(Como explicar que, face a um acordo que muitos
consideraram como histórico, o meu último post assentasse numa deceção de
grandes proporções e o tivesse escrito com todas as letras e convicção. A razão é simples. Para lá da importância do acordo, o diabo está nos
bastidores e sobretudo na sua evolução).
Explico-me. Não tenho dúvidas de que se trata de um acordo histórico, no
sentido de que vai ficar como um marco da atribulada vida do projeto europeu. Percebi
que o seria, se fosse concretizado, quando a Presidente da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen apresentou a sua proposta que apontava para que, pela primeira
vez, a Comissão Europeia se endividaria enquanto tal nos mercados financeiros para
redistribuir pelos países da União o produto desse empréstimo. Não era a
ansiada mutualização, mas a solução proposta quebrava imensos tabus. Já no
momento dessa apresentação se compreendeu também que iríamos assistir a uma
porfiada barganha do ponto de vista da repartição dos montantes a transferir em
termos de subvenções e empréstimos. Também se percebeu na altura que um outro
problema seria relegado para mais ver, as condições em que o empréstimo da Comissão
Europeia terá de ser pago.
Pelas razões apontadas e pela dramática gestação do acordo, que esteve
algumas vezes ameaçado com a corda das negociações prestes a romper-se, os
observadores que apontam para um acordo histórico têm razão e não tenho dúvidas
de que a história do projeto europeu dedicará a estas longos quatro dias (e
noites) a devida atenção.
Porquê então o meu título de “A União vai Nua”? Não se trata de um
paradoxo? Estamos perante algo de histórico e associo ao momento uma espécie de
perda da virgindade em matéria de expectativas quanto ao projeto e ao jogo
europeu?
É tudo uma questão de bastidores e sobretudo das sombras que pairam sobre
este tipo de negociações para uma decisão final.
Há três questões essenciais, as duas primeiras mais relevantes do que a
terceira, que ensombram irremediavelmente a génese deste acordo e que me faz
pensar na necessidade de aprendermos a definir a nossa alocação de recursos em
função de cenários cada vez menos favoráveis para uma economia de pequena
dimensão, mesmo que com uma longa história, como Portugal.
As três questões a que me refiro são incomparavelmente mais negras do que a
acusação que se tem ouvido nos últimos dias de que a Europa é simplesmente o
mercado interno ou único.
A primeira questão, aliás brilhantemente enunciada num dos artigos que
Teresa de Sousa dedicou ao rescaldo do acordo no Público (sempre com uma outra
elevação e qualidade do que o apresentado pela arraia miúda do jornalismo que
se ocupa em Portugal destas coisas), (link aqui e aqui), está relacionada com os motivos que
subjazem ao comportamento dos chamados frugais. Particularmente os Países
Baixos, já que os restantes socialistas escandinavos, há muito que não têm memória
do socialismo de Olof Palme, estão reféns de situações minoritárias de governo,
reagindo por pura realidade defensiva face aos espirros da extrema-direita ou
da direita anti-europeísta e xenófoba. São uma espécie de PP espanhol reagindo
em função da apropriação de eleitorado que o VOX foi comendo nas bases mais
retrógradas do PP. Todos os passos europeus são medidos em função da
sensibilidade do eleitorado que alimenta o ressurgimento político das forças de
direita. Por isso, a tática da reivindicação dos descontos foi acionada e se
colocou em cima da mesa a possibilidade de pedir explicações sobre o modo como
(obviamente os endividados do sul) os países se afastarem dos planos de
recuperação apresentados em Bruxelas. Estes personagens tipo Rutte vão
compreender demasiado tarde que os eleitorados irão sempre preferir os
originais às cópias, mesmo que rosnem a bom rosnar nas negociações em Bruxelas.
A segunda questão resulta da trágica incapacidade das instituições europeias
não resolverem em sede própria as derivas democráticas da Hungria e Polónia e
outros se seguirão e permitirem que uma negociação deste alcance possa ser
contaminada por esse contágio. Tenho a convicção de que esta questão vai acabar
mal e o motivo é claramente deixar o fogo crepitar sem o esmagar atempadamente.
A terceira questão que ensombra este acordo é o desplante de certos países
quererem assumir o tom intimidatório dos diretórios europeus durante a ascensão
e malefícios das troikas. É uma degenerescência clara das instituições
comunitárias, que não foi expurgada nem com os mea culpas dos Schöbles
deste mundo. Está lá, é assustadora pelo que representa de um pouco admirável mundo
novo que nos espera no relacionamento internacional.
Por isso, tem sentido encimar este post com o gráfico que indica
(fonte Comissão Europeia) os ganhos per capita que os diferentes países auferem
com o mercado único europeu.
Tanta hipocrisia dá azia. Preciso de uma pastilha.
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