma vacinação em massa e atempada contra a gripe sazonal poderá minimizar.

Aparentemente, quase um mês após a reabertura das fronteiras terrestres com a Espanha, não existe evidência de que tal reabertura tenha provocado um número significativo de casos importados. Mas o quadro evolutivo espanhol inspira cuidados (6.361 infetados em três dias). Pelas bandas da Galiza a situação parece estar controlada o que sossega este vosso amigo em passo acelerado para umas férias merecidas e tão descontraídas quanto possível por terras de Seixas e Caminha na confluência do Coura e do Minho.