(Como é muito frequente cá pelo burgo, há
ideias pressupostamente novas que emergem por aí determinadas quer pela
tecnocracia europeia, quer por modas internas não totalmente independentes da
primeira que revelam entre outras manifestações uma grande ignorância do terreno
e do que efetivamente está em evolução na economia nacional. Esse é o caso mais recente da “reindustrialização”. Deixo alguns pontos de
esclarecimento em torno de algo que, ou muito engano, ou vai ser fator de
muitos equívocos que convém evitar num período de discussão sobre o nosso
futuro coletivo).
O tema da “reindustrialização” apareceu em alguns
documentos de política industrial europeia (ou melhor dos seus sucedâneos mais
ou menos envergonhados) e por cá alguns iluminados como o ex-Ministro Álvaro
Santos Pereira também nos brindaram com o brilho do seu intelecto prospetivo.
O termo “reindustrialização” é, regra geral, colocado em
confronto de um outro, o da “desindustrialização precoce”.
Foquemos alguns elementos de análise que nos permitam
situar o cerne da questão para contrariar os equívocos que por aí abundam.
A mudança estrutural imposta pela evolução do capitalismo
dita, regra geral, com matizes diferenciados de países consoante o seu estádio
de desenvolvimento, a queda tendencial da percentagem de emprego e de produto
da indústria transformadora no emprego e no produto totais. Essa queda tende,
regra geral, a ser mais intensa no emprego do que no produto e designa-se por
desindustrialização relativa ou absoluta consoante as quedas respeitam ao peso
no emprego e produto totais ou quando envolvem diminuições de valores absolutos.
O fenómeno é explicado pelos economistas nas versões menos elaboradas por uma
consequência das alterações de procura geradas pelo enriquecimento per capita
dos países. Os serviços apresentam, regra geral, elasticidades-rendimento da
procura mais elevadas do que as dos produtos manufaturados, pelo que o
enriquecimento das famílias acaba por gerar alterações na estrutura da procura.
Nas versões mais elaboradas, a desindustrialização acontece pela influência
combinada do progresso técnico e do comércio internacional (atividades de offshorização
traduzidas na tendência de deslocalização da produção para países que assegurem,
com a padronização do progresso técnico, relações de qualidade e custo
salariais mais atrativas. O progresso técnico na indústria transformadora é
intenso e, nessas condições, o trabalho potencialmente libertado pelos ganhos
de produtividade só é mantido se os aumentos de procura permitirem aumentos de produção
e conservação do trabalho libertado.
O termo desindustrialização precoce é utilizado para as
situações em que as quebras de emprego e de produto industrial atingem uma intensidade
que não esteja em linha com o estádio de desenvolvimento do país, ou seja que
se verifiquem mesmo antes do nível de rendimento de rendimento per capita provocar
as tais quedas de procura tendencial.
As situações de desindustrialização precoce podem
acontecer por erros de política económica, discriminando por exemplo negativamente
alguns setores da indústria transformadora e não apoiando processos de
modernização atempada desses setores. Podem acontecer também por processos
aventureiros e mal medidos de deslocalização da produção industrial ou ainda
por processos de liberalização mal preparados e não oferecendo à indústria
nacional condições e tempo de adaptação a novas formas de concorrência
internacional.
A economia portuguesa não está imune aos processos de desindustrialização
induzidos pela mudança estrutural que acompanha o desenvolvimento económico.
Mas, apesar das derivas do modelo de reforço dos não transacionáveis que nos
conduziu ao esgotamento do nosso modelo de crescimento e ao ajustamento da
Troika, Portugal não apresenta sinais evidentes de desindustrialização precoce.
Para isso muito contribuiu o reequipamento da indústria nacional proporcionado pela
ajuda do PEDIP (1988) com fundos comunitários e a adoção de novos comportamentos
de internacionalização das empresas portuguesas.
Por isso, quando os iluminados falam de reindustrialização
deverão antes falar de persistência e continuidade do processo de modernização
e inovação na indústria nacional, que com o período de programação 2007-2013 (o
QREN) e o ainda em curso 2014-2020, iniciou um novo ciclo de inovação com um
universo bastante estruturado de instrumentos de políticas de inovação e
internacionalização. E sobretudo com a extensão dessa base empresarial de
inovação e combatendo decisivamente a dualidade de modelos de gestão e
organização que evoluem na indústria nacional, ou seja o desvio entre as
empresas que se desenvolvem no binómio inovação e internacionalização e as que
vão sobrevivendo.
E convém não perder de vista que a tão falada Indústria
4.0 tem muitas das suas dimensões assentes em transformações dos seus modelos
de negócio induzidas pela transformação digital, ou seja, acabam por ser mais
imateriais do que por vezes o termo reindustrialização poderá sugerir.
Em resumo, mais do que uma grande mudança trata-se apenas
de capitalizar o facto de em muitos dos territórios a cultura industrial não se
ter perdido enfrentando novas condições de agressividade na concorrência internacional.
De certo modo, reindustrializar consistirá em manter continuidade e persistência
das políticas de inovação e internacionalização e principalmente sinalizar os
sistemas educativos e de formação dessa orientação.
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