domingo, 15 de dezembro de 2019

BORIS POR TERRAS DO NORTE

(Observador)

 (À medida que vamos ganhando alguma distância face à eleição de 12 de dezembro vão ficando mais claro as razões do êxito Conservador e da tragédia recessiva do Labour. Simbolicamente, uma das primeiras deslocações de Boris Johnson após ter sido empossado pela Rainha e ainda antes do anúncio do novo Governo teve por destino os bastiões trabalhistas do Norte que caíram para os Conservadores. E aqui está um dos pontos-chave da reviravolta política no Reino Unido.)

O território que muitos analistas designavam por “muralha vermelha” abrange um conjunto de circunscrições eleitorais que vão do norte do País de Gales à costa do nordeste britânico (Northumberland), passando pelas famosas Midlands. O que este território tem de comum é o facto de integrar as principais bacias mineiras e industriais do Reino Unido. Do ponto de vista eleitoral, são 24 circunscrições, verdadeiros bastiões Trabalhistas, onde desde sempre (quase um século) se forjou uma cultura operária e sindicalista, que até ao dia 12 tinham permanecido fiéis ao Labour, quaisquer que fossem as suas lideranças e muitas delas já estavam muito afastadas do espírito do tempo que atravessava aquelas paragens. Pois foram estas 24 circunscrições que, em grande medida, viabilizaram a reviravolta Conservadora. Daí o tom simbólico da viagem de Johnson (que não é parvo, excêntrico e apalhaçado mas não parvo e destituído de criatividade política) aquelas paragens, prometendo tudo e mais alguma coisa e tentando no fundo preservar aquele apoio para outros tempos. Nada garante que o fenómeno BREXIT tenha justificado este interregno e que, para os que não desaparecerem desta vida em universo tão envelhecido, não seja possível um regresso às origens, sobretudo à medida que os efeitos mais obscuros da saída britânica da União ficarem mais claros.

Pensando mais profundamente sobre esta realidade, rapidamente concluímos que algo de similar se passou em França com a passagem de alguns bastiões comunistas do norte de França para a Frente Nacional de Marine Le Pen. Foi também algo de semelhante que aconteceu em algumas cinturas industriais dos EUA em que se forjaram votos convictos em Trump e nas suas fanfarronadas.

O que há de comum nestes territórios de raiva, deceção e perceção de abandono? Nada mais do que os efeitos estruturais da globalização ameaçando bacias inteiras pela entrada em cena de outras bacias, localizadas noutras paragens, trabalhando a custos mais baixos e também com o direito de iniciar uma nova onda de industrialização ou, pior dos cenários, vendendo a alma da segurança no trabalho ou da sustentabilidade ambiental. Surpresa? Não, nem por isso, a matéria está há longo tempo estudada. Mas seguramente a evidência de que as políticas sociais de minimização de tais impactos foram inconsequentes, inapropriadas, condescendentes, retóricas, o que quiserem. Não foi por falha dos economistas que denunciaram em tempo oportuno as perdas inevitáveis que tais reestruturações e deslocalizações inevitavelmente iriam produzir. Foram antes falhas políticas de incompreensão do alcance de tais efeitos. Primeiro, foram esses efeitos que determinaram que nesses territórios o apoio ao BREXIT fosse maioritário. Foram a meu ver essas circunscrições as responsáveis pela grande indecisão de Corbyn em relação ao BREXIT. No fundo, bem lá no fundo das suas convicções, Corbyn dificilmente trairia essa cultura mineira e operária. Segundo, interrogo-me se não teria sido mais clarificador o apoio do Labour ao resultado inicial do referendo em que o LEAVE venceu. Talvez, o eleitorado do REMAIN se tivesse virado não para Johnson mas antes para os LIB DEM.

Uma outra nota, esta mais claramente identificada com o cosmopolitismo londrino. Não foi nestas imediações que se perderam bastiões trabalhistas. Até pode falar -se da atípica vitória Trabalhista em Putney arrancando uma vitória aos Conservadores.

Jeremy Corbyn e John McDonnell vão hibernar, paciência precisa-se para as suas companheiras, pois transformar-se-ão seguramente em velhos resmungões e quezilentos. Os rumos que a transformação interna do Labour irá viver serão essenciais para se compreender as mudanças na social-democracia, mesmo no exterior da União.

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