quarta-feira, 1 de julho de 2020

AINDA A TAP



(Na altura em que escrevo não é ainda claro se a saída anunciada para a TAP consistirá na nacionalização pura e simples ou se poderá envolver a compra da percentagem de capital de David Neeleman numa parceria Estado português – Grupo Barraqueiro que implicaria uma maioria de capital público. Mas esse não é o meu ponto já que as duas soluções em cima da mesa, atrapalhadas pela modalidade de transformação do empréstimo da Azul de Neeleman à TAP, são demasiado próximas. Não estou sinceramente a ver em que medida, mesmo no caso da segunda hipótese vingar, a gestão poderá deixar de ser pública. O meu ponto é velho, o da fundamentação do interesse estratégico da TAP.

Tenho perfeita consciência de que a minha posição não é simpática e alguns dirão que é mesmo pouco patriótica. Ou seja, trata-se de uma posição dificilmente assumível por qualquer força política em Portugal, mas isso não implica que dela prescinda, até porque há uma matéria que me é cara, a das escolhas públicas e para isso é que há escrutínio e posicionamento políticos.

Tenho o Luís Aguiar – Conraria como um economista honesto, mesmo tendo em conta a sua euforia (sempre propensa a deslizes circunstanciais) pelo mais recente protagonismo que tem adquirido na comunicação social. Ora, num tweet de ontem, LAC apresentava as quotas de mercado da TAP nos aeroportos nacionais:

Aeroportos nacionais
Quota % da TAP
Lisboa
52
Porto
19
Faro
3
Funchal
29
Ponta Delgada
19
Fonte: Luís Aguiar-Conraria . Twitter

Bem sei que as quotas de uma companhia de bandeira nos aeroportos nacionais não são um indicador exaustivo do alcance estratégico nacional dessa companhia. Em matéria de quotas de mercado teríamos que adicionar alguns aeroportos-alvo e juntar outro tipo de variáveis.

Mas os dados calculados por LAC são, mesmo assim, deveras impressivos e significam que a TAP se apresenta sobretudo como uma companhia de bandeira do cosmopolitismo da capital, o que não chega para a alcandorar ao estatuto de ativo estratégico indiscutível, isenta da submissão ao tema das escolhas públicas.

A importância como ativo estratégico da TAP tem sido apresentada como um daqueles dogmas aparentemente indiscutíveis, assumido essencialmente para contrariar, inibindo-o, qualquer dedo no ar que coloque em discussão essa pretensa evidência. Fala-se muito da diáspora portuguesa mas ainda ninguém me convenceu que essa diáspora não pudesse ser servida por outras modalidades que não a da figura da companhia de bandeira e já agora gostaria de saber o que conta essa diáspora no número de passageiros transportados pela TAP.

E há ainda os PALOP, algo que me começa a dar vontade de rir, embora seja mais de tragédia do que de humor que devíamos falar. Qual é o estado atual das relações de Portugal com as suas ex-colónias? Uma tragédia e que me perdoe a nossa esforçada diplomacia. Angola é neste momento uma grande embrulhada para Portugal, penalizando seriamente ativos nacionais, para além de estar no coração de alguns desvarios bancários nacionais que nos custaram o impensável. Quanto a Moçambique, bem pode Marcelo jogar os seus afetos e memórias que a situação não se altera. Trata-se de um país às voltas com níveis internacionalmente reconhecidos de corrupção insensível à pobreza do seu povo e com um surto islâmico em Cabo Delgado devastador da já descontrolada pobreza. A Guiné roça os limites de um Estado inviável e ainda não consegui perceber o alcance da diplomacia portuguesa neste campo. Timor já há muito que escapou à diplomacia dos afetos e o respeito pela presença de Portugal no território já viveu melhores dias. Quanto a S. Tomé e Príncipe continuamos insensíveis ao seu baixo nível de desenvolvimento e interrogo-me qual o papel da diplomacia dos PALOP em mais este problema.Talvez Cabo Verde seja o único fator de esperança.

Perguntar não ofende: para que é necessária uma companhia de bandeira nestas circunstâncias? Dirão alguns que é preciso uma lógica de serviço público para assegurar uma presença mínima portuguesa nesses territórios. Certo. Mas para tal será necessária uma companhia de bandeira?

Ainda e sempre temos aqui uma questão de escolhas públicas e nos tempos que correm há tantas prioridades que suplantam o putativo interesse estratégico da TAP.

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