(Na altura em que escrevo não é ainda claro se a saída
anunciada para a TAP consistirá na nacionalização pura e simples ou se poderá
envolver a compra da percentagem de capital de David Neeleman numa parceria
Estado português – Grupo Barraqueiro que implicaria uma maioria de capital
público. Mas esse não é o meu ponto já que as duas soluções em
cima da mesa, atrapalhadas pela modalidade de transformação do empréstimo da
Azul de Neeleman à TAP, são demasiado próximas. Não estou sinceramente a ver em
que medida, mesmo no caso da segunda hipótese vingar, a gestão poderá deixar de
ser pública. O meu ponto é velho, o da fundamentação do interesse estratégico
da TAP.
Tenho perfeita consciência de que a minha posição não é simpática e alguns
dirão que é mesmo pouco patriótica. Ou seja, trata-se de uma posição dificilmente
assumível por qualquer força política em Portugal, mas isso não implica que
dela prescinda, até porque há uma matéria que me é cara, a das escolhas públicas
e para isso é que há escrutínio e posicionamento políticos.
Tenho o Luís Aguiar – Conraria como um economista honesto, mesmo tendo em
conta a sua euforia (sempre propensa a deslizes circunstanciais) pelo mais
recente protagonismo que tem adquirido na comunicação social. Ora, num tweet de
ontem, LAC apresentava as quotas de mercado da TAP nos aeroportos nacionais:
Aeroportos
nacionais
|
Quota
% da TAP
|
Lisboa
|
52
|
Porto
|
19
|
Faro
|
3
|
Funchal
|
29
|
Ponta Delgada
|
19
|
Fonte: Luís
Aguiar-Conraria . Twitter
|
Bem sei que as quotas de uma companhia de bandeira nos aeroportos nacionais
não são um indicador exaustivo do alcance estratégico nacional dessa companhia.
Em matéria de quotas de mercado teríamos que adicionar alguns aeroportos-alvo e
juntar outro tipo de variáveis.
Mas os dados calculados por LAC são, mesmo assim, deveras impressivos e
significam que a TAP se apresenta sobretudo como uma companhia de bandeira do
cosmopolitismo da capital, o que não chega para a alcandorar ao estatuto de
ativo estratégico indiscutível, isenta da submissão ao tema das escolhas
públicas.
A importância como ativo estratégico da TAP tem sido apresentada como um
daqueles dogmas aparentemente indiscutíveis, assumido essencialmente para
contrariar, inibindo-o, qualquer dedo no ar que coloque em discussão essa
pretensa evidência. Fala-se muito da diáspora portuguesa mas ainda ninguém me
convenceu que essa diáspora não pudesse ser servida por outras modalidades que
não a da figura da companhia de bandeira e já agora gostaria de saber o que
conta essa diáspora no número de passageiros transportados pela TAP.
E há ainda os PALOP, algo que me começa a dar vontade de rir, embora seja
mais de tragédia do que de humor que devíamos falar. Qual é o estado atual das
relações de Portugal com as suas ex-colónias? Uma tragédia e que me perdoe a
nossa esforçada diplomacia. Angola é neste momento uma grande embrulhada para
Portugal, penalizando seriamente ativos nacionais, para além de estar no
coração de alguns desvarios bancários nacionais que nos custaram o impensável.
Quanto a Moçambique, bem pode Marcelo jogar os seus afetos e memórias que a
situação não se altera. Trata-se de um país às voltas com níveis internacionalmente
reconhecidos de corrupção insensível à pobreza do seu povo e com um surto
islâmico em Cabo Delgado devastador da já descontrolada pobreza. A Guiné roça
os limites de um Estado inviável e ainda não consegui perceber o alcance da
diplomacia portuguesa neste campo. Timor já há muito que escapou à diplomacia
dos afetos e o respeito pela presença de Portugal no território já viveu
melhores dias. Quanto a S. Tomé e Príncipe continuamos insensíveis ao seu baixo
nível de desenvolvimento e interrogo-me qual o papel da diplomacia dos PALOP em
mais este problema.Talvez Cabo Verde seja o único fator de esperança.
Perguntar não ofende: para que é necessária uma companhia de bandeira
nestas circunstâncias? Dirão alguns que é preciso uma lógica de serviço público
para assegurar uma presença mínima portuguesa nesses territórios. Certo. Mas para
tal será necessária uma companhia de bandeira?
Ainda e sempre temos aqui uma questão de escolhas públicas e nos tempos que
correm há tantas prioridades que suplantam o putativo interesse estratégico da
TAP.
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