(Não me lembro de ter um título tão curto para um post,
sobretudo quando comparado com o caráter devastador da situação económica que
está associada aquela percentagem. É do impacto
pandémico no turismo que falo, projetado num território, a Região Autónoma da
Madeira, que estruturou o seu modelo de especialização em torno desse ativo.
Os jornais de ontem referiam com algum estrondo que, juntando trabalhadores
desempregados e em situação de lay-off empresarial, 45% da população
ativa madeirense estava abrangida pelo
estatuto de inatividade forçada. É de facto um número de peso, preocupante
quanto baste e que sobretudo demonstra uma ideia que tenho vindo a destacar
desde o início das manifestações pandémicas. A crise económica e social
suscitada pela pandemia é, em muitos territórios, muito mais do que
proporcional à incidência da crise sanitária.
Os países ou regiões -ilhas ou arquipélagos apresentam características
muito particulares em matéria de efeitos combinados da crise sanitária e da
crise económica associada. Por um lado, têm boas condições para controlar o
surto epidémico, fechando temporariamente fronteiras e manejando a sua pequena
dimensão para seguir com rigor os processos de rastreabilidade. Por outro lado,
ficam colocados num trade-off cuja permanência não é sustentável por
muito tempo. Permanecer encerrados permite estabilizar o surto mas isso suscita
um custo desproporcionado em termos de animação das atividades económicas que
dependem dessa abertura.
É neste quadro já em si problemático que se juntam os efeitos da
monoespecialização turística. Os economistas que estudaram a armadilha dos
recursos naturais, de que o turismo é uma variante com algumas
particularidades, sabem que a diversificação e intensificação em conhecimento
de uma economia baseada no turismo enfrenta obstáculos sérios, dada a pujança
do binómio turismo-imobiliário, ao qual na RAM se adicionaram ciclos vigorosos
de investimento em infraestruturas. Esses ciclos estão esgotados há muito
tempo, mas tem sido difícil avançar para uma outra lógica motora do crescimento
económico. Por isso, nessas economias é mais difícil promover a reatividade nos
processos de realocação de recursos estimulando a dinamização de novas
atividades económicas.
Acresce que 45% de ativos parados por força dos efeitos pandémicos tenderá,
por mais relevantes que sejam as ajudas à paragem, a gerar uma crise social de
grandes proporções, que é, ela própria, nociva para a afirmação do destino
turístico. A Região já viveu períodos de forte crise social induzida pela
quebra da procura turística e sabe como é crucial almofadar essas situações
para não perturbar a recuperação da procura.
Por isso, no quadro do trade-off atrás assinalado, a Região intui
que vale a pena o risco da abertura controlada do transporte aéreo, sobretudo
num modelo de rigoroso acompanhamento de possíveis casos importados que
tenderão a emergir com a chegada dos primeiros turistas. O número de 93 casos
confirmados até à quase estabilização interna concede alguma margem de manobra
à atração de alguma procura turística convencida pelo “clean and safe”
madeirense acompanhada da sua inexcedível capacidade de bem receber. Esse
modelo de abertura mais gradual e pensado do que a armadilha dos corredores
aéreos exige, porém, um elevado esforço financeiro na manutenção de condições
mínimas de proteção social e de rendimento.
Esperando que a Região e o Governo da República consigam aguentar a
situação até que a procura turística possa ser recuperada, a Região tem
entretanto à sua frente o enorme desafio de questionar o seu modelo de
desenvolvimento e, no quadro do período de programação que está aí à porta,
começar a desenhar uma trajetória de evolução que reduza a sua vulnerabilidade
face à monoespecialização turística. Não se trata de rejeitar essa tradição e a
proficiência que foi sendo construída nessa atividade. Trata-se, apenas, de
paulatinamente construir novos pilares para com ela interagir, potenciando a
flexibilidade de adaptação em tempos críticos.
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