terça-feira, 3 de dezembro de 2019

MARIA JUDITE DE CARVALHO



(A edição pela Minotauro, grupo Almedina, da obra completa de Maria Judite de Carvalho é em si própria um acontecimento que marca o ano de 2019. À medida que vou entrando lentamente nos seis volumes publicados mais me vou apercebendo da tremenda injustiça a que foi devotada. Espero que a sua edição não venha a ser capturada pelo feminismo mais esquemático, mas não conheço melhor na literatura portuguesa no que respeita ao traço mais rigoroso da vida vazia de muitas mulheres rodeadas por gente, muita gente.)

A leitura de Tanta Gente Mariana logo no primeiro volume da obra completa agora editada é a melhor entrada possível no universo da escrita de MJC. Há um traço de existencialismo no registo metódico de um vazio feminino que impressiona pelo estilo despojado, rigoroso, dos tempos de que esse vazio se alimenta.

Dizem os que privaram mais de perto com a escritora de que a sua obsessão por não se destacar a qualquer preço, assumindo o recato da sua criação literária, mas não deixando por isso de ser uma observadora impiedosa da realidade. Com a particularidade de termos registos de antes e depois da revolução de Abril, as crónicas e textos que publicou no Diário de Lisboa das nossas recordações são documentos que temos de revisitar se quisermos reunir traços impressivos do que era a sociedade portuguesa de então.

Não vou entrar na circunstância da obra e vida de MJC poder ter sido penalizada pela maior exposição pública e política do que foi seu marido Urbano Tavares Rodrigues. Talvez mais relevante do que essa dimensão da vida da escritora tenha sido a sua passagem por Paris entre 1949 e 1955, sendo provável que tenha sido aí influenciado pelo existencialismo francês e pelo “nouveau roman”. Talvez essa influência esteja marcada no despojamento da sua escrita.

A edição da Minotauro é cuidada e apetece manusear, em grande medida enriquecida pelos desenhos e pintura da própria autora. Seis volumes preciosos para reencontro com uma escrita que nos ajuda a desvendar o talento de MJC mas também aspetos da vida urbana sobre a qual escasseavam perspetivas femininas como a da autora.

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