(O debate da Nação de hoje trouxe aparentemente um novo posicionamento de António Costa e do PS relativamente às alianças políticas para o futuro difícil que está aí à porta a organizar em torno do combate à grande recessão pandémica. Estou surpreendido, errático é o termo que se ajusta melhor à minha perplexidade e não augura nada de positivo para o desenho das opções nacionais).
Para minha surpresa e em antagonismo evidente face ao acordo PS-PSD que mexeu com o escrutínio do Governo por parte da Assembleia da Republica, com a inexplicável passagem de quinze dias para dois meses quando o PCP ofereceu de bandeja a hipótese do debate mensal com o primeiro-Ministro, António Costa voltou hoje na Assembleia da República a falar de uma nova geringonça para os tempos duros que aí se perfilam.
Como o referi em devido tempo, sou dos que considera que a solução política da geringonça, por muito que tenha custado à memória de alguns socialistas, acabou por constituir a fórmula política ajustada ao período de recuperação dos tempos nefastos da Troika. Face aos resultados das últimas eleições, nas quais os eleitores decidiram, assumindo as responsabilidades, não conceber a maioria absoluta ao OS (e lá sabem porquê), teria preferido a continuação noutro plano e com outras prioridades desse acordo à esquerda. A solução foi demasiado depressa abandonada, reconhecendo que o PCP não facilitou essa possibilidade, houve arrufos e por isso não me caiu bem o argumento hoje esgrimido por António Costa contra o Bloco de Esquerda, interpelando-o pela sua putativa influência na não observação da maioria absoluta dos socialistas. É uma afirmação sem sentido e criticável de António Costa. Parece que os eleitores constituem uma banda de invertebrados sem vontade. Se o Bloco defendeu a não maioria absoluta do PS está no seu direito democrático de o fazer. Se os resultados eleitorados confirmaram esse resultado isso significa tão só que o eleitorado decidiu nesse sentido e que no seu conjunto duvidou dessa maioria absoluta. Não só os partidos devem ser responsabilizados pelas soluções potenciadas, boas ou más, mais estáveis ou mais instáveis, pelos resultados eleitorais. Os cidadãos que votam e os que não votam são também responsáveis por esses resultados.
Ora o que me parece estar a haver é um comportamento demasiado errático para meu gosto do PS e de António Costa. Uma coisa é não ter maioria e gerir as maiorias parlamentares de acordo com as decisões e opções que têm de ser tomadas, que se compreende quando a governação é assumida responsavelmente por um governo minoritário na Assembleia. Outra coisa bem diferente é apelar explicitamente a um tipo de maiorias e num ápice propor o seu contrário. Apelar como hoje o fez a uma nova geringonça invocando as dificuldades do futuro que está aí trazidas pela pandemia e recessão económica associada gera perplexidade no eleitorado e não é favorável ao tipo de escolhas que vamos ser obrigados a fazer.
Por estar atrasado na sua análise, não tenho ainda uma ideia definida sobre o plano Costa Silva. Mas de qualquer modo não o entendo ainda como uma proposta de governação. Pode ser uma Visão, admito-o, mas é fundamental perceber se essa é a Visão que o governo e o PS propõem aos Portugueses para esta nova travessia. O documento Costa Silva não é um documento de programação. Para o fazer corresponder à década do novo período de programação (os sete anos de aprovação de projetos e os restantes de apresentação autorizada de despesa) é necessário saber e discutir quais as prioridades de implementação que são compatíveis com esse período. Só com esse referencial definido e com a sua quantificação mais rigorosa será possível inferir que base de acordo pode ser oferecida ao debate para uma nova geringonça. Discutir essa possibilidade no vácuo, com picardias parlamentares e outros ajustes de contas de questões não resolvidas na última campanha eleitoral, não é sério e não acrescenta nada a um debate clarificador acerca da possibilidade de uma nova geringonça.
Pergunto-me o que terá levado António Costa a utilizar o momento político de ida do Parlamento para férias para suscitar esta questão. Farto das contradições e do comportamento errático do PSD, onde é cada vez mais difícil encontrar nas posições de Rui Rio as do Partido e vice-versa? Intuição política do caráter socialmente gravoso do que vem aí em termos de recessão forte e seguramente não em V cavado? Necessidade de conter a ala mais à esquerda do PS (embora me pareça que esta está a ser sobrevalorizada)?
Estou perplexo com tal comportamento errático. O que me sugere não estarmos com as melhores condições políticas para discutir as escolhas cruciais com que estaremos confrontados para preparar a travessia de algo que desejamos que não seja de novo um deserto empobrecedor.
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