(Não são as correções estatísticas operadas
pela Direção Geral de Saúde acerca dos números dos últimos três anos que atraem
a minha atenção, nem sequer a magnitude dos números, embora não deixem de ser
preocupantes. O que me interessa essencialmente analisar é a natureza da própria
morbilidade, que interpreto como algo determinado por uma evolução social muito
concreta que não gerou ainda os comportamentos mais adequados em termos de
minimização do risco.)
Os números revistos pela DGS respeitantes aos anos de
2016, 2017 e 2018 geraram na comunicação social alguma preocupação, arriscaria
mais pelas condições que estiveram na base da revisão operada (essencialmente
reencontro e ajustamento de fontes) e pela dança dos números que tal revisão
operou do que propriamente pela natureza dos problemas que subjazem a tais
acontecimentos.
É sabido que a idade média da mulher no casamento
aumentou significativamente, o que não é propriamente o reflexo da condição
feminina, mas essencialmente das condições de remuneração e habitação de casais
jovens, que protela a idade do casamento. Acresce a este facto o resultado
paulatino mas sustentado da decisiva entrada da mulher no mercado de trabalho,
com o que isso traz de preenchimento de expectativas de um grupo que atinge as
suas qualificações com os resultados mais elevados quando confrontados com os
alcançados pelos homens. A progressão na vida profissional é a medida de
ajustamento mais relevante com essas expectativas e, para além das condições de
conciliação da vida profissional e familiar que, apesar dos progressos
alcançados, continua a penalizar a mulher, a mulher ativa enfrenta o dilema da
fertilidade, renunciando à mesma ou diferindo-a até aos limiares do possível.
O aumento da idade média das mulheres que têm o seu
primeiro filho é uma consequência diríamos natural de um estado de coisas que
não é em si natural, antes resulta de condições que penalizam a mulher e que a
coloca perante riscos que importa avaliar e não analisar de ânimo leve. E não
será espúrio dizer que nesta equação há uma altura em que as condições
económicas entram em ação. Nem todas as grávidas de idade mais elevada são
acompanhadas com o rigor que uma situação de maior risco exigiria. É sabido que
as condições de acompanhamento de processos de gravidez melhoraram de forma
muito significativa e pelo que vou sabendo de comparações empíricas
internacionais o acompanhamento de uma grávida em Portugal em matéria de meios
auxiliares de diagnóstico, designadamente de ecografias, é bem mais generoso do
que o observado em alguns outros países europeus mais desenvolvidos do que
Portugal.
O que me parece existir aqui é uma alteração
significativa de contextos de gravidez, determinados não só pelo aumento de
idade média da mulher futura parturiente mas também pelo contexto de vida e
pressão profissional que a grande maioria das grávidas tardias enfrenta no seu
dia a dia profissional. Ora, numa alteração de contexto desta natureza,
interrogo-me se o comportamento de mulheres grávidas e do próprio sistema de
acompanhamento estão neste momento devidamente adaptados a essa mudança de
paradigma. Se o parto é sempre uma situação de risco, esse risco aumenta neste
contexto de processos de gravidez tardios.
O problema da mortalidade materna apresenta assim uma
dimensão de problema social que transcende o ato clínico e que ilustra bem como
a recuperação da taxa de fertilidade não pode ser afrontado com uma simples
retórica política ou com o mais esmerado e politicamente correto “wishful
thinking”.
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