(Mariana Mazzucato tem no New York Times de ontem (edição
internacional) um artigo de grande oportunidade, interrogando-se sobre a
contradição plasmada no título deste post. Retomando o tema central do seu último livro e discutindo a diferença entre
os conceitos de preço e de valor, a mais importante autora da atualidade sobre
o valor do “público” traz-nos ideias de grande fôlego para compreender os
dilemas em torno do que é hoje solicitado à intervenção pública.
Desde os tempos da Grande Recessão de 2008 e por ora devido à crise
económica pandémica que nos assola, “aqui d’el Rey” todo o bicho careta
privado aparece a reclamar a sua quota parte no quinhão da intervenção pública.
O modelo é bem conhecido: quando as perdas se agigantam solicita-se a sua
socialização e quando as coisas recuperam os ganhos voltam a privatizar-se. Ou
dito de outro modo, com bom vento toda a gente é liberal e amante do mercado,
quando a borrasca aparece surge a ladainha da “ajuda pública em última
instância”. Foi e é assim na banca, vai ser assim e veremos com que trágica
intensidade a propósito da TAP. Cara Susana Peralta que as palavras e a
inteligência não te faltem para, mesmo em colisão com a naftalina dos Grandes
Profs da Nova, continuares a denunciar o que parece evidente ser o “rei vai nu
na TAP”. Mas alguém imagina que um país da dimensão de Portugal, com todos os
Ronaldos deste mundo, escapa à tendência vertiginosa para a concentração do
transporte aéreo, babando-se com a sua companhia de bandeira. Até alguém
minimamente inteligente como o Daniel Oliveira embarca por pura ideologia nesta
ascensão divina.
Pois o que a Mariana Mazzucato nos diz (link aqui) e com todas as letras é que essa
contradição entre a socialização das perdas e a privatização dos ganhos não é
uma inevitabilidade. A socialização dos ganhos e dos sucessos é também possível
e isso não significa generalizar o empreendedorismo público. A ideia proposta é
nos seus contornos de grande simplicidade embora a sua operacionalização possa
ser mais complexa. O esquema desejável aponta para a criação de “dividendos de
cidadania”, através dos quais a criação de um fundo ligado à riqueza nacional
permite que os cidadãos possam partilhar ganhos através de ações desse Fundo e
assim contribuir para a socialização dos ganhos e não apenas das perdas.
Este mecanismo não seria apenas aplicável aos casos de intervenção pública
para impedir falências e desaparecimentos, mas também extensivo aos casos de
investimentos públicos estruturantes por exemplo na área da investigação
científica e tecnológica que acabam por potenciar a entrada do setor privado e
a privatização dos futuros ganhos. Está aqui em causa a demolição do
convencimento de que só a esfera privada cria valor. É um bom tema para a
reconsideração das relações entre o público e o privado. A pandemia reabilitou
o tema mas ele é mais abrangente.
Nota final
Já não há pachorra para aguentar as costumeiras intrigas e desaforos no PS
quando a oposição é fraca e quando as coisas correm menos bem. Medinas, Santos,
Cordeiros; Lacerdas e outra fauna que se enxerguem, pois os desafios que se
colocam à sociedade portuguesa estão muito para além de personagens de circunstância,
mais ou menos mulas ou de voz mais fina ou mais grossa.
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