(A edição pela
Minotauro, grupo Almedina, da obra completa de Maria Judite de Carvalho é em si
própria um acontecimento que marca o ano de 2019. À medida que vou entrando
lentamente nos seis volumes publicados mais me vou apercebendo da tremenda
injustiça a que foi devotada. Espero que a sua edição
não venha a ser capturada pelo feminismo mais esquemático, mas não conheço
melhor na literatura portuguesa no que respeita ao traço mais rigoroso da vida
vazia de muitas mulheres rodeadas por gente, muita gente.)
A
leitura de Tanta Gente Mariana logo no primeiro volume da obra completa agora
editada é a melhor entrada possível no universo da escrita de MJC. Há um traço
de existencialismo no registo metódico de um vazio feminino que impressiona
pelo estilo despojado, rigoroso, dos tempos de que esse vazio se alimenta.
Dizem
os que privaram mais de perto com a escritora de que a sua obsessão por não se
destacar a qualquer preço, assumindo o recato da sua criação literária, mas não
deixando por isso de ser uma observadora impiedosa da realidade. Com a
particularidade de termos registos de antes e depois da revolução de Abril, as
crónicas e textos que publicou no Diário de Lisboa das nossas recordações são
documentos que temos de revisitar se quisermos reunir traços impressivos do que
era a sociedade portuguesa de então.
Não
vou entrar na circunstância da obra e vida de MJC poder ter sido penalizada
pela maior exposição pública e política do que foi seu marido Urbano Tavares
Rodrigues. Talvez mais relevante do que essa dimensão da vida da escritora
tenha sido a sua passagem por Paris entre 1949 e 1955, sendo provável que tenha
sido aí influenciado pelo existencialismo francês e pelo “nouveau roman”.
Talvez essa influência esteja marcada no despojamento da sua escrita.
A
edição da Minotauro é cuidada e apetece manusear, em grande medida enriquecida
pelos desenhos e pintura da própria autora. Seis volumes preciosos para
reencontro com uma escrita que nos ajuda a desvendar o talento de MJC mas
também aspetos da vida urbana sobre a qual escasseavam perspetivas femininas
como a da autora.
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