(Nos últimos tempos têm-se sucedido as
críticas internas ao capitalismo. Muito provavelmente isso explica-se pelo registo
de que, na senda do que Branko Milanovic nos quis dizer com o CAPITALISM ALONE,
não nos resta hoje outra alternativa, nem sequer no mundo da utopia. Mas o que é marcante nesse movimento é a origem dessas
críticas internas situar-se no pensamento dos que nunca ousaram estar fora do
sistema. Ou seja, não é o resultado de quem se viu frustrado pela
autodestruição das alternativas, mas por iniciativa de quem sempre acreditou
nas virtualidades ilimitadas do mercado.)
Sabemos que o capitalismo não é uma entidade homogénea,
mas antes profundamente heterogénea. Ainda há dias, em post dedicado a Branko
Milanovic e à sua última obra CAPITALISM ALONE (link aqui),
me referi ao confronto de dois modelos organizados em torno da influência
americana e chinesa, realçando a pobreza de tal confronto se não formos para
além das categorias principais. A investigação em torno das VARIEDADES DO CAPITALISMO sempre me atraiu
com mais intensidade. Para além disso, o modo como as diferentes variedades de
populismo entraram na configuração dos modelos concretos de capitalismo tende a
reforçar a heterogeneidade atrás referida. A variável do populismo é chave para
compreender essa heterogeneidade na medida em que ela emerge associada a um
recuo da globalização, a partir do momento em que os populismos de direita e de
esquerda ganharam posição na crítica da globalização, derrotando em toda a
linha a linha reformista da sua transformação como modelo de alocação de
recursos à escala mundial.
Mas o pano de fundo e contraponto de toda essa variedade
resiste na frustrada afirmação da alternativa dos modelos de inspiração
socialista e comunista. Frustrada afirmação que se desenhou por estádios
progressivos de queda de expectativas. Primeiro, foi a degenerescência dos
modelos soviético e chinês. Depois foi a desilusão com os movimentos do
Terceiro Mundo que buscaram uma alternativa autónoma e que rapidamente desembocaram
em estruturas autoritárias e corruptas. Finalmente, o progressivo isolamento do
modelo cubano, apesar da sua resiliência e efetivos progressos em matéria de problemas
básicos como a mortalidade infantil e as cópias adulteradas que surgiram em
alguns pontos da América Latina, com destaque para o afundamento do chavismo.
Neste contexto e dado o inequívoco progresso em termos de
bem-estar material que o capitalismo trouxe com o progresso tecnológico a uma
massa muito significativa de população, a crítica externa do capitalismo,
orientada para alternativas socialistas e comunistas, não poderia deixar de se
transformar numa crítica interna do sistema. Pode, aliás, dizer-se que essa
transformação é tanto mais inevitável quanto mais as sociedades capitalistas
avançaram nas melhorias de bem-estar material. Claro que isso não significa que
desapareça a memória das alternativas, mais ou menos saudosistas. Jeremy Corbyn
e a sua ala trabalhista representam um exemplo dessa tendência, sendo nesses casos
praticamente impossível distinguir onde acaba a crítica interna e começa a
externa. O que sabemos é que politicamente essa diluição das duas críticas é trágica
e que o Labour demorará um longo tempo até navegar em águas mais cristalinas
quanto às opções futuras.
Mas o facto mais sugestivo é a proliferação de críticas
internas, provenientes não de saudosistas de uma utopia alternativa, mas de
gente que pensa a partir de dentro e que sempre alinhou com as virtualidades
pressupostamente ilimitadas do mercado e da alocação de recursos que proporciona.
Há um tema particularmente caro a este blogue que é o principal responsável
desta avalanche de críticas internas, preocupadas com a sustentatibilidade do
sistema. Esse tema é a desigualdade, combinada com a evolução estrutural do
sistema para formas de concentração do capital e da procura de trabalho que a
reproduzem e fixam enviesadamente a política económica e a fiscalidade.
Durante muito tempo, a desigualdade foi encarada pelo
capitalismo como um regulador das preocupações distributivistas do sistema,
sendo extremamente conhecida a ilusão do trade-off entre crescimento e
equidade. Esta última para ser melhorada exigiria sempre um menor crescimento e
esse trade-off era uma espécie de chantagem assusta meninos. Podes redistribuir
mas crescerás menos e podes ter problemas de emprego!
Essa fase está hoje claramente suplantada pela evidência
de que a desigualdade constitui um inibidor estrutural do crescimento e isso
altera profundamente a questão. A desigualdade pode ser entendida como um custo
inibidor do crescimento e da dinâmica do sistema. É por isso, por exemplo, que
Martin Wolf invoca (link aqui), vejam quem, Aristóteles: “É
claro que … esses estados em que o elemento intermédio é forte, e mais forte se
possível do que os outros dois (o rico e o pobre) juntos, ou de qualquer modo mais
forte do que qualquer um dos outros, terá todas as possibilidades de usufruir
de uma bem administrada constituição”. Para Martin Wolf, o
enfraquecimento da concorrência, um fraco crescimento da produtividade, uma
desigualdade elevada e a degradação da democracia devem ser interpretadas à luz
de uma perspetiva global da degenerescência do capitalismo e não como peças
separadas de um puzzle com resolução ainda desconhecida.
É o que eu chamo uma crítica interna demolidora, tão ou
mais demolidora do que uma visão externa saudosista à la Corbyn.
Mas nós economistas deixamo-nos enredar no ceteris
paribus (uma variável mexe-se mantendo-se tudo o resto constante). Que bom que seria. É que hoje a questão não é apenas colocar em prática um
crescimento redistributivo-inclusivo. O desafio é mais amplo e envolve a
necessidade de configurar uma perspetiva mais saudável do ponto de vista intergeracional,
integrando a questão da emergência climática e da sustentabilidade em geral.
Assunto para outros escritos.
Sem comentários:
Enviar um comentário