(Observador)
(À medida que vamos ganhando alguma distância
face à eleição de 12 de dezembro vão ficando mais claro as razões do êxito
Conservador e da tragédia recessiva do Labour. Simbolicamente, uma das primeiras deslocações de
Boris Johnson após ter sido empossado pela Rainha e ainda antes do anúncio do
novo Governo teve por destino os bastiões trabalhistas do Norte que caíram para
os Conservadores. E aqui está um dos pontos-chave da reviravolta política no
Reino Unido.)
O território que muitos analistas designavam por “muralha vermelha” abrange
um conjunto de circunscrições eleitorais que vão do norte do País de Gales à
costa do nordeste britânico (Northumberland), passando pelas famosas Midlands. O
que este território tem de comum é o facto de integrar as principais bacias
mineiras e industriais do Reino Unido. Do ponto de vista eleitoral, são 24
circunscrições, verdadeiros bastiões Trabalhistas, onde desde sempre (quase um
século) se forjou uma cultura operária e sindicalista, que até ao dia 12 tinham
permanecido fiéis ao Labour, quaisquer que fossem as suas lideranças e muitas
delas já estavam muito afastadas do espírito do tempo que atravessava aquelas
paragens. Pois foram estas 24 circunscrições que, em grande medida, viabilizaram
a reviravolta Conservadora. Daí o tom simbólico da viagem de Johnson (que não é
parvo, excêntrico e apalhaçado mas não parvo e destituído de criatividade
política) aquelas paragens, prometendo tudo e mais alguma coisa e tentando no
fundo preservar aquele apoio para outros tempos. Nada garante que o fenómeno
BREXIT tenha justificado este interregno e que, para os que não desaparecerem
desta vida em universo tão envelhecido, não seja possível um regresso às origens,
sobretudo à medida que os efeitos mais obscuros da saída britânica da União ficarem
mais claros.
Pensando mais profundamente sobre esta realidade, rapidamente concluímos que
algo de similar se passou em França com a passagem de alguns bastiões
comunistas do norte de França para a Frente Nacional de Marine Le Pen. Foi
também algo de semelhante que aconteceu em algumas cinturas industriais dos EUA
em que se forjaram votos convictos em Trump e nas suas fanfarronadas.
O que há de comum nestes territórios de raiva, deceção e perceção de abandono?
Nada mais do que os efeitos estruturais da globalização ameaçando bacias inteiras
pela entrada em cena de outras bacias, localizadas noutras paragens,
trabalhando a custos mais baixos e também com o direito de iniciar uma nova onda
de industrialização ou, pior dos cenários, vendendo a alma da segurança no trabalho
ou da sustentabilidade ambiental. Surpresa? Não, nem por isso, a matéria está
há longo tempo estudada. Mas seguramente a evidência de que as políticas
sociais de minimização de tais impactos foram inconsequentes, inapropriadas,
condescendentes, retóricas, o que quiserem. Não foi por falha dos economistas que
denunciaram em tempo oportuno as perdas inevitáveis que tais reestruturações e
deslocalizações inevitavelmente iriam produzir. Foram antes falhas políticas de
incompreensão do alcance de tais efeitos. Primeiro, foram esses efeitos que
determinaram que nesses territórios o apoio ao BREXIT fosse maioritário. Foram
a meu ver essas circunscrições as responsáveis pela grande indecisão de Corbyn
em relação ao BREXIT. No fundo, bem lá no fundo das suas convicções, Corbyn
dificilmente trairia essa cultura mineira e operária. Segundo, interrogo-me se
não teria sido mais clarificador o apoio do Labour ao resultado inicial do
referendo em que o LEAVE venceu. Talvez, o eleitorado do REMAIN se tivesse
virado não para Johnson mas antes para os LIB DEM.
Uma outra nota, esta mais claramente identificada com o cosmopolitismo
londrino. Não foi nestas imediações que se perderam bastiões trabalhistas. Até
pode falar -se da atípica vitória Trabalhista em Putney arrancando uma vitória
aos Conservadores.
Jeremy Corbyn e John McDonnell vão hibernar, paciência precisa-se para as
suas companheiras, pois transformar-se-ão seguramente em velhos resmungões e
quezilentos. Os rumos que a transformação interna do Labour irá viver serão
essenciais para se compreender as mudanças na social-democracia, mesmo no
exterior da União.
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