segunda-feira, 20 de julho de 2020

A UNIÃO VAI NUA!



(Vai nua e não entusiasma ninguém, antes pelo contrário. Qualquer que seja o resultado da longa maratona negocial do Conselho Europeu e por mais otimista que António Costa se manifeste, a verdade é que o que vai sendo percebido por detrás de todos os bloqueios que foram surgido em torno da proposta do Presidente Charles Michel assusta qualquer um e sugere que talvez seja a altura para contar menos com os dinheiros de Bruxelas e mais com a redução das nossas fragilidades).

Já tinha notícias documentadas em testemunhos de quem andou pelo mundo das negociações comunitárias que os holandeses são intratáveis a negociar. Pelo que se vai sabendo na imprensa internacional e nacional pelos meandros negociais do Conselho Europeu, a liderança dos chamados “frugais” assumida pelos Países Baixos e Áustria, com governos politicamente de cor diversa, coadjuvada pela Dinamarca, Suécia e pontualmente pela Finlândia, bloqueou sistematicamente o avanço da negociação. Foi-se compreendendo que o grupo, colocando a Alemanha numa posição politicamente muito delicada para consumo interno, apostou na redução do peso das subvenções a fundo perdido no conjunto do Fundo de Recuperação. A estratégia é cristalina. Reduzir subvenções significa aumentar o peso de empréstimos e, por conseguinte, da dívida, o que para países fortemente endividados como a Espanha, Itália e Portugal constitui uma forma indireta de controlo pesado sobre os beneficiários dos países mais atingidos pela pandemia. Transpareceu na imprensa portuguesa, não claramente na imprensa internacional especializada, que a posição de bloqueio a favor de menos subvenções e mais empréstimos fora acompanhada de exigências de reformas laborais e dos sistemas de pensões. A ser verdade, sobre o que não tenho evidência segura, tratar-se-ia de uma intromissão vergonhosa na política nacional, já que provinha de um grupo de países e não de uma posição europeia sobre a matéria. Imaginar que governos sociais-democratas do norte da Europa patrocinariam uma imposição desse calibre significa um descrédito absoluto para o ressurgimento socialista na Europa e anuncia o pior.

As notícias tornadas públicas em torno dos avanços de hoje quando a reunião do Conselho foi retomada pelas 16 horas confirmam que os “frugais” terão ganho a batalha da redução das subvenções, acabando por reduzir globalmente o montante financeiro do plano de Ursula von der Leyen, mas em meu entender as notícias são mais surpreendentes. O Financial Times falava de montantes substanciais de descontos (rebates) proporcionados a esse grupo de países em matéria de contribuições para o orçamento da União, estimando-se que os Países Baixos terão um desconto de cerca de 35 mil milhões de euros, o que é uma bela jogada. Aparentemente, a recuperação de tal figura que datava dos tempos de Thatcher e que aparentemente o Brexit tinha erradicado de vez foi utilizada por Charles Michel para tentar envolver o referido grupo dos frugais na negociação e conseguir algum alívio de tensão. Mas não me custa imaginar que, nos inúmeros encontros bilaterais que estas longas cimeiras encerram, que tenham sido os próprios a sugerir a Michel a sua recetividade a uma proposta desse tipo. E aqui se percebe que os frugais são tudo menos frugais a perceber pelo seu amor pela redução das contribuições financeiras para a União, sabendo ainda que a Alemanha não terá visto esses descontos aumentar. 

Nesta dimensão, a intenção dos frugais é rasteirinha, até porque, no caso dos Países Baixos, se trata de um país que à luz da incompreensível heterogeneidade fiscal na União realiza um autêntico saque à capacidade de punção fiscal de outros países que vêm as sedes de algumas das suas grandes empresas emigrarem para tais paragens.

De natureza diferente, é a discussão da famigerada cláusula que permitirá a qualquer país trazer a Conselho eventuais desvios dos planos de recuperação dos países, sabe-se lá em relação a que normas. Esta União está nuinha de todo, destapando tudo o que é interesse nacional mais chapado. Não motiva ninguém apesar do pilim. Começa a ser tempo para uma estratégia de contingência. Amigos destes não se convidam para casa.

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