(Têm-me sabido bem estes dias de férias com
alguns trabalhos para acabar, evitando filas de trânsito e tempos de espera
nada aceitáveis do ponto de vista da descarbonização da nossa aglomeração
metropolitana. O conforto do escritório banhado pelo sol, a proximidade aos livros e à
música é um bom contexto para um balanço deste 2019 que se esvai.)
Vou fazer o balanço à moda de revista de atualidades,
realçando as dimensões que me são mais próximas, em registo de proximidade
pessoal aos temas e sem preocupações de ser exaustivo, sobretudo porque me falta
arcaboiço para tal.
Comecemos pelo desporto.
O acontecimento desportivo que mais me marcou em 2019 foi
o regresso de Tiger Woods ao caminho das vitórias e ainda ontem passei os olhos
pela magnífica cobertura do Masters de Augusta. Tiger Woods não é aquele atleta
simpático com o qual a empatia se cria quase espontaneamente. Mas as condições
que estiveram subjacentes ao seu regresso às vitórias em torneios de grande expressão
mediática e de prestígio internacional representam um caso excecional e raro de
resistência à adversidade, à dor física, à pressão do regresso. Os últimos três
buracos do 4º dia do Masters em Augusta são um prodígio de resistência e como
aquela multidão precisava do regresso de Woods. Talvez um regresso efémero, as
costas talvez cedam de novo e a possibilidade de igualar o sempre eterno Jack
Nicklaus nos seus seis triunfos do Masters talvez se transforme numa miragem.
Mas o feito principal está alcançado e aquela explosão quando a vitória se
consumou é um rugido de resistência que tenho dificuldade em encontrar algo de
similar no desporto.
Na literatura
Tenho-me aproximado cada vez mais da literatura
espanhola, sobretudo a partir do momento em que comecei a sentir-me com mais
confiança para desbravar algumas obras em castelhano.
Em 2019, por entre muita literatura em que mergulhei
houve duas obras que fizeram a diferença e ambas têm por autores escritores
espanhóis que podem considerar-se de uma média idade ainda jovem.
EM TUDO HAVIA BELEZA (Ordesa na versão espanhola) de Manuel Villas (Alfaguara
Portugal, fevereiro de 2019) é um verdadeiro prodígio de sensibilidade e de
exercício afetivo da memória num registo pessoal que nos entra pelas entranhas.
Li-o antes e depois de perder a minha Mãe e apetece-me relê-lo quando regresso
a Seixas onde o livro está guardado.
Mais recentemente, TODAS
AS ALMAS de Javier Marías
(Alfaguara Portugal, outubro de 2019) trouxe-me um registo de finura literária de
que já tinha saudades. O modo como a vivência de Oxford é descrita num quadro
de registo de ambiências e de registos que deambulam por aqueles rituais
universitários é também um prodígio de elegância. Ler com deleite a descrição
de um daqueles jantares nos Colleges, designados de High Tables, numa
alusão ao patamar superior em que está colocada a mesa de professores,
convidados e do Warden que dirige a cerimónia, face ao plano inferior das mesas
dos estudantes vale a obra. O modo fascinante como Marías descreve o progressivo
estado de embriaguez do warden Lord Rymer, político conservador influente e
vingativo, que se debate com o fascínio pelo decote de Clare Bayes, uma
personagem central do livro, e com as suas obrigações de usar o martelo de
mestre de cerimónias é um espanto de graça e mestria da escrita. A confusão que
se estabelece naquela mesa induzida pela embriaguez progressiva do warden, com
os empregados de mesa a serem erradamente induzidos a iniciar novas fases do
repasto é uma metáfora deliciosa da vida universitária.
Na música
Em 2019, vi na Gulbenkian finalmente a minha diva e
conforto de muitas horas de trabalho, Martha Arguerich, acompanhada por Steven
Kovacevich, e isso bastaria para que o ano fosse registado como um marco na
minha pobre (de formação) vida musical. Mas gostaria de acrescentar a esse
registo a vibrante produção musical portuguesa, jazz e clássica, muitas vezes
interagindo virtuosamente. O disco de Bernardo Sassetti gravado no Teatro
Micaelense e no seu famoso piano, SOLO (Universal), o disco de Samuel Gapp (um
alemão radicado em Portugal), prémio de composição Bernardo Sassetti, em torno
da herança de Ravel e o recente ARCUEIL de Joana Gama que trabalha a influência
de Eric Satie são exemplos de uma pujança que começa finalmente a chegar à
discografia.
Na política
2019 fecha uma década com a confirmação de uma ideia
perturbadora. A democracia está sob ameaças profundas. O populismo ganhou a
batalha, com manifestações à direita e à esquerda, da crítica e combate à
globalização, simplesmente porque o socialismo e a social-democracia não
entenderem a importância de não abandonar os perdedores da globalização. E é
com essa interrogação (da qual o BREXIT é simplesmente uma variante
geograficamente referenciada) que entramos em 2020.
Na economia
Graças a um longo e penoso trabalho profissional de quase
24 meses, travado em torno da avaliação da implementação das Estratégias
Nacional e Regionais de Especialização Inteligente em Portugal, tenho hoje mais
claro o desafio com que a economia portuguesa se debate de transformar o valioso
potencial de investigação e desenvolvimento e de inovação que vai surgindo nas
frentes mais avançados do sistema tecnológico nacional em resultados mais
efetivos projetados na produtividade, na competitividade, nas exportações e no
perfil de especialização produtiva. Empresas “gazelas” existem mas não é ainda
seguro que as frentes promissoras de inovação que se vão abrindo na economia
portuguesa, com as regiões do Norte e Centro e os seus sistemas regionais de
inovação a dar cartas nessa mudança, possam generalizar-se e concretizar a
mudança estrutural a que tantos de nós aspiram.
E com isto termino porque me parece uma ponte feliz entre
o 2019 que se esvai e o 2020 que está aí à porta e que merecerá reflexões próprias.
Depois de muitos anos e com 70 anos mais sensíveis ao
frio do que antes, vou hoje à rua para festejar a passagem de ano, com jantar entre
amigos em José Falcão (ainda não sei em que canto).
A todos os leitores deste blogue, um Feliz Ano de 2020,
com votos de que a vossa energia cívica não esmoreça. Iremos fazendo por isso.